Um ano sem Salles: política ambiental se mantém, mas barulho diminui
Ambientalistas e o próprio governo avaliam que Joaquim Leite deu prosseguimento ao trabalho do antecessor, mas sem tretar muito no Twitter
atualizado
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A política para o meio ambiente é um dos setores do governo de Jair Bolsonaro (PL) mais criticados por especialistas, opositores, observadores internos e governos estrangeiros. Essa intensa pressão, junto a um cerco policial e judicial, forçou o governo federal a afastar, em junho do ano passado, o ex-ministro Ricardo Salles (foto em destaque).
A substituição de Salles por Joaquim Leite, porém, é avaliada tanto dentro como fora do governo como uma mudança apenas de nomes, que não significou alteração no rumo. A diferença, avaliam fontes ouvidas pelo Metrópoles, é que o novo ministro não se ocupa de polêmicas virtuais, como bater boca com a cantora Anitta, e acaba chamando menos a atenção enquanto toca a agenda idealizada por Bolsonaro, de enfraquecer órgãos fiscalizadores.
O estilo menos ruidoso do substituto de Salles, aliado a uma conjuntura política mais favorável, dá até mais facilidade ao governo para “avançar em sua agenda de destruição ambiental”, na avaliação de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, entidade que representa 73 organizações de defesa do meio ambiente.
“Enquanto Salles enfrentou, na maior parte de sua gestão, uma resistência maior no Congresso, Joaquim Leite contou com um cúmplice por lá, que é o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), que ajudou o governo a acelerar sua ‘boiada’ e ainda implementou sua própria boiada”, afirma o ambientalista.
“E essa ‘boiada’ da destruição ambiental foi passando, em certo montante, porque o governo tem instrumentos poderosíssimos na mão: o poder de acionar ou não o policiamento na Amazônia, de exercer ou não fiscalização, de aplicação ou não da lei. De cortar orçamento, de intimidar servidores, de atrasar cobrança de multas ambientais, de paralisar o Fundo Amazônia. Então, o governo tem esses poderes e a gente questiona na Justiça, mas o governo faz e depois responde”, analisa ele.
Outro perfil, práticas parecidas
Salles deixou o ministério após ser alvo de operação da Polícia Federal na Operação Akuanduba, que investiga crimes contra a administração pública, como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e, especialmente, facilitação de contrabando, praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.
Além do então ministro, foi visitado pela PF o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Fortunato Bim, que foi afastado do cargo na época.
Apesar da queda, o ex-ministro, que era um dos preferidos do presidente Bolsonaro, conseguiu indicar o sucessor: Joaquim Álvaro Pereira Leite, que ocupava a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais do ministério. Leite foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB) por 23 anos e também tinha o apoio da bancada ruralista.
Fora do cargo, Salles seguiu polemizando nas redes e começou a planejar o futuro político, chegando a flertar com bolsonaristas que se tornaram críticos do governo, como os também ex-ministros Abraham Weintraub e Ernesto Araújo. Mas acabou optando pelo pragmatismo, se filiou ao PL de Bolsonaro e deve disputar uma vaga na Câmara por São Paulo.
Já Leite tentou assumir um perfil mais técnico à frente do ministério e adotou um discurso mais palatável aos críticos. Ele anunciou, durante discurso na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de novembro de 2021 (COP26), que o Brasil iria reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030. A meta anterior era de 43%.
Na prática, porém, os dados negativos que acompanharam a gestão de Salles continuaram aparecendo no noticiário.
O Brasil fechou 2021 como líder no ranking mundial de destruição de florestas tropicais, sendo responsável por mais de 41% da perda de vegetação primaria do planeta no ano passado, segundo a plataforma de monitoramento Global Forest Watch (GFW).
Muitos indicativos até pioraram. Os alertas de desmatamento registrados na Amazônia no mês de abril deste ano — entre os dias 1º e 29 — alcançaram um total de 1.013 km². Segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), houve alta de 74,6%, em comparação ao mesmo mês de 2021. Foi o abril com mais desmatamento na Amazônia desde 2008.
Servidores de órgãos como Ibama e ICMbio seguem denunciando o desmonte das estruturas de fiscalização e punição de abusos. Este mês, por exemplo, uma multa ambiental de R$ 94,754 milhões aplicada pelo Ibama à Agropecuária Santa Bárbara Xinguara S/A prescreveu. Ao declarar o vencimento da sanção, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, divergiu de um órgão técnico criado em 2020 para instruir processos de apurações de infrações ambientais, a Equipe Nacional de Instrução.
Parceiro do ministro na missão de proteger o meio ambiente, o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, disse em entrevista à GloboNews na última semana, que, se tiver de se apontar um culpado pelo fracasso em frear o desmatamento, que fosse ele mesmo (Mourão), mas reclamou por o conselho não ter um papel executivo.
“Plano sendo cumprido (em parte)”
“Não importa quem seja o ministro do Meio Ambiente, quem manda é Bolsonaro”, afirma Marcio Astrini, do Observatório do Clima. “O que o governo Bolsonaro fez foi atacar a estrutura de governança ambiental no país de forma coordenada, planejada. Existe uma lógica no que foi feito, e governo avançou muito no propósito de destruir a governança ambiental e de clima no Brasil, de impor uma série de retrocessos”, afirma o ambientalista.
“Só não avançou mais porque teve resistência muito forte da sociedade civil, como apoio internacional. Como a paralisação do Fundo Amazônia, uma série de reações no STF. Com os artistas, influenciadores, imprensa que se debruçou sobre o assunto, empresas, investidores. A mobilização foi gigantesca. Então, freou o avanço do governo e ele não implementou todo pacote que queria”, conclui Astrini.
Planalto satisfeito
Apesar de Leite não fazer muito barulho nas redes sociais, Bolsonaro também gosta dele. Uma fonte do governo disse à reportagem que a percepção é de que ele dá continuidade ao que já vinha sendo feito pelo Salles, mas que o estilo mais discreto ajuda a evitar ruídos e permite que as ações positivas recebam mais atenção da sociedade e dos parceiros internacionais.
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