TSE discute punição a abuso de poder religioso e vira alvo de bolsonaristas
Debate foi iniciado pelo ministro Edson Fachin em julgamento de caso de vereadora do município de Luziânia, em Goiás
atualizado
Compartilhar notícia
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou na semana passada a discussão sobre incluir o “abuso de poder religioso” como motivo para a cassação de políticos. Atualmente, o TSE entende que apenas o abuso de poder político e econômico podem resultar na perda do mandato.
O debate, levantado pelo ministro Edson Fachin, ainda está em fase inicial, mas já provocou forte reação nas redes sociais e mobilizou aliados do presidente Jair Bolsonaro, que veem uma “caça às bruxas contra o conservadorismo”. O TSE já está na mira do Palácio do Planalto por causa de oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018.
“A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade”, disse Fachin no julgamento de um caso de Goiás.
O processo em questão gira em torno da vereadora de Luziânia (GO) Valdirene Tavares (Republicanos), que é pastora da Assembleia de Deus. Ela é acusada de usar a posição na igreja para promover a sua candidatura, influenciando o voto de fiéis. Valdirene foi reeleita em 2016.
Relator do caso, Fachin votou contra a cassação da vereadora, por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para confirmar o “abuso de poder religioso”. No entanto, fez uma série de observações em seu voto sobre a necessidade de Estado e religião serem mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores.
Ainda propôs a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente levar à cassação de mandato de políticos — de vereadores a presidente da República.
Sem previsão em lei
No julgamento iniciado na quinta-feira passada (25/06), o ministro Alexandre de Moraes discordou do colega nesse ponto, já que a hipótese de “abuso de poder religioso” não está prevista expressamente em lei. “Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, observou Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições presidenciais de 2022.
O julgamento sobre a vereadora de Luziânia foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho. Segundo a reportagem apurou, em agosto Tarcísio deve liberar o caso para a retomada do julgamento.
“Perseguição”
A reação ao entendimento de Fachin foi imediata nas redes sociais bolsonaristas, eleitorado formado em boa parte por conservadores e evangélicos.
“Fachin propôs ao TSE a hipótese de cassação de mandato por ‘abuso de poder religioso’. Problema: a lei fala em abuso de poder econômico ou político. Um tribunal não pode, por ativismo, criar a nova hipótese. Mais uma brecha para perseguição ilegal de religiosos e conservadores?”, escreveu a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) no Twitter.
Na opinião da deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ), o Cristianismo vai “paulatinamente sendo proibido pela ditadura togada”. “Na prática, proíbe-se o discurso religioso cristão na política e consagra-se o exclusivismo laicista nas instituições”, disse em rede social.
As críticas também vieram do procurador Ailton Benedito, uma das vozes mais conservadoras do Ministério Público Federal (MPF) e aliado do procurador-geral da República, Augusto Aras. “Fachin propõe que ‘abuso de poder religioso’ leve à perda de mandato. Porém, como ficariam os abusos de poder partidário, ideológico, filosófico, sindical, associativo, escolar, universitário… com o objetivo de influenciar eleitores?”, questionou.
Margem legal
Em nota enviada à reportagem, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) diz que não há “margem legal para que se fale a respeito de abuso de poder religioso”.
“Eventuais abusos que se utilizem da estrutura eclesiástica durante o período eleitoral devem encontrar enquadramento nas possibilidades listadas pela lei eleitoral. A utilização da estrutura eclesiástica com o fim de burlar as disposições legais referentes ao processo eleitoral não pode ser confundida com o exercício legítimo da liberdade religiosa”, sustenta a entidade.
Procurado pela reportagem, o gabinete de Fachin informou que a “questão se encontra em julgamento e os fundamentos técnicos e jurídicos utilizados pelo ministro estão no voto por ele proferido”. A reportagem procurou a vereadora Valdirene Tavares, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.