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Testemunhas de Jeová: revista exalta jovens que recusaram transfusão

Revista das Testemunhas de Jeová diz que jovens colocaram “Deus em primeiro lugar”. STF julga direito de seguidores recusarem transfusão

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Revista Despertai / Reprodução
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“No passado, milhares de jovens morreram porque colocaram Deus em primeiro lugar. Ainda há jovens assim, só que hoje o drama acontece em hospitais e tribunais, tendo como questão as transfusões de sangue.” É assim que começa a revista “Despertai!”, de maio de 1994, da religião Testemunhas de Jeová, à qual o Metrópoles teve acesso.

A crença, baseada em interpretações de passagens da Bíblia (Gênesis 9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28, 29 e Levítico 17:14) condena transfusões de sangue por acreditar que qualquer forma de ingestão de sangue é proibida por Deus.

A recusa das testemunhas de Jeová em aceitar transfusões de sangue, mesmo em situações de risco de morte, é uma das práticas mais conhecidas e polêmicas da religião. No dia 8 de agosto, teve início um processo no Superior Tribunal Federal (STF) que avalia um pedido de tratamentos exclusivos no Sistema Único de Saúde (SUS) para aqueles que participam da crença.

Revista Despertai

Na revista “Despertai!”, produzida pela Testemunhas de Jeová, são relatadas histórias de diversas crianças que optaram pela recusa da transfusão de sangue por “obediência a Jeová” e pela garantia de vida no “Paraíso”, mesmo que, com a escolha, elas viessem a óbito. Na publicação religiosa é descrito que o jovem recebe “poder além do normal” quando decide não aceitar transfusão de sangue.

Uma dessas histórias é a de Adrian, que descobriu um tumor no estômago aos 14 anos. Os pais do garoto, que seguiam a religião Testemunhas de Jeová, chegaram a cogitar uma transfusão necessária para salvar sua vida, mas o  garoto não teria permitido.

“Mãe, isso não é um bom negócio. Desobedecer a Deus e prolongar a minha vida alguns anos agora e daí, por causa da minha desobediência a Deus, perder a ressurreição e a vida para sempre na Sua Terra paradisíaca, isto não é ser inteligente!”, teria dito Adrian, de acordo com o trecho da revista que conta sua história.

Ernestine Gregory, de 17 anos, também morreu após recusar receber transfusão de sangue no tratamento de leucemiaa. “Ernestine não fez quimioterapia nem recebeu transfusões, mas ela não morreu de leucemia, como os médicos queriam que o tribunal acreditasse. Ernestine permaneceu firme e colocou Deus em primeiro lugar, como os outros jovens já mencionados”, descreve a revista.

Veja abaixo alguns trechos da revista:

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Julgamento STF

Na quinta-feira (8/8), começou a análise do STF acerca do pedido para que testemunhas de Jeová tenham o direito de recusar transfusão de sangue em tratamentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Também é avaliado se o Estado deve custear tratamentos alternativos à transfusão de sangue.

De acordo com Jacira da Silva Amaral, ex-testemunha de Jeová, todo integrante da religião é obrigado a ter um documento que “legaliza a própria morte”. “O membro é expulso publicamente e é impedido de falar com os demais da igreja por ser considerado um ‘pecado grave’ optar viver ao aceitar o sangue”, conta a aposentada.

Jacira esteve presente no julgamento e se diz contra tratamento exclusivo para a minoria. “O justo seria que todos os brasileiros tivessem o mesmo tratamento”, opina. “O SUS ainda se recupera da pandemia e os brasileiros não podem custear um tratamento caríssimo só porque as testemunhas de Jeová se acham uma classe privilegiada.” Até hoje a aposentada, que por 30 anos fez parte da Testemunhas de Jeová, tem o documento, assinado por cartório, que atesta a sua morte.

Veja:

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O coordenador do movimento União contra a Intolerância e o Ostracismo, Yann Cristian Silva Rodrigues, afirma que, caso acatado, o pedido de tratamento exclusivo aos integrantes da igreja pode comprometer “totalmente” a equidade e laicidade do Estado.

“O SUS é baseado no princípio da universalidade, que garante acesso igualitário a todos os cidadãos. Adaptar tratamentos específicos para uma religião pode comprometer esse princípio e abrir precedentes para outras solicitações semelhantes, dificultando a administração do sistema de saúde”, alega Yann.

Para ele, ainda existem possíveis consequências financeiras e administrativas para o SUS, caso tratamentos de saúde baseados em religiões específicas sejam implementados, como, por exemplo, o aumento dos custos operacionais, desvio de recursos e desigualdade no acesso à saúde pública.

O que dizem as Testemunhas de Jeová?

Em nota enviada ao Metrópoles, o Departamento de Informações ao Público do Testemunho de Jeová afirma que o julgamento “traz […] a possibilidade de convergência entre as necessidades legítimas deste grupo religioso [Testemunhas de Jeová] e o melhor interesse público, para toda a coletividade provendo uma saúde pública eficiente, acolhedora e economicamente sustentável”.

É afirmado, ainda, que o pedido “não se trata de criação de tratamento ‘exclusivista’ no SUS para a minoria religiosa”, já que “o tratamento médico sem transfusão de sangue é perfeitamente possível de ser realizado no SUS, tendo em vista que todos os insumos e procedimentos para gerenciamento do sangue do paciente estão previstos nos normativos do Ministério da Saúde e nas listas oficiais do SUS”.

Em relação à revista “Despertai!”, o Departamento de Informações ao Público do Testemunho de Jeová diz que “a afirmação de que as Testemunhas de Jeová ‘se orgulham de crianças terem morrido’, além de absolutamente falsa e caluniosa, não tem base alguma. A publicação de informações distorcidas a respeito do claro posicionamento das Testemunhas de Jeová quanto a tratamentos de saúde deve ser terminantemente evitada”.

No texto, ainda é dito que, para as Testemunhas de Jeová, a questão de não receber transfusão de sangue é “estritamente religiosa”.

“Nós evitamos tomar sangue por qualquer via, não só em obediência a Deus, mas também por respeito a ele como doador da vida. O que mais importa para as Testemunhas de Jeová, além das muitas razões científicas para evitar o uso de sangue, é o ponto de vista de Deus sobre o assunto.”

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