“Vai rolar sangue”: os diálogos do general mais radical de Bolsonaro
Mensagens identificadas pela PF colocam militar indiciado como um grande articulador de um golpe de Estado. Veja mensagens inéditas
atualizado
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Áudios do general Mário Fernandes tornaram-se peça-chave para a Polícia Federal (PF) na conclusão do inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado, que resultou no indiciamento de 37 pessoas na última semana.
Apontado pela PF como o militar mais radical entre os golpistas, Mário Fernandes desempenhou papel ativo na conspiração, mantendo contato com diferentes fontes. Seus diálogos iam desde integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro até militares e líderes das manifestações golpistas no QG do Exército, em Brasília.
Transcrições inéditas desses áudios, obtidas pela reportagem do Metrópoles, mostram que o general se preocupava com divisões internas nas Forças Armadas, organizava diretamente atos golpistas e até celebrava a violência em protestos. “Vai rolar sangue”, comentou sobre um protesto violento.
Mário foi preso na última terça-feira (19/11), na Operação Contragolpe da PF. Segundo as investigações, ele articulou plano para matar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Mário foi chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República de Bolsonaro e comandante de Operações Especiais, em Goiânia (de boné na foto em destaque).
Bolsonaro e sangue
Em áudio enviado em 8 de dezembro de 2022 para o ex-ministro de Bolsonaro general Braga Netto, Mário afirmou que se reuniu com o então presidente no Palácio da Alvorada para tratar de uma “decisão” e de uma “medida” que precisava ser feita antes da posse de Lula.
“Ele (presidente) enfatizou que o dia 12 (de dezembro) não é uma preocupação grande por causa da diplomação do vagabundo. E que teria tempo até o dia 31 para tomar qualquer medida”, afirmou Mário. Áudio semelhante foi enviado para o tenente-coronel Mauro Cid, conforme matéria já publicada pelo Metrópoles.
Veja os diálogos completos:
No dia 12 de dezembro foi a posse de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Durante a noite, manifestantes bolsonaristas promoveram protesto violento no entorno da sede da PF, em Brasília, depois que uma liderança indígena do movimento golpista foi presa.
O general Mário comentou com entusiasmo sobre o quebra-quebra com o coronel reformado Reginal Vieira, o Velame.
“Tu viu que já começaram a radicalizar, né? A prisão do cacique ali já levou. (…). O pau tá comendo. Os distúrbios urbanos já iniciaram. Agora vai rolar sangue”, comemorou o general Mário em áudio para o amigo militar.
Conversas secretas e racha militar
Mário também mantinha contato com o chefe da ajudância de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que firmou delação premiada e colabora com as autoridades para identificar os responsáveis pela tentativa de golpe. Foi o próprio Cid quem afirmou que o general Mário era o mais radical entre os envolvidos.
Para a Polícia Federal, os diálogos sugerem que Cid e Mário utilizavam outra ferramenta de comunicação com o objetivo de evitar rastros. Em um dos áudios transcritos pelos investigadores, o general Mário solicita que Cid encaminhe um endereço de forma segura para outros “camaradas”.
As conversas do general Mário também revelam preocupação com divisões dentro das Forças Armadas. As investigações apontam que apenas o comando da Marinha teria aceitado a proposta de golpe contra o futuro governo de Lula.
“O que eu tenho notícias sobre o alto comando, os quatro estrelas, há um racha, certo? Praticamente meio a meio”, afirmou o general Mário, em dezembro, durante diálogo com o general Roberto Criscuoli. “Eu quero mais é que o ministro da Defesa fique puto, que os comandantes fiquem putos e partam para cima.”
Marcha de 64 e bicuda na Constituição
Os áudios revelam ainda a pressa do general Mário em que uma medida golpista fosse tomada antes da posse do presidente eleito. Em um dos diálogos, ele expressa insatisfação com as declarações de “respeito às quatro linhas da Constituição”, usadas por Bolsonaro para aparentar moderação em público.
“Eu já dei uma bicuda nessas quatro linhas há muito tempo”, afirmou Mário a um interlocutor.
As transcrições feitas pela PF também indicam articulação direta entre o general Mário e lideranças do acampamento golpista. Ele era consultado sobre questões práticas, como a autorização para instalar tendas no espaço do QG do Exército.
Em 6 de novembro de 2022, em conversa com o coronel Criscuoli, Mário afirmou que estava organizando uma manifestação pessoalmente. “Porra, a gente vai tentar mobilizar uma marcha por aqui, tá? Ainda essa semana, como a marcha que aconteceu em 64”, disse o general.
A “marcha de 64” é uma referência aos protestos que apoiaram o golpe de 1964, que instaurou a ditadura civil-militar no Brasil, regime que durou 21 anos e resultou em 434 mortos e desaparecidos políticos.
Reportagem do Metrópoles publicada na mesma época, novembro de 2022, já apontava que o comitê de Jair Bolsonaro em Brasília havia se tornado um “QG do golpe”, funcionando como ponto de encontro para o general Braga Netto, políticos aliados e militares bolsonaristas que planejavam ações golpistas.
Bolsonaro fala de “criatividade”
Logo após ser divulgado que seu nome estava entre os 37 indiciados por tentativa de golpe de Estado, Jair Bolsonaro se manifestou ao Metrópoles, na coluna do Paulo Cappelli.
O ex-presidente defendeu que a equipe de Alexandre de Moraes usou da “criatividade” para conseguir acusá-lo. “Faz tudo o que não diz a lei”, afirmou.
A reportagem tenta contato com a defesa do general Mário Ferandes. O espaço segue aberto.
Colaborou Gabriel Buss, Maria Eduarda Portela e Junio Silva.