Tráfico na rede: criminosos vendem espécies ameaçadas de extinção em grupos on-line
Metrópoles acompanhou grupos em que tráfico ocorre e conversou com pessoas que vendem animais sob risco e até documentos de legalização
atualizado
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Grupos dedicados à venda de animais exóticos no Facebook e WhatsApp se tornaram uma plataforma para o tráfico de animais silvestres ameaçados de extinção. Nas redes, são vendidos, entre outros bichos, macacos-pregos, araras-azuis e saguis, além de documentos que prometem forjar a legalização de animais, que são capturados da natureza e vendidos até sob demanda.
O Metrópoles acompanhou grupos usados por traficantes para o comércio de animais selvagens. A maior parte dos anúncios é de venda de cobras, lagartos e aranhas. No entanto, não é difícil achar pessoas anunciando animais selvagens de origem ilegal. No grupo “Exóticos Brasil 🇧🇷”, basta uma simples busca pela palavra “macaco” e dezenas de posts anunciando a venda de saguis, macacos-mão-de-ouro e macacos-prego são facilmente encontrados.
O mesmo vale para araras-azuis e canindés, ambas ameaçadas de extinção, que têm seu comércio livremente anunciado em grupos on-line.
Os preços de macacos-pregos por exemplo, variam entre R$ 4 mil e R$ 6 mil, a depender do anúncio, que normalmente vem acompanhado da cidade em que o animal será retirado.
Negociação com traficante
Nos últimos dois meses, o Metrópoles esteve em contato com um homem que anunciava a venda de macacos em grupo do Facebook. Em conversa com o traficante, o homem chamado Carlos explicou que um macaco-mão-de-ouro (com cerca de 1 mês de idade) custaria R$ 4 mil, enquanto um macaco-prego (com máximo de 70 dias de idade) sairia pelo preço de R$ 6 mil, e um sagui por R$ 700.
Questionado se os animais eram legalizados, Carlos respondeu prontamente: “Não. Legalizado você vai pagar R$ 80 mil, né?”.
Carlos esclarece que “não trabalha com animais velhos, para não ter dor-de-cabeça”. O homem também dá dicas e diz que prefere criar macacos-mão-de-ouro a macacos-pregos.
“Na minha opinião, curto mais o mão-de-ouro. Ele é mais fácil de lidar, bem pegajoso, carinhoso”, pontuou o traficante.
No WhatsApp, Carlos usava a ferramenta de “status” do aplicativo de mensagens para vender todos os tipos de animais, como lagartos, araras-azuis, araras-canindés, periquitos, papagaios, macacos e até documentos que permitiriam a legalização do animal vendido.
“Arara-azul mansa de tudo, chama no precinho”, dizia um dos anúncios, acompanhado do vídeo do animal, que está ameaçado de extinção.
Para a reportagem, o homem explicou como funcionaria o comércio de um macaco-prego, que custaria R$ 6 mil. Esta venda, especificamente, ocorreria sob demanda. Segundo ele, o fornecedor disse que deveria ter um macaco-prego para vender em cerca de 15 dias.
Primeiro, seria necessário pagar um “sinal”, um adiantamento de 50% do valor para o fornecedor que iria capturar o animal na natureza. O resto do montante iria diretamente para Carlos, que intermediaria a transação. O animal poderia ser retirado em São Paulo, capital, onde o traficante vive. Por um preço maior, o bicho também poderia ser enviado por frete para qualquer estado do país.
Além do macaco-prego, Carlos ofereceu documento, que, segundo ele, falsificaria a origem a regularizaria o animal capturado na natureza. A falsificação sairia por mais R$ 1,7 mil.
“A documentação para legalizar é bem básica: precisa do seu nome completo, o proprietário do animal, RG, CPF e o endereço onde vai chegar a documentação com o microchip. O chip você mesmo aplica. Não tem muito segredo, não.”
Em julho do ano passado, o Facebook foi multado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em R$ 10,1 milhões devido à venda ilegal de animais silvestres na plataforma.
De acordo com um auto de infração, traficantes usaram a rede social para vender ao menos 2.227 espécimes da fauna silvestre nativa sem a devida licença.
Estudo feito pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), em parceria com a Nortrhumbria Universaty, do Reino Unido, indica que dezenas de milhões de animais selvagens são comercializados todo ano no Brasil. A venda ilegal explodiu com o avanço da tecnologia, que criou redes internacionais de contatos.
Contatada pelo Metrópoles, a Meta, dona do Facebook, afirmou que o grupo “Exóticos Brasil 🇧🇷” foi removido por violar as políticas da rede social.
“Não permitimos conteúdo sobre compra, venda, comércio, doação ou oferta de espécies em vida selvagem, e removemos tais conteúdos quando tomamos conhecimento deles em nossa plataforma. Usamos uma combinação de tecnologia e revisão humana para aplicar essas regras, e cooperamos com autoridades locais nessa área”, disse a empresa por meio de nota enviada à reportagem.
Ibama
Dados fornecidos pelo Ibama do Sistema de Gestão dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (SisCetas) mostram que 191.615 animais provenientes de operações de apreensões foram recebidos pelo sistema só nos últimos quatro anos. Os dados foram contabilizados até o dia 15 de maio de 2023.
Procurado pela reportagem, o Ibama não soube informar quantos casos de tráfico de animais on-line foram registrados nos últimos anos. O órgão também não conseguiu dizer se já recebeu denúncias de casos de falsificação da origem de animais silvestres anteriormente.