“Te peço perdão”, escreve Sarí Corte Real à mãe de Miguel, morto aos 5 anos
Patroa de Mirtes Renata, mãe do menino que morreu após cair do 9º andar do prédio onde a mãe trabalhava, escreveu carta
atualizado
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“Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhará também pelo resto da vida. (…) Não há palavras para descrever o sofrimento dessa perda irreparável. Nunca, mas nunca mesmo, pude imaginar que qualquer mal pudesse acontecer a Miguel, muito menos a tragédia que se sucedeu”, escreveu Sarí Corte Real em trechos de uma carta a Mirtes Renata Santana, mãe de Miguel Otávio, 5 anos, que morreu na terça-feira (02/06) após ser deixado sozinho no elevador de serviço, subido ao 9º andar e caído do prédio, de uma altura de 35 metros.
“Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família”, disse Sarí, que empregava Mirtes e Marta, vó do menino Miguel, como empregadas domésticas em sua casa em Recife. O texto foi revelado no início da noite desta sexta-feira (05/06) pelo advogado da mulher, que entregou o texto inicialmente à Globo de Pernambuco.
Sarí Corte Real chegou a ser presa, acusada de homicídio culposo do menino, mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada.
Leia a íntegra da carta de Sarí Corte Real:
“Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família. Não há palavras para descrever o sofrimento dessa perda irreparável. Nunca, mas nunca mesmo, pude imaginar que qualquer mal pudesse acontecer a Miguel, muito menos a tragédia que se sucedeu.
Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhará também pelo resto da vida. Estou sendo condenada pela opinião pública como historicamente outros foram. As redes sociais potencializam o ódio das pessoas. Tenho certeza que a Justiça esclarecerá a verdade.
Na nossa casa sempre sobrou carinho e amor por você, Miguel e Martinha. E assim permanecerá eternamente. Rezo muito para que Deus possa amenizar o seu sofrimento e confortar seu coração.”
Entenda
Nessa quinta-feira (04/06) veio a público o vídeo gravado pela câmera de segurança do elevador onde Miguel ficou sozinho e subiu até o 9º andar. Mas Mirtes só soube da existência do vídeo após o sepultamento do menino. “Quando enterrei o meu filho, eu ainda não tinha visto o vídeo e nem sabia. Eu estranhei a reação da minha irmã no velório, pedi paz e respeito. A Sari e o Serginho [patrão de Mirtes e prefeito de Tamandaré] estavam no velório, eu abracei os dois e a minha mãe também abraçou”, contou.
“Quando recebi o vídeo e vi, aquilo me bateu uma raiva e uma angústia, e liguei para ela para saber o que aconteceu, porque ela não tinha ligado para mim. Quando indaguei ela por que ela apertou o botão da cobertura, por que deixou meu filho ali, ela só respondeu: ‘Eu não apertei o botão da cobertura. Vou provar para você’. Ela pode provar o que for, mas ela deixou o meu filho no elevador”, ressaltou Mirtes.
Somente o fato de Sari ter deixado Miguel sozinho no elevador já foi interpretado como um risco para a criança, na opinião da mãe. Para ela, a primeira-dama deixou o menino em perigo. “Ela não deu resposta [sobre por que deixou Miguel no elevador]. Só disse que ia provar que não apertou o botão. Ela pode provar o que for, mas ela deixou. As imagens são claras, ela deixou o meu filho lá e esperou a porta fechar”, lamentou Mirtes.
“Ela não teve a coragem de segurar a mão do meu filho e tirar ele ali de dentro. Se fosse um filho dela, eu teria tirado. Uma criança inocente e que não tinha noção do perigo. A única coisa que ele queria era a mim, a mãe dele. Ela não teve um pingo de paciência”, desabafou.
Protesto
Convocada por 50 entidades da sociedade civil pernambucana, uma manifestação pedindo por justiça para o menino Miguel Otávio reuniu cerca de mil pessoas na tarde desta sexta-feira (05/06) em Recife.
Apesar da emoção e do clamor para que a primeira-dama de Tamandaré, a 100 km da capital, seja punida, uma ausência foi especialmente sentida: a da mãe de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza.
De acordo com a avó de Miguel, Marta Souza, a filha Mirtes não se sentiu bem e por isso não esteve presente. “Ela não teve condições”, disse. Em frente do edifício onde o neto morreu. ao lado do pai da criança e de duas de suas filhas, Marta agradeceu aos manifestantes e pediu justiça mais uma vez.
O protesto foi marcado por momentos de muita emoção. A concentração ocorreu em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, na Praça da República, em frente ao Palácio do Campo das Princesas – onde despacha o governador Paulo Câmara, do mesmo PSB de Sérgio Hacker, prefeito de Tamandaré e patrão de Mirtes e Marta.
Gente de todas as áreas do Grande Recife marcou presença. De Moreno, cidade natal de Mirtes, veio o líder comunitário Thiago Dias, 24 anos: “Mirtes é uma pessoa excelente. E Miguel um menino cheio de vida. A cidade não está acreditando no que houve. Mais uma criança negra morta pela elite”.
De Chão de Estrelas, bairro popular na Zona Norte do Recife, a autônoma Glauciene Ribeiro, 24, veio com a filha de 5 anos, Ana Clara – da mesma idade do menino morto. “Não podia faltar. Nossas vidas importam”, reforçou ela, com um cartaz com a inscrição “Nós crianças negras queremos viver”.
Cartazes com dizeres similares e palavras de ordem contra o racismo deram o tom da manifestação – acompanhada de perto pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal. Em frente ao prédio onde Miguel morreu, velas, flores e cartazes foram depositados em homenagem ao menino.
Até mesmo moradores do edifício foram às sacadas com bexigas pretas e palavras de apoio à família. O empresário Ângelo Leite representou essas famílias que moram no mesmo prédio onde Miguel morreu. “Somos solidários ao movimento. Não sabemos se foi acidente ou crime, mas a gente sente muito o que aconteceu”, lamentou Leite, salientando que Sari e o marido deixaram o prédio está semana.
Pouco antes de o protesto começar, o pai de Miguel, Inocêncio Francisco da Silva, fizera um desabafo comovente: