Terras indígenas: STF volta a julgar Marco Temporal. Placar está 2 a 2
A Corte retomou a análise nesta quarta, mas só André Mendonça começou a ler seu voto. Julgamento continua nesta quinta-feira (31/8)
atualizado
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O Supremo Tribunal Federal (STF) continua, nesta quinta-feira (31/8), o julgamento da ação que analisa a tese jurídica em torno do Marco Temporal em terras indígenas. A votação do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365 estava parada desde junho e foi retomada nesta quarta-feira (30/8) com o voto-vista do ministro André Mendonça. A sessão foi usada inteiramente para a leitura do ministro, que se posicionou a favor do Marco Temporal, mas não concluiu o voto.
Em seguida, a sessão foi parada, devido ao avançar da hora, e prosseguirá nesta quinta, com o término da análise de Mendonça e votação dos outros ministros. Até o momento, Alexandre de Moraes e Edson Fachin foram contra a data fixada para a demarcação das terras indígenas. Nunes Marques e André Mendonça se manifestaram a favor da tese. O placar está em 2 a 2. A grande expectativa é quanto ao voto de Cristiano Zanin, que poderia decidir a questão.
O próprio PT fez uma carta com um recado para que o ministro escolhido por Lula vote contra o Marco Temporal. Pelo menos três votos de Zanin receberam críticas de eleitores e apoiadores do atual presidente: pela obrigatoriedade do juiz de garantias, contra a descriminalização do porte da maconha para uso pessoal e contra a aplicação do princípio da insignificância em furto de itens de R$ 100.
O Marco Temporal estabelece que apenas as terras indígenas ocupadas até 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição, serão demarcadas. No entanto, lideranças dos povos originários declaram que a questão vai contra a Carta Magna.
Ao embasar seu voto e empatar o placar de 2 a favor e 2 contra, Mendonça disse reconhecer o Marco Temporal de 5 de outubro de 1988.
Manifestações
Nesta quarta-feira, lideranças indígenas marcharam do Museu da República até o STF para protestar contra o Marco Temporal. O STF disponibilizou telão para que eles assistissem à sessão do lado de fora da Corte e ainda abriu espaço no plenário para os indígenas. Uma das principais lideranças indígenas do país, o cacique kayapó Raoni Metuktire viu a retomada da análise de dentro do plenário.
Caso concreto
A Corte analisa o caso concreto da terra indígena Ibirama LaKlãnõ, onde vivem os povos Guarani, Xokleng e Kaingang, em Santa Catarina. O entendimento do Marco Temporal foi usado pelo Instituto do Meio Ambiente catarinense, que solicitou a reintegração de posse de uma área localizada na Reserva Biológica do Sassafrás, onde se encontra o território originário.
A tese é rechaçada pelo Ministério Público Federal (MPF). Ao defender que o STF deve aceitar o recurso do povo Xokleng, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que o direito dos povos indígenas sobre seus territórios é “congênito e originário”, não dependendo de titulação ou reconhecimento formal para tal. Aras também ponderou que o processo de demarcação do território está de acordo com a legislação vigente, passou por todas as etapas necessárias e que não há conflito entre a ocupação indígena e a preservação ambiental.
A tese do marco temporal surgiu pela primeira vez durante o julgamento da Petição 3.388, caso que ficou conhecido como Raposa Serra do Sol, em 2009. À época, o STF definiu uma série de parâmetros para a demarcação dos territórios indígenas brasileiros, condicionando-a à ocupação do local à data da promulgação da Constituição ou à comprovação de que houve o chamado “esbulho renitente”, medida que impossibilitou os indígenas de estarem em seus territórios tradicionais diante da expulsão e retirada forçada por particulares.
Após o julgamento, inúmeras ações foram propostas na Justiça a fim de invalidar processos demarcatórios de terras indígenas. Para o procurador-geral, as instabilidades jurídica e social geradas exigem a fixação de uma tese vinculante sobre o tema. “O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos índios direitos originários sobre as terras de ocupação tradicional, cuja identificação e delimitação há de ser feita à luz da legislação vigente à época da ocupação”, lembrou Augusto Aras durante julgamento no STF.
Riscos para costumes
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a aplicação da tese do marco temporal contraria uma série de normas internacionais que asseguram o direito ancestral e originário dos povos indígenas sobre suas terras, uma vez que ignora os casos em que essas comunidades foram expulsas de seus territórios, muitas vezes com uso da força e da violência.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas determina que essa população tem direito a não sofrer assimilação forçada ou destruição da sua cultura, assim como cabe ao Estado estabelecer mecanismos para reprimir todo ato que tenha por objetivo subtrair-lhes suas terras, territórios ou recursos.
Segundo relatório da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a tese do marco temporal já foi responsável pela paralisação e revisão de diversos processos demarcatórios no país, “impactando diretamente a vida de milhares de indígenas que, tendo seu direito fundamental violado, enfrentam uma série de violências físicas e simbólicas”.
Já o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) entende que a flexibilização de direitos originários sobre territórios cria riscos para a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas.
No Senado
A discussão sobre a demarcação das terras indígenas também está no Senado Federal. Hoje, há um entendimento entre os líderes que a matéria só volta a ser discutida após o julgamento no STF. Porém, em 23 de agosto, o projeto do marco temporal das terras indígenas foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
O avanço do texto, que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, foi considerado um retrocesso para o governo federal.
O projeto de lei relatado pela senadora Soraya Thronicke (União-MS) cria um marco temporal para reconhecimento de terras indígenas, limitando a demarcação aos casos em que houver comprovação de ocupação permanente com caráter produtivo desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Pelo texto, será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.
Os processos de demarcação em andamento na data de publicação da lei oriunda do projeto deverão se adequar a ela. Agora, o texto seguirá para Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator será o senador Marcos Rogério (PL-RO).
Atualmente, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) é o órgão responsável pela demarcação das Terras Indígenas, por meio de um estudo antropológico. Com a aprovação do texto, a função será exercida pelo presidente da República, que deve decretar — ou não — a homologação.
“Inconstitucional”
O texto é considerado “inconstitucional” por parte de movimentos indígenas, uma vez que, segundo o Artigo 231 da Constituição, os direitos indígenas são direitos originários, ou seja, antecedem à formação do Estado.