Trabalho escravo: artistas se mobilizam contra retirada de grupo do MDH
Carta é encabeçada por artistas como Wagner Moura e Dira Paes. Ministério do Trabalho quer transferência da comissão para a sua pasta
atualizado
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Artistas e entidades de todo o Brasil assinam carta pela manutenção da Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH). Documento foi entregue ao ministro Silvio Almeida nesta sexta-feira (26/5). O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) articula para transferir a comissão para a pasta comandada por Luiz Marinho.
A carta é assinada por 97 entidades e 174 pessoas. Entre os principais nomes, a lista é encabeçada por artistas como os atores Wagner Moura, Dira Paes, Camila Pitanga e a cantora Daniela Mercury, além dos jornalistas Leonardo Sakamoto e Chico Pinheiro.
Entidades como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e representantes da sociedade civil e servidores da comissão também se declararam favoráveis à manutenção da Conatrae sob o guarda chuva do Ministério dos Direitos Humanos.
O documento ressalta que o trabalho escravo é “mais do que uma violação a direitos trabalhistas, é uma agressão aos direitos humanos” e justamente por esse motivo a comissão sempre esteve sob o manto do Ministério dos Direitos Humanos, desde sua criação em 2003.
A carta foi entregue por representantes em audiência realizada nesta sexta-feira ao ministro Silvio Almeida, que defendeu enfaticamente a permanência da comissão em sua pasta.
“Queremos um combate ao trabalho escravo que continue sólido, que resgate a dignidade dos trabalhadores, que enfrente o racismo e o machismo, que fortaleça a imagem da produção brasileira. Queremos que a Conatrae continue no Ministério dos Direitos Humanos”, afirma a carta.
Entenda
Ao Metrópoles, fontes do MDH que acompanham o processo de perto alegam que a pasta recebeu o ofício que comunica a intenção do MTE em transferir a Conatrae para o guarda-chuva da pasta de Marinho, logo após o governo Lula completar 100 dias.
Desde então, a maior parte dos conselheiros da Comissão se posicionou contra a mudança. O movimento do MTE aconteceu depois da explosão de casos de trabalho análogo à escravidão, expostos pelos órgãos de combate ao trabalho escravo do MDH juntamente com o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Diante disso, o que se ventila no Conselho é que a medida seria um pedido de empresas, que ganhariam mais influência nas decisões com a Conatrae dentro do MTE. Além disso, a transferência iria enfraquecer o poder dos movimentos sociais, que têm mais força sobre o tema com o conselho no guarda-chuva do MDH.
Ainda sem resposta por parte do Ministério dos Direitos Humanos, há uma articulação interna do Ministério do Trabalho para que os conselheiros aceitem o processo de mudança. O “lobby” é outro motivo de irritação de integrantes da Comissão com esse processo de trasnferência.
O movimento vem à tona em um momento em que vários ministérios têm perdido suas atribuições em temas delicados. É o caso do Ministério do Meio Ambiente (MMA), da ministra Marina Silva. Uma proposta do deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) visa reestruturar o MMA e prevê, por exemplo, a retirada Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da pasta, além da transferência da demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas para o da Justiça e Segurança Pública.
Fogo amigo
No entanto, ao contrário do que vem acontecendo com o ministério de Marina Silva, a retirada da Conatrae não viria a partir de propostas do Congresso, e sim de um movimento que parte de dentro do próprio governo, no caso, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Na prática, a mudança se daria por meio de decreto do Ministério da Casa Civil e depois uma chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teria a palavra final. Contactada, a Casa Civil disse que até o momento não recebeu nenhum ofício comunicando a intenção de transferência do órgão.
A Conatrae nasceu em 2003 dentro de um processo de construção da política nacional de erradicação do trabalho escravo, como colegiado encarregado de monitorar a sua execução pelas várias partes interessadas, formado pela sociedade civil e o poder público. Na prática é um conselho autônomo, com representantes de ministérios e da sociedade civil e que sempre esteve sob o manto do MDH.