Tribunal do Júri julga assassinos confessos de Marielle; acompanhe
Nesta quarta, o 4º Tribunal do Júri do RJ deu início ao julgamento dos executores de Marielle, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz
atualizado
Compartilhar notícia
O 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro julga, nesta quarta-feira (30/10), os assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A partir das 10h30, o júri começou com a análise das condutas dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.
O julgamento ocorre mais de seis anos após os assassinatos que chocaram o país. A data foi definida pelo juiz Gustavo Kalil, titular do 4º Tribunal do Júri, durante reunião especial, no Fórum Central do Rio, com representantes do Ministério Público, os assistentes de acusação e a defesa dos réus.
A primeira testemunha ouvida no julgamento foi da ex-assessora de Marielle Fernanda Gonçalves Chaves. O depoimento foi dado de maneira remota. Fernanda descreveu o crime com detalhes e afirmou que, quando conseguiu sair do carro recém-alvejado por tiros, ela “não queria admitir que ela [Marielle] pudesse estar morta. Eu queria acreditar que ela estava viva, então minha única preocupação era chamar uma ambulância”.
“Eu estava muito ensanguentada, muito suja de sangue e comecei a gritar por socorro e ajuda. As pessoas se aproximaram, e uma mulher ofereceu ajuda. Eu não enxergava direito, meu corpo inteiro ardia, eu não sabia se estava ferida ou não. E eu olhava para a Marielle lá dentro, e queria acreditar que ela estava viva, que ela estava desmaiada, até porque eu saí tão inteira dali que não imaginei que ela pudesse estar morta. Eu só me preocupava em chamar uma ambulância”, contou.
O depoimento de Fernanda terminou às 11h55.
Infância de Marielle
A segunda testemunha ouvida no julgamento foi a mãe de Marielle Franco, Marinete da Silva. O depoimento foi dado presencialmente, e começou às 12h15min. A mãe da vereadora assassinada narrou a infância de Marielle Franco.
“A infância de Marielle foi muito boa, a gente primava pela educação. Foi um encadeamento de coisas boas que aconteceram. Marielle muito nova já tinha a vontade de se destacar, era uma menina que se destacava. Desde muito nova teve essa postura. Com 11 anos, ela já era estagiária da escola e ajudava dentro de casa. Ela se dedicava muito na escola, desejando ser monitora, e a gente foi aderindo a esse processo dela com felicidade e naturalidade. Ela já ajudando financeiramente. Ela era uma menina de confiança”, contou.
Marinete da Silva destacou que é inadmissível que o assassinato da filha não tenha um desfecho.
“Eu tenho o maior prazer em falar da história (…) da Marielle, falando como ela era e é importante. Uma boa mãe, uma excelente filha. A gente vem para esse lugar para dizer que é inadmissível que a gente não tenha um desfecho disso aqui que a gente está tendo hoje”, criticou a mãe de Marielle.
A mãe de Marielle relembra os dias que seguiram após a morte da vereadora. Marinete disse que, nos primeiros momentos, ela se recusava a acreditar que sua filha estava morta.
“Eu me via nitidamente em um delírio de uma mãe, pois naquele momento eu não conseguia acreditar que aquilo tudo era verdade. Às vezes eu não consigo me recordar daquelas noites que passei. Seria insanidade de uma mãe achar que a filha ainda estava viva? Não. Era a dor que ultrapassava meu peito em tão poucos dias”, afirmou Marinete da Silva.
Justiça para Marielle e Anderson
Em seguida, foi a vez de Mônica Benício, viúva de Marielle. Ela descreveu a vereadora e comentou planos que tinham para o futuro. “Uma pessoa com poder de empatia que nunca vi. A Marielle lia e via a dor das pessoas com uma generosidade muito bonita”, disse.
“Depois da morte dela, foram algumas vezes que pensei em me matar. Eu não acredito na morte física como fim. Talvez só por eu acreditar que ela ainda existe é a razão de ainda estar aqui. A gente tinha planos de casar, com festa de casamento. Quando a Marielle morreu, eu senti que tinham tirado a promessa do futuro”, revelou.
Mônica também cobrou justiça para Marielle. “Dentro do que é possível, espero que se faça a justiça que o Brasil, o mundo espera há 6 anos e 7 meses, porque isso é importante também, não só para o símbolo, mas para a Marielle, defensora de direitos humanas, e para a família do Anderson, para que possamos dar o exemplo de que crimes como esses não podem existir”, destacou.
Dificuldades após morte de Anderson
O quarto depoimento é da viúva do motorista Anderson Torres, Agatha Arnaus. Ela conta a dificuldade de criar uma criança com deficiência, que sofre com uma série de problemas de saúde.
“No mesmo ano em que Anderson morreu, eu tive de levar o Arthur sozinha para operar uma obstrução intestinal. Os médicos chegaram a falar que ele não aguentaria e que eu tinha de ficar preparada. Naquele momento, já sem o Anderson, achei que a minha família, a que eu criei, tinha acabado. Eu achei que ia enlouquecer naquele dia. Eu repeti várias vezes que o Arthur era a última coisa que tinha me restado do Anderson. Quando o Anderson faleceu a gente sabia que ele tinha autismo, mas as demais alterações por decorrência genética não puderam ser averiguadas corretamente, porque não temos o material genético do Anderson para fechar o diagnóstico completo”, detalhou Agatha.
A viúva de Anderson Gomes ressalta que o desenvolvimento do filho foi prejudicado com o assassinato do pai.
“Eu tenho certeza de que a ausência do Anderson impactou o desenvolvimento do Arthur. A primeira palavra que ele falou foi ‘papai’. Ele era uma criança que sempre esteve com os dois a todo tempo e, daqui a pouco, não ter o pai, e por não ter o pai, e a mãe estar saindo o tempo todo para resolver, para voltar a trabalhar. O que me deixou cansada, sem paciência, porque eu não tinha mais com quem dividir a vida e a criação do Arthur”, desabafou Agatha.
Depoimentos de agentes da Polícia Civil e perita
O agente da Polícia Civil Carlos Alberto Paúra Júnior foi o quinto a depor no julgamento popular de Élcio Queiroz e Ronnie Lessa, confessos do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Carlos Alberto Paúra foi responsável pela identificação do veículo utilizado no dia em que Marielle Franco e Anderson Silva foram mortos.
Segundo o agente, o carro usado no dia do assassinato, um Cobalt, foi visto várias vezes no mês que antecipou o assassinato da vereadora.
“Esse Cobalt clonado começa a rodar muito em Campo Grande [Rio de Janeiro], sai de Campo Grande, pega uma reta, passa na frente da DH na Avenida das Américas e some no Leblon. Tinha periodicidade, a cada três dias ele fazia isso, um mês antes da morte das vítimas esse Cobalt passa a frequentar a Tijuca”, afirma.
“Eu consegui ver esse Cobalt próximo da vereadora vários momentos no mês que antecipou o assassinato. Depois da morte de Marielle, o Cobalt voltou a fazer o trajeto tradicional.”
É anunciado intervalo de 40 minutos para almoço.
É reiniciado o julgamento, após intervalo de quase uma hora. Começa o depoimento do agente da Polícia Civil do Rio de Janeiro Luismar Corteletti Leite.
“Trabalhei na investigação cerca de um ano, do setor de busca eletrônica. Eu e mais cerca de 9 servidores trabalhávamos no núcleo de inteligência. A gente trabalha sob demanda”, afirmou. “Analisei o celular do Élcio Queiroz, fiz o relatório.”
“Através da linha de celular dele [Élcio], por meio de análise de Estação Rádio Base [ERB], o relatório dá um histórico de dados, e é gerado um relatório de vínculos para fazer análise de tempo e espaço para saber por onde ele passou”, explicou o policial, em seu depoimento.
“Ele estava em casa por volta de 16h45, depois deslocamento, depois em região compatível com a região de Ronnie Lessa. Ali fica estático quando ele sai de lá por volta de 22h30, na região do Jardim Oceânico. Mais tarde, por volta de 5h30 da manhã, tudo através do histórico de conexão de dados.”
Termina o depoimento dos policiais. A perita Carolina Linhares começa a depor.
Submetralhadora e modo rajada
De acordo com a perita Carolina Linhares, não há dúvida sobre a arma usada no crime. “Foi uma submetralhadora disparada no modo rajada, com convicção”, declarou. A profissional diz que formou sua convicção sobre o armamento usado nos homicídios a partir da análise da dispersão de estojos e das avarias do veículo.
Termina o depoimento de Carolina Linhares, às 17h15. Começa a depor o delegado da Polícia Federal (PF) Guilhermo Catramby. Ele afirma que está na corporação há cinco anos.
“Encontramos um cenário em que foram produzidos diversos autos, procedimentos. Foi uma dificuldade inicial. Dificuldade inicial foi nós nos situarmos naquela imensidão de procedimentos”, diz.
“É notório que a requisição do ministro da Justiça era para identificamos os eventuais mandantes desse crime, mas fixamos uma premissa que tínhamos que elucidar tudo.”
O policial explicou que foi feito trabalho em parceria com o Ministério Público. “Fechamos o acordo de delação premiada.” Ao ser indagado sobre o acesso a câmeras de segurança, o delegado diz que foi “o ponto nevrálgico da nossa dificuldade”.
Catramby também contou que “a colaboração premiada do Élcio [Queiroz] levou a investigação ao patamar que precisávamos para esclarecer meandros do processo”.
No depoimento, o delegado também detalha como foi o deslocamento do táxi usado para fuga da dupla após os assassinatos de Marielle e Anderson. “O táxi saiu da casa da mãe do [Ronnie] Lessa até as proximidades do Condomínio Vivendas. Os dados cadastrais do táxi eram de Denis Lessa”, diz Catambry.
“Deslocamentos de ERB [Estação Rádio Base] confirmaram os deslocamentos”, completa o delegado. Ao ser perguntado sobre quando teria começado o planejamento do crime, o delegado disse que “o planejamento do crime e, como consequência, o início desse estudo preliminar de endereços, vigilâncias etc. remonta ao segundo semestre de 2017”.
Tanto o agente federal Marcelo Pasqualetti como o delegado Guilhermo de Paula Machado Catramby, da Polícia Federal, foram indicados para falar pela defesa de Ronnie Lessa. Acaba o depoimento do delegado, por volta das 18h15.
É anunciado um pequeno intervalo no julgamento.
Veja aqui:
Durante o julgamento, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) vai pedir ao Conselho de Sentença do 4º Tribunal do Júri a condenação máxima para os executores do crime. O Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado argumentará para que a pena dos réus Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz chegue a 84 anos de prisão.
Lessa e Queiroz foram denunciados pelo MPRJ por duplo homicídio triplamente qualificados, um homicídio tentado, e pela receptação do Cobalt usado no dia do crime, ocorrido em 14 de março de 2018.
Ronnie e Élcio foram presos na operação Lume, deflagrada pelo MPRJ e pela Polícia Civil, em março de 2019. Eles são assassinos confessos de Marielle e fecharam acordo de delação premiada.
Para o Tribunal do Júri, foram selecionadas 21 pessoas comuns. Deste grupo, sete serão sorteadas na hora para compor, de fato, o júri.
Incomunicáveis
Durante os dias de julgamento, os jurados ficam incomunicáveis e dormem em dependências restritas do Tribunal de Justiça do Rio. Para o julgamento, o MPRJ pretende ouvir sete testemunhas.
A acusação contará com os depoimentos da única sobrevivente do atentado, a jornalista Fernanda Chaves, que estava no carro com a vereadora e o motorista, além de familiares das vítimas e dois policiais civis. O processo que levou à prisão de Lessa e Queiroz tem 13.680 folhas, 68 volumes e 58 anexos.
Os denunciados serão ouvidos por videoconferência, pois estão detidos em presídios federais. Ronnie está preso no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo. Élcio está no presídio federal localizado em Brasília.
Mandantes
Em maio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) concluiu que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão mandaram matar a vereadora Marielle Franco, em fevereiro de 2018, para impedir que ela seguisse prejudicando os interesses dos agora réus, desde nomeações para o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) até a regularização de loteamentos irregulares em áreas dominadas por milícias na zona oeste do Rio de Janeiro.
A PGR denunciou Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), e Chiquinho, deputado federal (sem partido), e mais três pessoas: dois policiais que atuavam para a dupla e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa.