Transição com poucos evangélicos faz Lula patinar em aproximação com grupo
Na transição, foi levantada a ideia de criação de uma secretaria voltada a assuntos religiosos, mas proposta enfrenta resistência interna
atualizado
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Fortemente ligado a Jair Bolsonaro (PL), o segmento evangélico se mantém distante das discussões do gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Após movimentos empreendidos pelo PT durante a campanha, como a carta para os evangélicos, divulgada entre o primeiro e o segundo turnos, a avaliação atual é de que ainda há grandes resistências a serem enfrentadas.
Uma das ideias levantadas pela equipe de transição em direção ao segmento foi a criação de uma instância para debater questões religiosas, que funcionaria como Secretaria para Assuntos Religiosos. A proposta seria que esse órgão estivesse vinculado ao gabinete presidencial ou a algum ministério da área social.
Ainda muito incipiente, há resistência dentro do PT à proposta, sob o temor de que essa secretaria represente um atentado à laicidade do Estado ou, no mínimo, um retrocesso institucional na separação entre Estado e religião.
Para os defensores da proposta, porém, a secretaria pode garantir que as diferentes religiões tenham espaço e recebam tratamento equânime do governo federal.
“A gente tem condições de que isso não interfira na laicidade do Estado, sim, desde que todas as religiões forem tratadas de forma equânime”, defende a vereadora Aava Santiago (PSDB-GO), evangélica que apoiou Lula e agora integra do gabinete de transição. “A gente está falando de um país em que a fé perpassa boa parte das vivências do nosso povo. A fé atravessa a cultura e decide eleição. Não tem como ignorar isso. É uma laicidade à brasileira? Talvez, mas mais do que isso, isso é uma realidade à mesa.”
A ideia, gestada por pastores que atuaram na campanha, pouco avançou.
Uma das principais interlocutoras do segmento dentro da transição é a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), integrante da bancada evangélica no Congresso. Outros nomes fortes são a ex-ministra Marina Silva (Rede-SP) e a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). No entanto, há certa cautela em acionar as três especificamente para a finalidade de garantir a aproximação com os evangélicos.
Única mulher tucana na transição, a vereadora Aava Santiago, da Assembleia de Deus de Madureira, é outro nome do segmento lembrado na transição. Presidente do PSDB de Goiânia, Aava ganhou os holofotes após ter declarado apoio público a Lula na eleição e defendido, dentro do PSDB, o apoio ao PT. Ela foi designada para atuar no grupo temático (GT) de Mulheres.
Conselho de Participação Social
Uma das maneiras de manter o segmento próximo foi por intermédio do Conselho de Participação Social do gabinete de transição, órgão consultivo do presidente eleito que tem como objetivo manter a interlocução com as organizações da sociedade civil e com a representação de movimentos sindicais e populares.
A Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito integra esse conselho. Na última semana, representantes da entidade foram ao gabinete de transição, no CCBB, para entregar um relatório sobre a atuação do movimento e apontamentos para construção de políticas públicas. “Todas as ações em Brasília abriram possibilidades para que os temas relacionados ao segmento evangélico não sejam esquecidos no governo Lula”, disse a entidade em nota.
“Sequestro da fé religiosa”
A proximidade de Bolsonaro com o segmento, já existente desde a época em que ele foi deputado federal, foi intensificada pela atual primeira-dama Michelle Bolsonaro e pela ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves, ambas evangélicas. Na campanha, elas foram a diversas igrejas do país à procura de votos, especialmente do eleitorado feminino.
Para Aava, houve um “sequestro” da fé evangélica pelo bolsonarismo, mas há também uma arrogância de determinados setores da esquerda que dificulta a aproximação. “Essa arrogância de determinados interlocutores da esquerda brasileira contribuiu muito para a gente chegar nesse lugar”, diz ela.
Na carta aos evangélicos, divulgada em outubro, Lula falava na possibilidade de contar com as igrejas para auxiliar em gargalos sociais, em ações de assistência. “É bem-vinda a participação de Evangélicos nas diversas formas de participação social no Governo, como Conselhos Setoriais e Conferências Públicas”, dizia o documento.
Bancada evangélica
Em um governo que pretende ser uma grande frente ampla, Lula tem negociado com partidos políticos de diversas matizes ideológicas, marcando posição ante Bolsonaro, que, na transição de 2018, deu preferência às articulações via bancadas temáticas.
Nos últimos quatro anos, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), popularmente conhecida como bancada evangélica, se aproximou do bolsonarismo e não dialogou, até o momento, com o presidente eleito. Também não há previsão de que esse diálogo seja aberto tão cedo. A bancada é atualmente presidida pelo deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), principal aliado do pastor Silas Malafaia no Congresso.
No início da próxima legislatura, a bancada vai eleger um novo presidente, que deverá ditar os rumos da relação com o futuro governo. Reeleito para a Câmara dos Deputados, Sóstenes já informou que seu caminho será de enfrentamento com o governo a ser instalado, mas não há unanimidade na bancada quanto à oposição.
Apesar dessa distância, há expectativa de adesão futura de parte dos integrantes da bancada. Nas últimas eleições, a pauta moral foi capturada por bolsonaristas, que elegeram youtubers e influenciadores digitais e esvaziaram as bancadas compostas por pastores, padres e agentes de segurança.
“O Lula tem que construir pontes através de nomes que já construíam agendas sociais pela fé, como Benedita, Marina, Eliziane e outros nomes”, afirma Aava. “Eu acho que o Lula pode, inclusive, não ficar refém dessa bancada até para ela entender que diminuiu, que não tem mais aquele poder de mobilização.”