Treta na Chapada: pintura é atacada e autora denuncia intolerância
Caso aconteceu em Cavalcante (GO). Segundo a artista, mulher distribuiu panfletos na cidade chamando a obra de “demoníaca”
atualizado
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Goiânia – Conhecida por ser uma cidade turística com paisagens exuberantes, pela influência da cultura quilombola, em razão das comunidades Kalunga, e ainda pelo misticismo e a diversidade religiosa, o município de Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros (GO), vive atualmente uma polêmica envolvendo um caso de intolerância.
A artista plástica Ruth Lino, de 38 anos, que mora há mais de 20 anos na cidade, denuncia que teve uma de suas obras de arte atacada em um episódio de discriminação e preconceito. De acordo com ela, na última terça-feira (13/8), ela recebeu um manifesto, no formato de um folheto impresso, que foi distribuído por uma moradora da cidade, bem como nas redes sociais, chamando a pintura feita pela artista de “demoníaca”.
A obra foi pintada no mural de um estabelecimento comercial. Segundo Ruth, ela foi contratada para fazer a pintura, que retrata cobras, corpos femininos e elementos fantásticos. No entanto, houve um posicionamento que se revelou preconceituoso.
“Foi o meu primeiro mural, estava tudo certo com a pessoa que me contratou para a pintura. Mas a moradora distribuiu os panfletos pessoalmente em diversas residências e estabelecimentos da cidade. Ela tirou uma foto do momento em que eu estava pintando e colocou uma foto do meu Instagram, que mostra uma tatuagem que tenho de cobra atrás da orelha. Eu pinto cobras e corpos há tempos, são elementos que fazem parte da minha referência de arte”, afirmou Ruth ao Metrópoles.
Conforme a artista, sua obra apresenta a valorização dos corpos femininos considerados fora do padrão.
Manifestação contrária
O panfleto com críticas à obra de Ruth foi intitulado como “Cavalcante dará palco para obras demoníacas?”. No texto, a moradora aponta que a artista desvaloriza o corpo da mulher e diz que com “astúcia de uma serpente manipula mulheres com corpos fora dos padrões a também provar seu valor, expondo seus corpos também para qualquer um”.
Ainda de acordo com o texto distribuído no município, a moradora diz “para que a artista possa vender a imagem e ganhar fama com o projeto “tão inovador” que não passa da cópia do que o inimigo já plantou na mente fraca de outros artistas mais loucos. (…). Uma arte que mistura o que a mulher tem de mais sagrado, que é o canal que faz a ‘magia’ acontecer”.
O Metrópoles tentou entrar em contato com a moradora por meio das redes sociais, onde ela também gravou vídeos criticando a situação, no entanto, até o fechamento desta matéria, não houve retorno. O espaço segue aberto para a manifestação.
Ameaças
De acordo com Ruth Lino, além do panfleto, a moradora segue repercutindo o caso por meio das redes sociais. “Ela fica fazendo stories no Instagram, fazendo referências a Bíblia, fazendo ataques, me chamando de filha do demo. Moramos em uma cidade pequena, que tem muitos evangélicos, mas isso nunca tinha acontecido. Ela usa um discurso de ódio para distorcer e desfigurar a obra, tem uma interpretação absurda”, aponta a artista.
“Para mim sempre foi algo muito natural esse tipo de pintura. Fiquei muito impressionada com esses ataques. Não considero uma perseguição, mas pode ser que daqui para frente possa virar. Esses discursos podem tomar outras formas. E por vezes sinto minha integridade ameçada”, reforça Ruth.
Uma outra moradora do município, que preferiu não ser identificada, afirmou que as situações de preconceito e intolerância na cidade estão ficando cada vez mais frequentes.
“Nós por aqui temos diversas denúncias de racismo com o povo Kalunga. Já tivemos um delegado afastado por abuso de poder. Temos inúmeras denúncias de abuso e violência contra a mulher e contra crianças. Por ser um município pequeno, muita coisa é abafada, escondida, temida”, relatou ela.
“Não dá mais para tolerar os intolerantes. Precisamos mostrar que a população não está mais interessada em abafar casos de tamanho desrespeito e discriminação”, completou a moradora.
Ainda de acordo com Ruth, ela não registrou um boletim de ocorrência contra a pessoa que fez o ataque, no entanto, ela já está em contato com uma advogada para abrir um processo na Defensoria Pública.