Suzano: conheça quem não foi vítima, mas viveu o massacre de perto
Mesmo abalados pela tragédia, funcionários do cemitério local tiveram que trabalhar intensamente para reduzir a dor das famílias
atualizado
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Enviado especial a Suzano (SP) – Alguns rostos no meio da tragédia da Escola Estadual Professor Raul Brasil passaram despercebidos. O administrador do cemitério que socorreu um parente desesperado, a florista que amarrou o buquê ou o coveiro que ajudou no sepultamento. Essas são pessoas que, mesmo abaladas pelo massacre, tiveram que socorrer as aqueles que foram diretamente atingidos.
O Metrópoles reuniu depoimentos de quem viveu com muita proximidade o luto que a tragédia espalhou pela cidade. Eles são personagens que não estão entre as vítimas dos ataques, mas viveram na pele as suas consequências. Fábio, Lúcia e Washington. Mesmo “invisíveis”, foram fundamentais para a recuperação dos moradores de Suzano.
Telefonema
Quando o telefone do administrador do Cemitério Municipal São Sebastião, Fábio Tostes da Luz, tocou, ele não imaginava o drama que se iniciava na cidade distante 50km de São Paulo. “Eu não entendi nada e comecei a procurar notícias para saber o que estava acontecendo”, lembra.
Quando entendeu a situação, imediatamente ligou para florista Lúcia Naomi Ito. Ela trabalha em frente ao cemitério e é esposa do lacrador de sepulturas Washington Rosa da Silva. Todos colegas de trabalho. Fábio queria saber de Lúcia onde os dois filhos dela, Wagner Hiroyuki Ito da Silva, 10 anos, e Wesley Yuiti Ito da Silva, 13, estudavam. Alívio. Eles frequentavam outro colégio.
Muito rapidamente, porém, as notícias sobre vítimas começaram a chegar. “No meio daquela turbulência, me lembrei da minha filha, de 7 anos. Mesmo com a agitação do momento, fui para escola dela. Parecia que não chegava nunca. Quando vi que ela estava bem, dei um abraço. Foi o abraço mais gostoso da minha vida, de alívio e segurança”, diz, em meio a lágrimas.
Após deixar a menina na casa da avó, ele retornou ao trabalho. A partir daquele momento, conviveu com a brutalidade do tiroteio até a última sexta-feira (15/3), quando foi enterrada a última vítima dos atiradores Guilherme Taucci Medeiros, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25. O tormento só diminuiu quando o corpo da funcionária Marilene Umezo foi sepultado.
“Foi muito difícil, desolador. Evitei olhar no olho de cada um dos familiares. Ouvir o som do choro já era muito difícil. Como abordar as famílias para iniciar o sepultamento?”, desabafa. Ele trabalha no cemitério há 23 anos.
Fábio é conhecido em Suzano como Cowboy. As botas, o chapéu e a fivela do cinto renderam o apelido. Ele se acostumou a cumprimentar as pessoas tirando o adereço e segurando na altura do ombro. “É uma forma de homenagear o outro. Aprendi isso com meu avô”, conta. Nos enterros das vítimas do Raul Brasil, Fábio ajudou a carregar os caixões e participou de todas as cerimônias.
“Os piores dias da minha vida”
Os corpos das vítimas chegaram ao Instituto Médico Legal (IML) levados por serviços particulares de funerárias da cidade. O carro oficial do órgão removeu os cadáveres dos atiradores. Um deles, Guilherme, foi enterrado no mesmo local das vítimas, mas em uma cerimônia fechada no início da manhã da última quinta-feira (14). Luiz Henrique, comparsa do adolescente, foi sepultado no município vizinho de Mogi das Cruzes (SP).
Desde as primeiras horas que se seguiram à tragédia, Washington Rosa da Silva trabalhou. Perfurando túmulos, ele corria contra o tempo para acelerar o serviço e tentar diminuir a dor das famílias. No dia dos sepultamentos, ninguém conheceu o rosto do homem, que chorou sozinho.
“Estou vivendo os piores dias da minha vida. Não tem como a gente não ficar triste. Acho que a cidade morreu um pouco junto com essas pessoas. Não vou mentir, eu chorei”, lamenta o homem, que exerce a mesma profissão há 24 anos.
A esposa dele, Lúcia, se preocupa com o futuro. A florista não tem certeza se a cidade vai superar esse sofrimento. “Só quem é mãe consegue sentir a dor que essa tragédia causa. Não tem como não pensar nos nossos filhos. Poderiam ser eles, poderia ter sido a escola deles”, diz.
“Nós vamos mandar as crianças para as escolas, mas quem garante que elas vão ficar bem? Quem nos garante que elas vão voltar [para casa] em segurança?”, cobra.
Veja fotos do enterro de Samuel, uma das vítimas:
Veja fotos dos primeiros sepultamentos e velórios:
Crime e polícia
Segundo as autoridades locais, a chegada da polícia na cena do massacre evitou que os criminosos matassem e ferissem mais gente (23 pessoas foram atendidas em hospitais da região). As investigações apontam que a dupla criminosa planejou o massacre durante um ano.
Imagens captadas por câmeras de segurança da rua onde fica a escola e da entrada da unidade de ensino mostram os criminosos chegando ao local e o ataque às vítimas. Após Guilherme Taucci Medeiros atirar contra alunos e funcionários, Luiz Henrique de Castro atingia com golpes de machado quem já estava no chão.
Quem eram
Os dois responsáveis pelo massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), eram ex-alunos do colégio e usaram armas atípicas para atacar estudantes e funcionários. O crime aconteceu no horário do intervalo, por volta de 9h30, quando os alunos estavam fora das salas. Dez pessoas morreram – incluindo os autores e o tio de um deles, que não estava no colégio).
Os criminosos foram identificados como Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25. O aniversário de Luiz Henrique seria no próximo dia 16, quando ele faria 26 anos. Já Monteiro atingiria a maioridade no dia 5 de julho.
O veículo que foi utilizado no massacre foi roubado da concessionária do tio de Guilherme morto antes de os assassinos irem ao colégio. Tanto o comerciante quanto a dupla de executores foram sepultados nessa quinta (14), em cerimônias reservadas e acompanhadas por poucos familiares.
Veja imagens do massacre em Suzano:
Relatos
Sobreviventes contaram ao Metrópoles terem passado ao lado de corpos de amigos para escaparem da fúria dos criminosos. Um estudante chegou ao hospital mais próximo ainda com o machado usado por Luiz Henrique cravado no ombro. A notícia de que havia algo errado na escola, onde boa parte da população estudou ou tem algum conhecido matriculado, se espalhou rapidamente. Desesperados,familiares também correram para o colégio à procura de suas crianças.
Apelos pela paz
Antes mesmo da divulgação de que outras pessoas poderiam estar envolvidas no crime e circulando pela cidade, o medo de novos ataques já dominava os moradores de Suzano. A comunidade tem se unido em oração – antes dos velórios e sepultamentos, participaram de missa e vigília em frente à Escola Estadual Raul Brasil. Lá deixaram flores, velas e mensagens em honra aos mortos e feridos na tragédia.