“Tira, porque eu estou apanhando muito”, disse Bolsonaro a Guedes
O ministro contou a conversa com o presidente para revogar trecho polêmico que permitia suspensão de contratos trabalhistas sem compensação
atualizado
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Após recuo do governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “estava mal redigido” o trecho da medida provisória (MP) que suspendia o contrato de trabalho por quatro meses sem que houvesse a garantia de uma compensação para os trabalhadores.
Segundo ele, a medida não estava “redonda” e faltou colocar a complementação ao salário, com apoio do Estado. Em nova MP, o governo vai definir que esse “auxílio” poderá ser de 25% da remuneração original ou até um terço para empregados dos setores mais atingidos, como bares, restaurantes e hotelaria.
Em entrevista ao Estadão, ele conta como foi a conversa com o presidente Jair Bolsonaro para revogar o trecho polêmico: “Ele disse: ‘Tira, porque eu estou apanhando muito. Vocês arredondam e depois mandam’. Politicamente, ele fez certo”.
O ministro negou que o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, tenha sido o culpado pelo erro. “Vocês têm sempre esse negócio de passar por cima. Não existe isso. O time é unido, é legal. É uma mente doentia. Vocês veem todo mundo brigando com todo mundo. É horrível isso. Não tem nada disso. Bianco é um cara doce”, afirmou.
Qual foi a confusão com a MP que flexibiliza as regras trabalhistas que fez o presidente Jair Bolsonaro recuar?
A coisa mais simples do mundo. Estão redigindo 1.600 medidas, para não ter demissão em massa, vamos colocar uma cláusula de livre negociação. Estamos tentando proteger todo mundo que a gente consegue. Soltamos centenas de medidas nas duas últimas semanas. A velocidade é muito grande. Eu sento com o Montezano [presidente do BNDES] para desenhar o negócio dos bancos, eu dou a orientação geral. No caso do Bianco [Bruno Bianco, secretário especial de Previdência e Trabalho], ele trabalha junto com o Costa [Carlos da Costa, secretário de Produtividade]. Os dois juntos desenharam uma flexibilidade do mercado para evitar uma demissão em massa. Com a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] antiga, todo mundo é demitido, porque as empresas estão fechando. As que são atingidas pela crise estão fechando muito rápido.
Então, o que será feito?
Em vez de ficar preso na legislação antiga, suspende o contrato de trabalho. A ideia é suspender o contrato de trabalho e. imediatamente. negociar. Como a gente sabe que o trabalhador é mais frágil num momento como este, o governo teria que entrar com uma suplementação salarial. Só que não botaram isso. Botaram livre negociação. E, aí, dá a impressão que o cara que vai ser demitido, não ganha nada e fica recebendo um curso. Claro que não é isso.
O que o governo vai fazer agora, ministro?
Toda vez que dá confusão, você anula. Editou, deu essa confusão, anula, tira o artigo 18. Mas tinha um pedaço que foi mal redigido. A gente queria proteger os trabalhadores de demissão. Aí, os caras não entendem que estamos tentando dar uma flexibilidade para os trabalhadores não serem demitidos. Faltou colocar a suplementação salarial. A ideia é fazer o que estão fazendo lá fora. Você pega um trabalhador que ganha R$ 2 mil e a empresa não aguenta pagar. Aí, reduz à metade [o salário], cai para R$ 1 mil. O governo paga 25% [do salário]. Acaba o salário caindo para 75% [do que era originalmente]. A empresa paga 50%, o governo 25% e todo mundo perde um pouquinho.
Mas isso foi o que o governo anunciou na semana passada. Por que não estava na MP?
Escreveram de uma forma que não se conseguiu explicar direito.
Os seus técnicos não passaram por cima do senhor e anunciaram uma medida diferente?
Não, não! Vocês têm sempre esse negócio de passar por cima, não existe isso. O time é unido, é legal. É uma mente doentia. Vocês veem todo mundo brigando com todo mundo. É horrível isso. Não tem nada disso. Bianco é um cara doce. Não quis passar em cima de ninguém.
O governo está estudando medidas para setores?
Ele [Bianco] está estudando. Nos setores normais, pode ser que caia 50% [do salário] e aí a gente teria que dar um estímulo de 25% [do salário]. Há setores que a queda é abissal, como bares, restaurantes, hotelaria, estão caindo demais. Talvez a empresa só consiga pagar um terço [do salário]. Se ele conseguir pagar um terço, aí a gente convocaria outros 33% [do salário]. Nos setores que foram atingidos demais a gente acaba ajudando mais. Como a empresa não aguenta pagar 50%, ele vai pagar um terço. Aí, a gente paga um terço. Não perde tanto. O que estamos estudando é uma suplementação salarial. Esses números estavam sendo feitos.
Quanto custaria essa medida aos cofres públicos?
Tem que fazer o cálculo de quanto custa isso. Na ansiedade, antes de fechar o cálculo, ele não especificou se seria 25% ou 33%. Porque 25% para todo mundo daria para pagar, mas se tiver um setor mais prejudicado, que vai precisar de 33% de suplementação, aí poderia forçar muito o Orçamento. Enquanto estava simulando, ele mandou.
E o presidente Bolsonaro?
Houve um mal entendido. Começou todo mundo a bater e dizer que estão tirando do trabalhador. O presidente virou e disse: “Tira isso daí, está dando mais confusão do que solução”. Ele ligou para mim e perguntou. ‘PG, o que está havendo?’ Eu falei que era uma coisa boa, mas não normatizou”. Eu disse, presidente, ainda não está redondo. Ele disse: ‘Tira, porque eu estou apanhando muito. Vocês arredondam e depois mandam’. Politicamente, ele fez o certo. Foi uma precipitação mandar sem estar definido. Agora, estão saindo milhares, centenas de medidas todos os dias. A gente está querendo é evitar o pior.
O senhor é a favor do isolamento domiciliar para evitar a disseminação do coronavírus?
Eu tenho que seguir o Mandetta (ministro da Saúde). Ele é o médico.