“Temos uma geração de mimizentos”, diz vereadora bolsonarista de SP
Vereadora bolsonarista Sonaira Fernandes diz que não é homofóbica, apesar de defender que “menino nasce menino, e menina nasce menina”
atualizado
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Única vereadora em São Paulo que teve apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições de 2020, Sonaira Fernandes (Republicanos) tem colocado seu mandato a serviço das pautas conservadoras que reverberam do governo federal.
É de sua autoria um projeto de lei que proíbe a implantação da ideologia de gênero nas escolas municipais e outro que impede a administração municipal de tornar obrigatória a imunização contra Covid-19 dos servidores, em reação a decreto assinado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) no último sábado.
Sonaira não esconde a influência da família Bolsonaro em seu gabinete e diz manter contato constante com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), de quem acatou a ideia de usar os auditórios da Câmara Municipal para organizar palestras e discussões públicas sobre o voto impresso, bandeira bolsonarista rejeitada recentemente pelo Congresso. “Eu acredito na eleição do Bolsonaro em 2022, acho que o voto impresso não irá impedir a vontade do povo e a vontade de Deus sobre a vida do Bolsonaro porque ele está no propósito divino. Como ele bem disse, somente Deus pode tirá-lo daquela cadeira”, disse ela, em entrevista exclusiva ao Metrópoles.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Como avalia esses primeiros meses de mandato?
A avaliação é de que tem sido bem difícil. Nós somos oposição não apenas por ser oposição, mas pela defesa do que a gente acredita. Então, antes mesmo de iniciar o mandato, protocolamos o projeto de lei para isenção de impostos para os donos de comércio, restaurantes e bares que sofreram com as restrições impostas pelo governo de São Paulo e o prefeito Bruno Covas (PSDB) com o fechamento do comércio.
Teve outro projeto proposto pela senhora em relação à ideologia de gênero
Esse projeto 197 de 2918 do vereador Eduardo Suplicy (PT) foi protocolado faz tempo, em 2018. O projeto inteiro já é ruim. Em um projeto feito para dispor sobre economia solidária, ele apresenta em alguns artigos o ensino da ideologia de gênero nas escolas colocando isso como princípio da economia solidária. Então, esse projeto foi pautado algumas vezes aqui na Casa, o vereador Suplicy não tinha voto para aprovação, e no mês de junho, ele conseguiu voto para colocar esse projeto em pauta e teve uma votação simbólica. Esse projeto existe desde 2018, inclusive, com assinatura do atual prefeito Ricardo Nunes que, em 2015, protagonizou a rejeição à ideologia de gênero. Nós levantamos a campanha pelo veto pedindo ao prefeito o mesmo bom senso que ele teve em 2015. Mas ele acabou vetando alguns artigos e deixou a ideologia de gênero lá dentro do projeto.
Por que o prefeito não vetou esse artigo?
Acredito que ele está tentando ser bonzinho, equilibrar os dois lados de uma maneira errada. Primeiro porque isso é uma pauta contra a qual Ricardo Nunes (MDB) estava lutando desde 2015, então, não estávamos pedindo nada absurdo. A gente acreditava de fato que essa era a bandeira dele. Muita gente se elege com a bandeira da família, consegue a eleição com os valores cristãos e, quando chega aqui, é hora de mostrar que está aqui para isso. Então, esperávamos que o Ricardo Nunes nos ouvisse, principalmente, a maioria da bancada [cristã] que é base de seu governo. Acredito que ele quis agradar os dois lados e prejudicou a sua base, que tem maioria cristã.
Qual a participação da bancada evangélica na Câmara Municipal?
Nós tivemos um forte movimento da bancada pedindo o veto aos artigos que falavam sobre o gênero, principalmente, nas escolas. Quero deixar claro que não se trata do homossexual, da questão da sexualidade, são coisas distintas. A nossa luta contra o gênero é que não queremos que uma criança seja doutrinada. Criança é criança e acabou. Então, a bancada se movimentou para falar com o prefeito e dizer que não queremos a ideologia de gênero nas escolas. Quando Ricardo Nunes deixou de vetar, a maioria decidiu não falar sobre o assunto justamente por ser base do governo.
Como avalia a gestão Ricardo Nunes em relação ao governador João Doria?
Eu tinha esperança, tinha fé mesmo, de que ele conseguisse desvincular a imagem do João Agripino. Infelizmente, com o tempo passando e vendo as coisas acontecerem, eu vejo ali Ricardo Nunes buscando apoio. Vemos muito o Ricardo Nunes falando em gestão Bruno Covas, então, eu estou procurando algo do Ricardo Nunes dentro da Prefeitura de São Paulo, nas ações pelas ruas de São Paulo. Infelizmente, eu não encontro. Eu vejo, infelizmente, Ricardo Nunes dizendo gestão Bruno Covas. Eu entendo que há uma gratidão, mas o tempo do Bruno Covas se encerrou. Agora queremos ver o tempo do Ricardo Nunes e eu ainda não consegui ver isso.
Qual seria um gesto dele que apontaria algo nesse sentido?
O primeiro ponto seria manter a luta que ele protagonizou em 2015 dentro dessa Casa e vetar esse PL da ideologia de gênero. Se ele tivesse feito isso, eu entenderia que ele estava realmente firme naquilo que ele sempre defendeu aqui.
Existe algum indício de que a ideologia de gênero possa ser implementada pela Prefeitura de São Paulo?
Com toda certeza, se os pais não ficarem atentos a isso. Uma prova é esse projeto do Suplicy. Esse projeto já teria meu veto de qualquer forma, mas quando coloca ali a ideologia de gênero no ensino, é realmente uma forma de entrar nas escolas com esse assunto. É perigoso sim, depois desse projeto tivemos que redobrar a vigilância. Não estamos aqui contando história, um bando de maluco que não tem o que fazer que fica inventando coisas. É real.
A cidade de São Paulo tem carência de representantes dos temas conservadores?
Ainda temos carência de representantes que, após chegar aqui, entendam que precisamos continuar e fortalecer. Ainda somos pequenos em relação aos nossos adversários. As pessoas que estão na política que defendem a família, a fé, precisam entender isso. Eu gostaria que as pessoas que defendem a fé pudessem ficar uma semana aqui dentro.
O que iriam encontrar?
Eu falo para o pessoal que trabalha comigo que nunca vamos dar conta de tudo. Vai chegar um determinado momento que vai passar alguma coisa porque é o tempo inteiro a nossa defesa, de crianças e da família, dessas coisas absurdas. Gastamos mais tempo fazendo defesa, articulando discurso, falando com um e com outro para impedir que essas coisas passem.
Como tem sido a recepção dos demais vereadores em relação às pautas conservadoras?
Bem tímida. Quando se aborda esses temas há um ganho de exposição. Têm as pessoas que me aplaudem na internet e tem também quem me massacra. Às vezes, quando faço um determinado discurso no plenário já desço pensando: “vou apanhar”.
Teve alguma situação que ilustra essa situação?
Meu primeiro discurso aqui na Câmara, quando eu disse que vivemos uma geração capada pelo politicamente correto, e que nós temos uma geração de “mimizentos”. Nós temos uma geração de homens cada vez mais femininos, e mulheres cada vez mais masculinizadas. Isso gerou uma grande confusão, me chamaram de homofóbica, então, hoje, tudo que você diz é homofobia. Hoje você pode fazer piada com a minha fé, piada com o Deus que eu acredito, mas eu não posso falar o óbvio porque isso é preconceito e homofobia.
Nós tivemos a oportunidade aqui de abrir a discussão sobre o PL dos absorventes para serem distribuídos para as alunas da rede municipal. Vereadores queriam tirar a palavra “mulheres” desse projeto porque, segundo eles, era algo ofensivo. Uma vez que só as mulheres menstruam a não ser por uma intervenção divina que altere a criação lá na sua origem. Nós dissemos: “desculpa, mas não dá, vocês querem uma inclusão que para a gente é excludente”. Tenho uma irmã de 12 anos, ela ainda brinca de boneca, mas ela já menstruou. Como eu explico para ela que dizer que mulheres que menstruam é ofensivo? Em vez disso, precisamos dizer pessoas que menstruam para não ofender as outras que menstruam. Que pessoas? Então, são coisas óbvias que dizemos todos os dias e, por isso, nos pintam como pessoas rancorosas. Dizem que nos escondemos por trás da Bíblia para propagar seu discurso de ódio.
Como é a relação com a vereadora Erika Hilton (PSol), por exemplo, uma mulher trans?
Nós nos encontramos, mas não temos diálogo por causa desse primeiro discurso. As vereadoras do PSOL podem falar o que querem e as pessoas já pisam em casca de ovos porque não querem ser tachadas de preconceituosas, homofóbicas e coisas desse tipo. Não posso defender o que eu penso e no que eu acredito porque, em contrapartida, nós que somos os preconceituosos. Quando eu me posicionei perante ela e disse “você pode ser o que quiser, agora você não pode me impedir de pensar assim e defender o que eu acredito”. Não pode me impedir de acreditar que 15 e ponto final.
Por que existe essa reação?
Primeiro por causa do nome Bolsonaro. Os inconformados petistas e simpatizantes já tomam isso por uma rejeição enorme, não querem nem olhar na sua cara. Mas a gente segue.
A senhora foi a única vereadora em São Paulo que teve apoio do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2020. Qual é a influência dele em seu mandato?
O apoio veio porque eu trabalho com o filho dele, com o Eduardo, desde 2014. Depois, fui trabalhar com eles em Brasília. Tínhamos uma convivência, saíamos do gabinete e íamos comer cachorro quente na barraquinha na rua. Depois de tudo que aconteceu em 2018, todos os candidatos que subiram com o nome Bolsonaro e tantas decepções que nós tivemos, inclusive o Doria com o Bolsodoria, o presidente manteve o apoio restrito e resolveu dedicar a pessoas que ele realmente conhecia. Foi quando o Eduardo me fez a proposta, me convidou para ser candidata a vereadora. Eu topei e agora estou aqui nessa missão brava.
Qual sua relação hoje com o presidente e com o Eduardo Bolsonaro?
Falo com eles. Fui ao hospital para visitar o presidente quando esteve internado aqui em São Paulo e tirei foto de alguns apoiadores que já estavam na porta do hospital. Eu tirei a foto e disse: “olha, presidente, estamos aqui, vou ficar pouco tempo por conta do barulho, vamos fazer uma oração, e depois vamos embora”. Aí, ele fez uma chamada de vídeo para agradecer o apoio, disse que não podia falar muito. Sempre que eu posso vou a Brasília e, sempre que ele vem a São Paulo, eu o acompanho nas agendas.
Como vê a atual situação do presidente com a popularidade em queda?
Sinceramente, eu não enxergo a popularidade do Bolsonaro caindo. Pelas oportunidades que eu tive de acompanha-lo pelo interior do estado de São Paulo é uma coisa de louco quando o Bolsonaro aparece. Eu não vejo isso com nenhum outro candidato a presidente. Bolsonaro chega no aeroporto, é impossível, ele anda pelas ruas, é impossível. E é todo mundo, criança, idoso, as pessoas amam mesmo o presidente. Então, essa baixa popularidade que as pesquisas mostram eu não visualizo, as ruas não falam isso.