Usina Jupiá: Justiça condena empresas chinesas por discriminação
Trabalhadores brasileiros da Usina Jupiá teriam sofrido maus-tratos, agressões físicas e discriminação por chineses durante obras em MS
atualizado
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Três empresas, duas delas chinesas, foram condenadas pela 2ª Vara do Trabalho de Três Lagoas ao pagamento de R$ 500 mil por danos causados à sociedade. A sentença reconhece assédio moral organizacional e discriminação praticados por encarregados chineses contra trabalhadores brasileiros que atuavam, em sua maioria, no canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias, conhecida como Usina Jupiá, em Três Lagoas (MS).
As empresas em questão são a PowerChina Brasil Construtora Ltda., a Rio Paraná Energia S.A. e China Three Gorges Brasil Energia Ltda. As denúncias que resultaram na condenação começaram em 2019, quando foram noticiados ao Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS) supostos episódios de assédio moral e discriminação. O autor, na ocasião, disse ter presenciado circunstâncias de preconceito contra empregados brasileiros da empresa PowerChina.
Os trabalhadores seriam chamados de “preguiçosos e ladrões”. Também foram relatadas as práticas de maus-tratos, desrespeito verbal, racismo e agressões físicas. Em 2020, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sintiespav-MS) também comunicou ao Ministério Público do Trabalho o descumprimento de normas laborais e assédio moral nas obras da barragem de Jupiá.
Na ocasião, trabalhadores da PowerChina chegaram a interromper atividades no canteiro, alegando falta de segurança para desempenhá-las. O MPT, então, coletou depoimentos de pessoas envolvidas na primeira denúncia, que confirmaram ser vítimas de agressões. Além disso, foi solicitado à Superintendência Regional do Trabalho em Mato Grosso do Sul a realização de inspeção no canteiro de obras da Usina Jupiá.
Lá, foi aplicado questionário aos trabalhadores da empresa para obter esclarecimentos sobre os pontos abordados nas denúncias. Parte dos entrevistados afirmou ter sofrido tratamento diferenciado. Eles alegam que isso ocorreu por causa da sua nacionalidade. Outros disseram ser alvo de maus tratos e presenciado agressões físicas e racismo.
Além da indenização de R$ 500 mil, a Justiça trabalhista determinou que a PowerChina afaste, imediatamente, todos os encarregados, agentes e perpetradores de atos de assédio moral e discriminação, sob pena de multa de R$ 10 mil por cada infrator mantido no emprego após a sentença. Além disso, foi determinado que a empresa impeça superiores de perpetrarem práticas vexatórias ou humilhantes. A multa é de R$ 10 mil por cada trabalhador prejudicado.
A decisão judicial ainda determina que as três empresas rés deverão:
- Promover um diagnóstico do meio ambiente psicossocial do trabalho, incorporando as conclusões do documento técnico ao Programa de Gerenciamento de Risco, ao Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional e ao Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
- Implementar canal específico para o recebimento de denúncias e instituir comissão para investigar eventuais situações de assédio moral e de abuso de poder no âmbito das empresas
- Desenvolver campanha educativa e treinamento anual para conscientização coletiva sobre o tema assédio moral e suas formas, e elaborar programa permanente de prevenção ao assédio moral no ambiente de trabalho, com descrição das causas e das medidas necessárias para fazê-lo cessar. Tudo isso sob pena de multa de R$ 50 mil para cada obrigação descumprida, sem prejuízo de outras intervenções fundamentais.
“As provas colhidas no curso da instrução processual corroboram os fatos narrados na inicial, não tendo a parte ré PowerChina promovido a urbanidade e respeito mínimos que devem permear o ambiente saudável de trabalho, tendo as testemunhas confirmado o tratamento humilhante sofrido durante a vigência contratual. Relataram, ainda, situações de restrição ao uso de banheiros, pela limitação do tempo que era cronometrado, com repreensões em frente a outros funcionários se o tempo fosse ‘longo’ aos olhos dos gestores chineses”, sustentou a juíza do Trabalho Vivian Letícia de Oliveira na sentença.
PowerChina Brasil
Trata-se de uma das empresas contratadas pela Rio Paraná Energia S.A., subsidiária da holding China Three Gorges Brasil Energia Ltda., para prestar serviços de modernização de turbina na Usina Jupiá.
A Rio Paraná assumiu a concessão de operação das usinas hidrelétricas Jupiá e Ilha Solteira em julho de 2016, por meio de leilão público. Antes, a estão das usinas estava sob a responsabilidade da Companhia Energética de São Paulo (CESP).
De acordo com o MPT, ao tomar conhecimento das denúncias, a Rio Paraná e a China Three informaram ter solicitado providências às empresas terceirizadas e bloquearam o acesso das pessoas investigadas ao canteiro de obras.
Em julho de 2021, o MPT-MS apresentou à PowerChina Brasil a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas a empresa manifestou que não exista interesse na formalização do acordo, por entender que já estava cumprindo com as obrigações relacionadas a assédio moral e discriminação. Também relatou-se que ela iria suspender suas atividades no Brasil até outubro daquele ano.
“Restou apurado pelo MPT que a empresa PowerChina e suas tomadoras de serviço permitiram e foram coniventes com uma estrutura organizacional e de gestão amparada em assédio moral, agressão física e verbal e coação com base na origem, raça e cor, praticada por supervisores chineses em desfavor de empregados brasileiros”, destacou a procuradora do Trabalho Claudia Fernanda Noriler Silva, ao comentar a leniência da direção das empresas, que nada fizeram para alterar a situação.
O outro lado
A concessionária responsável pela gestão da Usina Hidrelétrica Jupiá destaca que “repudia qualquer ato de violação aos direitos humanos e que mantém práticas de respeito aos profissionais atuantes em toda a sua cadeia de valor. A empresa informa ainda que já foi notificada da decisão e que tomou todas as medidas cabíveis assim que soube do fato.”