1 de 1 Imagem colorida de homem segurando braço de mulher, simulando violência contra a mulher - Metrópoles
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Um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revela dados preocupantes sobre a segurança feminina no país. Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve crescimento de casos em todos os tipos de violência contra mulheres no Brasil em 2023.
As ameaças foram o tipo de violência mais comum em números absolutos, com 778.921 casos no ano passado, ante 668.355 em 2022, representando um aumento de 16,5%.
O número de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica foi de 258.941, em 2023, um aumento de 9,8% em comparação com 2022.
O stalking, ou perseguição, teve a maior alta percentual, com um crescimento de 34,5% nas taxas por 100 mil habitantes, totalizando 77.083 registros em 2023, contra 57.294 no ano anterior.
As tentativas de homicídio contra mulheres cresceram 9,2% em 2023, com 8.372 casos registrados. As tentativas de feminicídio aumentaram 7,1%, com 2.797 registros.
Feminicídios
Os feminicídios também apresentaram um crescimento no período, com uma alta de 0,8%, totalizando 1.467 vítimas em 2023, contra 1.455 em 2022. Entre as vítimas de feminicídio, 63,6% são negras e 71,1% têm entre 18 e 44 anos.
A maioria das mortes ocorre em casa (64,3%), e 63% das vítimas foram assassinadas por parceiros íntimos. Em 21,2% dos casos, o autor do crime foi um ex-parceiro.
Os dados também mostram que, a cada 10 casos, 9 autores de assassinatos de mulheres são homens.
Além disso, as medidas protetivas de urgência (MPUs) ultrapassaram a marca de meio milhão, com 540.255 concessões, sendo mais de 81,4% dos pedidos acatados pela Justiça. O número 190 foi acionado 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica.
O que explica o crescimento da estatística de violência contra a mulher?
O Metrópoles conversou com especialistas para entender as razões por trás do aumento da violência contra mulheres no Brasil em 2023.
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O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
Paulo H. Carvalho/Agência Brasil
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À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer
Hugo Barreto/Metrópoles
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Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime
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Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal
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A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro
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A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos
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No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei
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Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica
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Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher
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Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada
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Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista
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Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou moral
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Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
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Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos
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Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades
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Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria
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Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão
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Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil
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No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento
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Segundo Celeste Leite dos Santos, promotora de Justiça e presidente do Instituto Pró-Vítima, o crescimento das estatísticas de violência contra a mulher pode ser explicado por várias deficiências no sistema de justiça e nas políticas públicas.
Ela destaca que a legislação atual não está devidamente equipada para proteger as vítimas, citando a inadequação das penas e a falta de um estatuto da vítima no Brasil.
“Existem duas dimensões desse problema: a macropolítica criminal e a micropolítica criminal. Na micropolítica, cada caso de crime é investigado e as medidas necessárias são tomadas. No entanto, não estamos percebendo o que está evidente: a macropolítica criminal. Precisamos punir severamente os agressores de mulheres, mas também é essencial desenvolver políticas públicas que sejam preventivas e preditivas”, diz Celeste.
A macropolítica criminal refere-se a estratégias e políticas amplas para prevenir e combater a violência contra a mulher, como leis e programas públicos, enquanto a micropolítica criminal trata da investigação e punição de casos individuais de violência contra a mulher, lidando com cada ocorrência especificamente.
“Ciclo da violência”
A delegada da Polícia Civil Jacqueline Valadares da Silva Alckmin explica que uma das primeiras razões seria a questão do ciclo da violência, que se manifesta frequentemente em casos de agressão doméstica e familiar.
Segundo a delegada, essa violência raramente começa com um feminicídio.
“Normalmente, a agressão se inicia de forma verbal, com xingamentos e ameaças psicológicas. É raro o agressor começar o relacionamento abusivo com violência física”, explica a delegada.
Outro fator citado pela delegada é o machismo estrutural, que naturaliza a cultura da violência contra a mulher. Essa naturalização faz com que a sociedade não trate a questão com a seriedade necessária.
“O machismo estrutural perpetua a ideia de que a violência contra a mulher não é um problema urgente, o que contribui para o aumento dos casos”, aponta.
Mulheres estão denunciando mais
O aumento da disposição das mulheres em buscar ajuda e reconhecer os diferentes tipos de violência também explica o crescimento dos registros, segundo Jacqueline Valadares.
Anos atrás, muitas mulheres associavam violência apenas à agressão física. No entanto, a maior divulgação e orientação pelos canais de imprensa têm esclarecido que a violência pode ser psicológica, moral, patrimonial e sexual, entre outras.
“Essa conscientização leva a um maior número de registros e solicitações de medidas protetivas, o que também influencia o aumento das estatísticas”, afirma.