Tese bolsonarista de fraude no TSE surgiu em 2018 com irmã de Nise Yamaguchi
Influenciadora bolsonarista Naomi Yamaguchi entrevistou “especialista” que supostamente encontrou fraudes na eleição de 2014 . Não há provas
atualizado
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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito mistério a respeito das supostas provas que teria sobre fraudes na apuração dos resultados eleitorais ao menos desde 2014. Porém, dicas que ele deu nos últimos dias indicam que a fonte da tese apareceu num vídeo divulgado em outubro de 2018 pela administradora de empresas Naomi Yamaguchi (imagem em destaque). Ela, que é irmã da médica Nise Yamaguchi, havia se candidatado a deputada federal pelo PSL de São Paulo, mas recebeu 5.905 votos e não foi eleita.
Saindo de um encontro com o presidente do STF, Luiz Fux, na última segunda-feira (12/7), Bolsonaro disse a jornalistas que “um especialista” fará uma apresentação pública comprovando a tese, mas não marcou data, pois a pessoa estaria com Covid-19. Na terça (13/7), o presidente prometeu que “algo bombástico” será divulgado na live da próxima quinta (15/7), nas redes sociais. E, na última semana, deu mais detalhes durante conversa com apoiadores, referindo-se à apuração dos votos no segundo turno em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) venceu Aécio Neves (PSDB):
“No minuto a minuto [da apuração no TSE], o Aécio começou na frente e, com o tempo, as curvas foram se cruzando até que se estabilizaram na horizontal, com a Dilma na frente”, disse o presidente. “No minuto a minuto, por 271 vezes consecutivas [Aécio e Dilma teriam se alternado], dá pra imaginar?”, completou Bolsonaro.
Essa tese é defendida em um vídeo postado em 24 outubro de 2018 por Naomi Yamagushi e que segue on-line no canal dela no Facebook. Ela entrevista uma pessoa que inicialmente não se identifica, no entanto, há cortes nos quais aparece um homem que diz se chamar Alexandre Chut – e não fala mais sobre si mesmo.
O entrevistado por Naomi explica, então, que fez contas sobre o incremento de votos para cada candidato na apuração minuto a minuto fornecida pelo TSE e que encontrou indícios de fraude porque teria havido um padrão não natural no registro desse incremento após a petista assumir a liderança na apuração.
Até as comparações que a pessoa usa para ajudar a explicar a suposta fraude são as mesmas trazidas por Bolsonaro no último dia 9: a probabilidade de uma moeda dar cara e coroa em padrões quando jogada para cima e o número de átomos de corpos celestes. Falando de improviso, Bolsonaro disse que o número de vezes em que houve a alternância foi 271, o que não seria natural. Na tese propagada por Naomi Yamaguchi, o número é 241. E ele cita a quantidade de átomos na Via Láctea, enquanto Bolsonaro diz – erroneamente – que 271 seria o número de átomos na Terra.
Veja uma comparação de trechos do vídeo postado por Naomi Yamaguchi em 2018 com o que foi dito pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada:
Tese não se sustenta
Perdedor na eleição de 2014, o PSDB de Aécio Neves pediu uma auditoria no sistema de votação e apuração, mas a investigação, concluída em 2015, não encontrou nenhum indício de fraude, o que foi confirmado na última semana pelo candidato a vice-presidente naquela chapa, Aloysio Nunes (PSDB-SP).
A tese exposta no vídeo da influenciadora digital bolsonarista já foi checada duas vezes pela Agência Lupa e apontada como falsa: em 2018, quando viralizou pela primeira vez, e nesta semana. Segundo a checagem especializada, o entrevistado faz comparações equivocadas entre os números que mostra e tem dados na coluna nos quais é exibido o suposto padrão que não corresponde realmente ao número de votos obtidos a cada resultado parcial pelos candidatos. Ainda de acordo com a Lupa, comparando os números corretos, não é possível observar qualquer tipo de padrão nos resultados.
Defensora do voto em cédula
Naomi, que também se envolveu com a irmã, Nise, na defesa do tratamento da Covid-19 com remédios que até hoje não têm comprovação de eficácia contra a doença, como a cloroquina, tem uma série de outros vídeos em sua página colocando em dúvida a integridade do sistema eleitoral brasileiro e até pedindo ao presidente Jair Bolsonaro que confisque as urnas, entre outras defesas antidemocráticas.
Veja uma resposta dela, que defende também a volta do voto em cédula, a uma internauta que perguntou “o que fazer” em relação às supostas fraudes nas urnas:
Em um vídeo de 2019, Naomi diz, em um evento realizado na Universidade de Brasília (UnB), que apenas fraudes poderiam explicar a não eleição dela ao cargo de deputada, em campanha que teve até vídeo de apoio gravado com o então candidato Bolsonaro.
Naomi conta que se candidatou a vereadora por São Paulo em 2016, pelo Partido Novo, “sem conhecer ninguém e sem saber fazer campanha” e conseguiu 2.118 votos. Dois anos depois, com uma campanha de muito maior impacto, segundo ela mesma, a quantidade de votos (juntando capital e interior) foi pouco mais que o dobro disso. “Imaginava ter entre 30 mil e 60 mil votos, suficiente para me eleger”, argumenta ela.
Sem outro lado
O Metrópoles enviou mensagens para Naomi Yamaguchi em suas redes sociais, mas a influenciadora bolsonarista não respondeu. O homem identificado como Alexandre Chut no vídeo postado por ela não foi encontrado pela reportagem. Se algum deles se manifestar, o texto será atualizado.
Voto impresso
A pressão que Bolsonaro tem exercido para questionar o sistema eleitoral brasileiro está ligada à tramitação na Câmara de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui a impressão de cada voto registrado nas urnas eletrônicas, possibilitando recontagens e auditorias.
Há, porém, resistência da maioria dos partidos, e o grupo bolsonarista na Câmara que defende o voto impresso está com dificuldades para fechar um acordo na Comissão Especial na qual tramita a PEC para aprová-la e levar o texto ao plenário da Casa. Caso essa resistência na Câmara seja superada, a PEC ainda terá de tramitar no Senado e estar aprovada e promulgada até outubro deste ano para poder valer nas eleições do ano que vem, como quer o presidente.
Nas falas antidemocráticas do presidente da República, porém, até a realização do pleito está em perigo se sua vontade não for atendida.