Um mês após tragédia, Petrópolis se reconstrói: “Fizemos um milagre”
Crise na região serrana do Rio, que resultou em 233 mortes e quatro desaparecidos, completa um mês. Cidade começa a se reerguer
atualizado
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Petrópolis – Após um mês das chuvas que destruíram Petrópolis, na região serrana do Rio, moradores da cidade imperial tentam se reerguer. O município, que teve a maior tragédia de sua história em 15 de fevereiro, com 233 mortos e quatro desaparecidos, ainda apresenta pontos de destruição visíveis. Mas, em um primeiro olhar, já é possível reparar petropolitanos retomando suas vidas.
Há quatro semanas, as ruas eram tomadas por lama e destroços, famílias choravam de dor e desespero, e moradores deixavam suas casas por medo e falta de opção, já que parte das residências estava em áreas de risco.
Diogo Bortolozzo, de 30 anos, neto de seu Jonas e dona Jandira, 85 e 76, conta o misto de sentimentos que enfrenta desde a tragédia. Seus parentes moram em um dos bairros mais afetados, o Alto da Serra. “Os meus avós estavam em casa quando uma das barreiras desceu. Meu avô estava deitado nessa cama junto com a gata dele, quando começou a chover forte”, conta ao Metrópoles.
A residência do casal de idosos, que fica no Chácara Flora, teve a lateral arrancada pelo forte impacto da barreira que caiu nos fundos do terreno com a garagem do vizinho. “Vamos reconstruir, minha tia comprou material e meu tio é quem vai fazer”, completa Diogo.
Por sorte, seu Jonas não estava mais no cômodo quando a parede veio abaixo. A pedido de dona Jandira, ele tinha ido checar o carro deles na parte da frente da casa. “Foi muito triste. Eu não tenho vergonha de falar, não. Fiquei doente. Minha casa ficou desse jeito. A minha filha caiu em um buraco na rua, mas, graças a Deus, quatro homens vieram a tempo. Foi muito livramento em um dia só”, relembra dona Jandira. “Agora, é ver o que falam dessa casa, se é perigoso ficar aqui assim, eu não sei”.
Ainda no Chácara Flora, uma outra senhora, de 64 anos, sofreu prejuízo em sua confecção, que fica dentro de sua residência. “Eu tive muita ajuda, mas o prejuízo chega a uns R$ 40 mil. Perdi toda a minha mercadoria, máquinas, linhas e coisas da casa, como o meu fogão. Foi muito triste, mas sem essa ajuda, eu não estaria aqui hoje. Como você sai da lama sozinho?”, diz dona Marlene Gomes, que trabalha com costura há mais de 40 anos.
“Eu não sei ainda como vai ser não, mas vamos levando. Meus clientes me deram rolos de malha já, outros estão dando suporte. Perdi quatro máquinas, mas já ganhei duas, estou indo buscar.”
Limpeza da cidade
Ao todo, mais de 89 mil toneladas de entulho foram retiradas das ruas de Petrópolis, o que equivale a cerca de 10 mil caminhões lotados de lama e destroços. Para o comandante da equipe de limpeza da Comdep no Chácara Flora, Joel Salomão, 51, a sensação de poder ajudar as famílias é gratificante.
“Foi um trabalho árduo, mas eu não posso falar que foi difícil. Para ajudar o ser humano, nada é difícil. A gente colocava a mão e o pé na lama, a bota prendia, mas nunca deixamos de ajudar ninguém que pediu por ajuda. Poder, agora, ver as pessoas chegarem e agradecerem olhando nos nossos olhos é muito gratificante”, relata.
A companhia auxiliou moradores na retirada de lama de suas casas. Em alguns pontos, a lama chegou a mais de 1 metro de altura. De acordo com Leonardo França, presidente da Comdep, o trabalho de limpeza da cidade só será finalizado quando todas as barreiras que caíram forem liberadas. “Dependemos muito da Defesa Civil para isso, eles precisam nos deixar entrar nas áreas, mas para isso é necessária uma avaliação do terreno”, explica.
O trabalho agora será focado na limpeza de bueiros e no desassoreamento dos rios. “Depois, a parte de obras fica em função da Secretaria de Obras”, afirma.
Solidariedade
Durante o momento crítico que a cidade viveu, a ONG SOS Serra esteve presente 24 horas por dia. Por meio de mobilizações em prol de ajuda, a organização sem fins lucrativos doou mais de 50 toneladas de alimentos, 12 toneladas de produtos de limpeza e higiene e mais de mil colchonetes para famílias desabrigadas. Em abrigos, são 687 pessoas, fora quem está em casa de parentes.
Segundo Carolina Mattos, 40, uma das fundadoras da ONG, todos de sua família se desdobram entre seus trabalhos e o serviço no galpão, emprestado para arrecadar produtos durante esse último mês. “A gente tem muita sorte, porque, apesar da tragédia, vemos o país inteiro mobilizado. Recebemos doações até do exterior”, conta.
Ela, no entanto, diz que as doações caíram nesses últimos dias, mas que ainda não considera isso um problema. “A gente está caminhando para uma segunda parte da fase emergencial, que é mudar as famílias dos abrigos para as casas. Estamos ajudando a prefeitura. Vamos pagar os três primeiros meses de aluguel de algumas famílias, para que elas possam começar a voltar à normalidade”, explica Carolina.
“Nosso projeto é de médio longo prazo, não vamos simplesmente deixar essas famílias desassistidas. Queremos, para além de colocá-las em uma casa, com fogão e geladeira, ajudar a gerar empregos. Temos planos ambiciosos para mudar muitas coisas em Petrópolis”, completa.
“Gosto de falar que a gente fez um milagre. Foi um trabalho fenomenal que conseguimos fazer pela cidade. Foi algo devastador, mas nós conseguimos. A minha família sempre foi pautada no amor e em compartilhar isso com os outros. É muito orgulho ver o que construímos e que conseguimos atingir direta ou indiretamente tanta gente”, afirma Carolina.