Tentativa de golpe em 2022: o caminho da investigação ao indiciamento
Investigação da PF durou quase dois anos e obteve provas a partir da quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal e delações
atualizado
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O indiciamento de 37 pessoas ligadas ao governo anterior do Brasil, inclusive o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por suposta tentativa de golpe de Estado, é resultado de uma investigação iniciada no ano passado, após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. As diligências da Polícia Federal (PF) possibilitaram a conclusão do inquérito na quinta-feira (21/11).
A investigação apurou uma suposta trama golpista iniciada em 2022, especialmente após as eleições presidenciais que deram a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A articulação teria envolvido ex-ministros, militares de alta patente e ex-assessores do governo, supostamente capitaneados pelo então presidente, com o objetivo de evitar a posse da chapa vitoriosa e garantir a permanência de Bolsonaro no poder.
Os atos apontados pela investigação – de ataques ao processo eleitoral e confiabilidade das urnas eletrônicas até a elaboração de uma minuta de golpe e, mais recentemente, a descoberta do plano de assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do STF – ajudam a entender o que a PF chamou de crimes contra o Estado democrático de direito.
A PF aponta no relatório final do inquérito, de mais de 800 páginas, a articulação conjunta de seis núcleos diferentes. São eles: núcleo de desiformação e ataques ao sistema eleitoral; núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado; núcleo jurídico; núcleo operacional de apoio às ações golpistas; núcleo de inteligência paralela e núcleo operacional para cumprimento de medidas coercitivas.
Divisão de tarefas
Os 37 indiciados foram divididos no relatório, conforme a participação nesses diferentes núcleos. Segundo a PF, as provas obtidas demonstraram que eles se estruturaram por meio de divisão de tarefas, o que possibilitou a individualização dos crimes. A relação divulgada nessa quinta-feira (21/11) contempla desde integrantes do “gabinete do ódio” até o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem.
Os elementos que embasaram a investigação foram obtidos a partir da quebra de sigilos telemático, telefônico, bancário, fiscal, colaboração premiada, buscas e apreensões, entre outras medidas autorizadas pela Justiça. A investigação andou principalmente após a delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tenente-coronel Mauro Cid e depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas.
A partir de arquivos e dados colhidos nos aparelhos eletrônicos de Cid – alguns, inclusive, deletados por ele e que levantaram suspeita de que ele poderia ter omitido informações e descumprido o acordo de delação –, a PF chegou à conclusão de que a minuta do golpe passou pelas mãos de Bolsonaro e os indícios apontam que ele sabia, até mesmo, do plano de execução de autoridades.
O inquérito apurou que o ex-presidente e assessores próximos, como oficiais das Forças Armadas e então ministros, teriam participado de reuniões que discutiram a tentativa de golpe após as eleições. Entre eles, estão, por exemplo, o general da reserva do Exército Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e o general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Militares acusaram Bolsonaro
À época da investida golpista, veio à tona a informação de que o plano só não se concretizou porque não houve apoio imediato de dois comandantes das Forças Armadas. Trata-se de Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, e Carlos Almeida Baptista Jr., ex-comandante da Aeronáutica.
Os dois militares foram ouvidos pela PF, neste ano, na condição de testemunhas, e acusaram Bolsonaro. Eles relataram à investigação que o então presidente teria apresentado a eles o esboço da minuta golpista para evitar a posse de Lula. Na ocasião, apenas o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos teria sinalizado de forma positiva.
Ao contrário dos colegas militares que se negaram a apoiar a trama golpista de Bolsonaro, Garnier aparece na lista de 37 indiciados no inquérito do golpe. Ele foi intimado a depor na PF, mas ficou em silêncio.
Os crimes atribuídos aos indiciados são: golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito e integrar organização criminosa. Juntas, as penas podem chegar a 28 anos de prisão.
O relatório da PF foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, deve determinar que ele siga para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR). Caberá ao procurador-geral Paulo Gonet a tarefa de avaliar o inquérito e decidir se oferece ou não denúncias à Justiça.
37 Indiciados
Entre os 37 indiciados aparecem, ainda, nomes como do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem e do presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto. A lista completa foi divulgada pela PF na tarde dessa quinta-feira. Confira abaixo:
Alexandre Castilho Bitencourt Da Silva
Alexandre Rodrigues Ramagem
Almir Garnier Santos
Amauri Feres Saad
Anderson Gustavo Torres
Anderson Lima De Moura
Angelo Martins Denicoli
Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Bernardo Romao Correa Netto
Carlos Cesar Moretzsohn Rocha
Carlos Giovani Delevati Pasini
Cleverson Ney Magalhães
Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira
Fabrício Moreira De Bastos
Filipe Garcia Martins
Fernando Cerimedo
Giancarlo Gomes Rodrigues
Guilherme Marques De Almeida
Hélio Ferreira Lima
Jair Messias Bolsonaro
José Eduardo De Oliveira E Silva
Laércio Vergilio
Marcelo Bormevet
Marcelo Costa Câmara
Mario Fernandes
Mauro Cesar Barbosa Cid
Nilton Diniz Rodrigues
Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho
Paulo Sérgio Nogueira De Oliveira
Rafael Martins De Oliveira
Ronald Ferreira De Araujo Junior
Sergio Ricardo Cavalieri De Medeiros
Tércio Arnaud Tomaz
Valdemar Costa Neto
Walter Souza Braga Netto
Wladimir Matos Soares