“Tomei uma facada nas costas”, diz Bolsonaro após ficar inelegível
Ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado pelos ataques que fez ao sistema eleitoral durante reunião com embaixadores, em julho de 2022
atualizado
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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se pronunciou pela primeira vez após ter se tornado inelegível até 2030. A decisão foi confirmada em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o placar de cinco votos pela inelegibilidade e dois contra.
“Há pouco tempo, levei uma facada na barriga. E hoje tomei uma facada nas costas com a inelegibilidade por suposto abuso de poder político“, afirmou Bolsonaro à imprensa, nesta sexta-feira (30/6), em um restaurante em Belo Horizonte.
O ex-mandatário foi condenado pelos ataques que fez ao sistema eleitoral brasileiro durante reunião com embaixadores, em julho de 2022. O TSE entendeu que houve abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Com a decisão, Bolsonaro está impedido de concorrer às eleições de 2024, 2026, 2028 e 2030.
Alvo da mesma ação que levou à inelegibilidade do ex-chefe, o ex-candidato à Vice-Presidência Walter Braga Netto (PL) foi absolvido, por unanimidade, pela Corte Eleitoral.
“Analfabetos políticos”
Bolsonaro também sugeriu que a Justiça Eleitoral agiu contra sua reeleição durante o pleito de 2022. “Nós acompanhamos a maneira como o TSE agiu nas eleições, me proibindo até de fazer live na minha casa [Palácio da Alvorada]. Os resultados apareceram no final e eu me recolhi, […] saí do Brasil no dia 30 e, infelizmente, aconteceu o dia 8 de janeiro”, disse.
O ex-presidente seguiu a sua fala chamando de “analfabetos políticos” aqueles que dizem que os atos antidemocráticos de 8 de janeiro foram uma tentativa de golpe.
“Quem fala em golpe não sabe o que é golpe. Com todo respeito, é um analfabeto político. Ninguém vai dar golpe com senhorinha e com senhorzinhos com bandeira do Brasil nas costas e Bíblia debaixo do braço. Se bem que lamentamos a depredação do patrimônio público ocorrido e as pessoas que fizeram isso têm que arcar com as responsabilidades.”
Ao fim, Bolsonaro foi questionado se tinha medo de ser preso após o resultado do julgamento que o tornou inelegível até 2030. “Preso por quê? Aponta o motivo! Só falta isso”, retrucou.
Bolsonaro está em Belo Horizonte para participar do velório do ex-ministro da agricultura Alysson Paolinelli. Em seguida, o ex-presidente retorna a Brasília.
Decisão do TSE
O TSE formou maioria para declarar a inelegibilidade de Bolsonaro até 2030. Ao fim da sessão na Corte Eleitoral, o placar foi cravado em 5 x 2. Apenas os ministros Raul Araújo e Nunes Marques divergiram do relator, Benedito Gonçalves, a favor da condenação.
A quarta sessão foi aberta com o voto da ministra Cármen Lúcia, que acompanhou o relator, para condenar Bolsonaro. Com isso, o TSE formou maioria pela inelegibilidade do ex-chefe do Executivo. A decisão impede o ex-mandatário da República de concorrer às eleições de 2024, 2026, 2028 e 2030.
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) contra Bolsonaro foi movida pelo PDT. A sigla acusou Bolsonaro de cometer abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação em uma reunião com embaixadores, em julho de 2022.
Cármen Lúcia iniciou seu voto declarando que seguiria o relator pela condenação de Bolsonaro. “Estou acompanhando o ministro relator pela parcial procedência, com aplicação da sanção de inelegibilidade ao primeiro investigado, Jair Bolsonaro, e declarando improcedente o pedido em relação ao segundo investigado, Walter Braga Netto”, afirmou.
Segundo Cármen, o então presidente fez “um monólogo” para se autopromover e desqualificar o Judiciário, com “ataque deliberado” e “exposição de fatos que já tinham sido refutados por esse TSE”.
O ministro Nunes Marques também divergiu do relator e votou contra a condenação de Bolsonaro e Braga Netto. Ele considerou que a atuação do então chefe do Executivo não resultou em “vantagem sobre os demais contendores do pleito presidencial de 2022, tampouco faz parte de tentativa concreta de desacreditar o resultado da eleição”.
Nunes Marques citou, inclusive, que outros candidatos já criticaram o sistema eleitoral em período próximo ao pleito, como Aécio Neves, em 2014. “Apesar de ser recheada de informações questionáveis, que chegaram a distorcer fatos existentes, toda a fala do [então] presidente é feita baseada em suposições e sem impugnação, perante o TSE, do resultado geral das eleições de 2018”, declarou.
Quatro dias de julgamento
Inicialmente, Moraes separou três sessões para o julgamento, em 22, 27 e 29 de junho. No entanto, os votos não foram finalizados, e o ministro convocou a sessão extraordinária desta sexta para terminar o processo.
Nas sessões anteriores, o ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, votou para tornar Bolsonaro inelegível até 2030. Gonçalves considerou que as provas mostram que o ex-presidente foi “integralmente responsável pela reunião com embaixadores”.
O magistrado declarou que Bolsonaro “adotou uma estratégia político-eleitoral assentada em grave desinformação a respeito das urnas eletrônicas e da atuação deste Tribunal [Superior Eleitoral]”. Segundo Gonçalves, o então presidente da República usou sua “posição de chefe de Estado para degradar o ambiente eleitoral”.
Na sequência, Raul Araújo divergiu do relator e votou pela absolvição da chapa. O ministro entendeu que, sem a inclusão de fatos extras na ação, como a minuta do golpe, as dúvidas levantadas por Bolsonaro contra as urnas não têm a gravidade necessária para configurar inelegibilidade.
“Entendo inexistir o requisito de suficiente gravidade, lembrando que boa parte do discurso reconheço como normal, exceto pelo fato que caracterizava uma propaganda eleitoral indevida”, disse o ministro em seu voto.
Floriano de Azevedo Marques seguiu o relator e votou pela inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos. O ministro considerou que estão claros, no evento realizado para embaixadores, o “abuso e o desvio de finalidade”.
Para Floriano Marques, houve ainda “abuso de poder político, pois o investigado mobilizou todo o poder de presidente para imolar sua estratégia eleitoral em benefício próprio, agindo de forma anormal e imoral”.
Em seguida, André Tavares também se manifestou pela condenação do ex-presidente à inelegibilidade. O ministro, inclusive, citou que Bolsonaro questionou o sistema eleitoral brasileiro por pelo menos 23 vezes, somente em 2021. De acordo com Tavares, é inviável a Justiça Eleitoral ignorar os fatos. “É possível constatar ataques infundados que se escoraram em boatos”, disse o ministro.
Veja como cada ministro votou:
- Benedito Gonçalves: a favor da inelegibilidade
- Raul Araújo Filho: contra a inelegibilidade
- Floriano de Azevedo Marques: a favor da inelegibilidade
- Ramos Tavares: a favor da inelegibilidade
- Cármen Lúcia: a favor da inelegibilidade
- Nunes Marques: contra a inelegibilidade
- Alexandre de Moraes: a favor da inelegibilidade
“Ato de governo”
A defesa dos acusados argumentou que, no encontro com os embaixadores estrangeiros em julho de 2022, foi praticado “ato de governo”, insuscetível de controle jurisdicional, sob a ótica do “fim político” e da soberania. De acordo com a defesa, não existe ato eleitoral a ser apurado, uma vez que, na reunião, não se cuidou de eleições, não houve pedido de votos, ataque a oponentes, bem como não houve apresentação comparativa de candidaturas.
Os advogados afirmam que o evento constou de agenda oficial do presidente da República, previamente informada ao público, e que a má-fé de determinados setores da imprensa fez com que a cobertura da reunião fosse tratada como “uma proposta de aprimoramento do processo democrático, como se se tratasse de ataque direto à democracia”. Segundo a defesa, o evento, na verdade, foi “um convite ao diálogo público continuado para o aprimoramento permanente e progressivo do sistema eleitoral e das instituições republicanas”.