Uso da Lei de Segurança Nacional dispara no governo Bolsonaro
Até o momento, 41 investigações usaram a lei como base, em um ano e meio de governo. Número é o maior desde 2000
atualizado
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Usada poucas vezes após a redemocratização do Brasil, a Lei de Segurança Nacional (LSN) voltou com força em 2020.
Há 10 dias, o governo ameaçou enquadrar na lei servidores do Ministério da Saúde que divulgassem informações da pasta. Pouco tempo antes, em 15 de junho, o advogado-geral da União, André Mendonça, ameaçou pedir uma investigação contra um cartunista brasileiro com base na LSN por conta de uma charge crítica ao presidente. Naquela manhã, a ativista Sara Winter e outras cinco pessoas do grupo 300 do Brasil, que admitiram carregar armas em acampamento bolsonarista, foram presos com base na mesma legislação.
De acordo com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), divulgados pela agência Fiquem Sabendo e analisadas pelo (M)Dados, em um ano e meio de governo Bolsonaro, a lei foi invocada 41 vezes.
O número é muito superior ao de outros governos. Nos oito anos de Lula (PT), de 2003 a 2010, por exemplo, foram 35. No primeiro mandato de Dilma (PT), o valor chegou a 24. Entre o segundo mandato da petista e a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), passando por Michel Temer (MDB), o Brasil viu a lei ser usada 68 vezes, uma média de 8,5 vezes por ano. O auge aconteceu em 2015, com 13 inquéritos do tipo.
Segundo Maria Pia Guerra, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), a numerosa invocação da LSN é em parte surpresa e em parte um incômodo para os pesquisadores da área. “Durante muito tempo, ela caiu em desuso por estar vinculada a uma imagem da ditadura, já não fazia mais sentido com o modelo democrático. É um risco, e a gente já viu acontecer várias vezes, de ela ser apropriada em contexto autoritário para perseguição política”, disse.
“Em 2000, ela foi usada contra o MST. Além disso, várias vezes foi invocada contra greves ou contra transparência de informações. Esses casos me parecem muito do que foi discutido e debatido na Assembléia Constituinte de 1988. Mesmo que a lei esteja em vigor, ela precisa ser interpretada à luz da Constituição”, completou.
Para o professor e advogado criminalista David Metzker, os números são um reflexo do momento político do Brasil. “A maioria do governo conhece a LSN em razão da formação militar”, ressaltou. “E mais: os artigos são muito amplos, de uma subjetividade enorme, facilitando assim sua utilização em situações interpretadas como atentados contra a segurança nacional, ordem política e social.”
O que é a LSN?
A Lei de Segurança Nacional foi promulgada em 1935 e definia crimes contra a ordem política e social. Ao longo dos anos, tornou-se cada vez mais rigorosa e detalhada. Após a queda do Estado Novo, em 1945, a LSN foi mantida nas Constituições brasileiras que se sucederam.
No período da Ditadura Militar (1964 a 1985), ganhou relevância diante do conceito de “segurança nacional” e foi amplamente usada para perseguir opositores do regime. Durante esses 21 anos, ela foi modificada três vezes. A última mudança, aplicada em 1983, segue em vigor até hoje.
Segundo a professora Maria Pia Guerra, da Faculdade de Direito da UnB, os três textos acompanham o movimento ditatorial. “Começou mais paranoica e terminou mais austera, com menos linguajar militar e mais jurídico”, diz. No entanto, a especialista ressalta que ainda assim foi escrita em um momento sem projeto democrático definido.