Telegram tem “Tinder antivax” e classificados para negacionistas
Grupos criados no Telegram entre negacionistas vão desde busca por relacionamentos até dicas de empregos sem exigência de vacinação
atualizado
Compartilhar notícia
“Se você quiser conhecer uma pessoa que não tenha recebido uma injeção experimental, inscreva-se aqui.” Com essa frase, um grupo com 169 integrantes, supostamente solteiros e não vacinados, descreve-se no aplicativo de mensagens Telegram. O intuito do bate-papo é fazer com que pessoas que se recusam a ser vacinadas contra a Covid encontrem um par também não imunizado na internet.
Ali, a condição é ser alguém que não crê na eficácia de nenhum dos imunizantes disponíveis contra a doença. A mesma exigência é feita por outros grupos na rede social que tentam encontrar membros de uma parcela da população comumente conhecida como “negacionistas de vacina”.
Nesse grupo, um bot envia de forma automática uma mensagem que avisa para cada novo membro: “Qualquer postagem vulgar será excluída”. Mensagens com autodescrição pipocam ao longo do histórico da conversa, com características daqueles que procuram por uma companhia.
Com uma imagem do personagem Zé Bonitinho, antigo conhecido na televisão como “perigote das mulheres”, um usuário se descreve, entre outras palavras, como “cristão”, “divorciado” e “não vacinado (prefiro a morte)!”.
Outro usuário vai além e diz que procura alguém para sobreviver a uma “guerra híbrida”. Segundo o rapaz, “está tudo aí acontecendo e ao final, restará cerca de 5% da população. E não se sabe quanto tempo durará”. Ao fim, ele convida: “Bora sobreviver!?”.
Para Juliana Gebrim, psicóloga pela Universidade de Brasília (UnB) e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), essa descrença na ciência e a busca por pessoas que pensam igual fazem parte de dois fenômenos: a paranoia e o efeito manada.
“Dois fenômenos psicológicos estão atrelados. O primeiro é o efeito manada, como um ‘vírus social’: baseado em informações erradas, as pessoas implementam uma série de ‘contágios sociais’ de pseudociências. Sem nenhum embasamento, elas fazem um estrago gigante tentando propagar e alimentar essas ideias erradas”, explica.
“Outro fenômeno é a paranoia: com crenças rígidas, essas pessoas não querem discutir ou enxergar a realidade, é como uma seita, onde só o que importa é aquela ideia e nada do que for dito pode ser ponderado”, conclui.
Emprego para não vacinados
Em outro grupo, a prioridade entre os não vacinados não é encontrar “companheiros”. Esse, com 1.137 participantes, destina-se a ser um “classificado de empregos”. Mensagens com experiências profissionais e vagas circulam no grupo.
A sala de conversação, ao contrário do anterior, não é tão organizada e restrita a um único assunto. Entre mensagens de emprego, há debates sobre a legalidade do passaporte sanitário e dicas de como conseguir driblar a vacinação caso o empregador a exija.
O passaporte da vacina é, entretanto, aprovado pela maioria da população brasileira. Em recente pesquisa divulgada pelo Instituto Datafolha, 81% dos brasileiros aprovam a exigência de comprovante de vacinação contra a Covid-19 para a entrada em estabelecimentos fechados.
Além dos documentos gratuitos, propagandas de serviços advocatícios para consultorias sobre o assunto são frequentes.
O terraplanismo também tem espaço no bate-papo. “A Terra é Plana para nós seres humanos e Oca para os intraterrenos (sic)”, escreve uma usuária.
Segundo Gebrim, pessoas com esse tipo de pensamento não querem ouvir o contraditório, e, caso se sintam isoladas, buscam outros que pensam igual e acabam se isolando em “bolhas” sociais.
“Não adianta entrarmos em discussões com pessoas nessa situação, pois uma das consequências é justamente minar os laços existentes e elas se isolarem em grupos, nessas bolhas de pensamentos. É preciso que, em algum momento, essas pessoas precisem, por conta própria, procurar uma ajuda com psiquiatra ou psicólogo para verificarem os danos que posteriormente terão com esse tipo de comportamento de isolamento de ideias”, conclui Gebrim.
No país, a maior parte da população é adepta da ciência e da imunização. Dados do consórcio de veículos de imprensa mostram que 148.322.143 pessoas estão imunizadas, um total de 68% da população. A dose de reforço já foi aplicada em 38.909.641 pessoas, o que corresponde a 18,11% dos brasileiros.