STJ tem em mãos andamento de ação criminal contra padre Robson
Ministro Nefi Cordeiro deve analisar mérito de habeas corpus que suspendeu processo contra padre envolvido em escândalo milionário em Goiás
atualizado
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Goiânia – O Superior Tribunal de Justiça (STJ) requisitou informações ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) para julgar o mérito de decisão que suspendeu ação penal contra o padre Robson de Oliveira Pereira, de 46 anos. Outrora figura pop da Igreja Católica, ele é réu no escândalo de suposto desvio de doações milionárias, de fiéis de todo o país, que seriam destinadas à obra da única basílica no mundo dedicada ao Divino Pai Eterno, em Goiás.
Com exclusividade, o Metrópoles teve acesso à decisão do presidente da Sexta Turma do STJ, ministro Nefi Cordeiro, que solicitou informações ao TJGO, no dia 8 de fevereiro. Ele é o mesmo que, em dezembro, concedeu ao pároco, liminarmente, habeas corpus (HC) para barrar o andamento da ação penal.
A manifestação das partes é imprescindível para o ministro prosseguir com o julgamento do mérito do pedido. Com isso, ele poderá manter ou reformar a decisão que, inicialmente, suspendeu o andamento da ação ofertada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) e que foi recebida pela Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa e de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores.
O Ministério Público Federal (MPF) diz que há “elementos suficientes” para destravar a ação penal contra o padre, acusado de suposto desvio de, ao menos, R$ 120 milhões da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), que, segundo o MPGO, tem patrimônio de R$ 3 bilhões. Em liberdade, o religioso continua afastado das missas e da presidência da entidade desde que foi deflagrada, em agosto de 2020, a Operação Vendilhões.
Manifestação exclusiva
Também com exclusividade, o Metrópoles teve acesso à manifestação da subprocuradora-geral da República Solange Mendes de Souza, encaminhada por ela ao STJ, no processo que tramita em sigilo. Ela fez duras críticas ao suposto desvio de doações que deveriam ter sido usadas na construção da nova Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade, conhecida no estado como a capital da fé.
“Na denúncia, ficou claro que há elementos suficientes a proporcionar justa causa à persecução penal porque, segundo narrado, o paciente [padre Robson] e outros utilizaram a Afipe como estrutura para uma verdadeira organização criminosa”, assevera a subprocuradora-geral da República, em sua manifestação.
Souza enviou seu parecer ao STJ, lembrando que, no dia 4 de dezembro de 2020, a presidência do TJGO autorizou a retomada das investigações. Três dias depois, o Ministério Público estadual denunciou o padre e outras 17 pessoas por organização criminosa, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e falsidade ideológica.
Os promotores de Justiça afirmam que o padre comandava uma organização criminosa e transferia grandes valores a empresas, para utilizar o dinheiro de entidades religiosas criadas por ele como se fosse seu, sem prestar contas nem se submeter às regras associativas.
Na época, o então presidente do TJGO, desembargador Walter Carlos Lemes, cassou a decisão da 1ª Câmara Criminal do órgão, que, em outubro, determinou o trancamento das investigações após o colegiado ter entendido, por unanimidade, que os promotores de Justiça não haviam juntado provas dos crimes.
A defesa insiste no argumento de que a Afipe é entidade privada, e seus membros não questionaram qualquer ato praticado pela gestão nem alegaram lesão aos seus interesses. Por isso, acrescentam os advogados, não há que se falar em crime a ser investigado.
“Contornos de impunidade”
No entanto, na avaliação da subprocuradora, “o raciocínio que permite a instrumentalização de associações civis para servirem como organizações criminosas pode dar margem à construção de precedente judicial sensível à atividade investigatória e punitiva do Ministério Público, além de abalar os contornos da impunidade”.
Ela critica, ainda, a decisão da 1ª Câmara Criminal. “As razões recursais conseguem sustentar o frágil juízo do colegiado do Tribunal em torno da inequívoca comprovação da atipicidade da conduta [não existência de crime] sem necessidade de dilação ou reanálise probatória”, destaca.
O imbróglio aumentou ainda mais 10 dias depois de a presidência do Judiciário goiano liberar o mesmo processo. Isso porque, em 14 de dezembro, o desembargador Leobino Valente Chaves voltou a determinar o bloqueio dele. Assim, o Ministério Público, com o intuito de ver a decisão reformada, recorreu ao STJ, mas o ministro negou, em sede liminar, o pedido de reconsideração desta última decisão.
“Decisão escorreita”
Na manifestação, a subprocuradora-geral da República afirmou que a decisão da presidência do TJGO que reverteu a decisão da 1ª Câmara Criminal do TJGO “é escorreita” e deve prevalecer. Por isso, segundo ela, a liminar do ministro do STJ que concedeu habeas corpus deve ser revogada, para que se prossiga a ação penal contra o padre.
Com a manifestação do MPF, o ministro do STJ agora só deverá aguardar as respostas do Judiciário goiano, para determinar, ou não, a liberação da ação penal contra o pároco.
Idas e vindas
O habeas corpus impetrado pela defesa no TJGO, e que está em análise de recurso, foi originariamente distribuído ao desembargador João Waldeck Felix de Sousa, da 2ª Câmara Criminal do órgão. Em seguida, porém, por motivos não divulgados, a peça foi redistribuída ao desembargador Nicomedes Domingos Borges, da 1ª Câmara Criminal.
Na redistribuição, de acordo com a manifestação da subprocuradora-geral da República, Borges recebeu o aviso de que outro magistrado já havia atuado no caso e, por isso, teria prioridade nele. O desembargador, no entanto, desconsiderou essa ressalva e seguiu com o relatório que resultou no primeiro trancamento.
De acordo com a reportagem do Fantástico do último domingo (21/2), padre Robson teria se comprometido, em conversa gravada, a desembolsar R$ 750 mil para que fossem divididos entre três desembargadores, que reverteram em segunda instância uma decisão desfavorável à Afipe em processo relacionado à aquisição de uma fazenda.
“500 (mil reais) para um e o restante para dois”, diz ao padre uma das pessoas gravadas. Um bilhete apreendido pelo MP também identificou uma lista de pessoas às quais a Afipe teria feito pagamento. Um desembargador teria recebido R$ 600 mil.
Outro lado
A defesa do padre reforçou que ele não praticou qualquer crime e apontou a ilegalidade das investigações.
Procurado pelo Metrópoles, o Judiciário goiano não informou se houve, ou não, a redistribuição do habeas corpus entre as câmaras criminais e, em caso positivo, por que isso ocorreu. O órgão apenas disse que não pode se manifestar porque o processo tramita em segredo de Justiça.
Em nota, a presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Patrícia Carrijo, afirma que não há conhecimento por parte do Poder Judiciário de qualquer indício de conduta inadequada oriunda de desembargador.
“A Asmego é contrária a quaisquer prejulgamentos de que sejam alvos desembargadores e reafirma a confiança na conduta e ética com as quais exercem as suas funções”, diz um trecho.
Nessa terça-feira (23/2), o MPF pediu ao STJ para abrir investigação sobre acusações de pagamento de propina a desembargadores do TJGO para favorecer o pároco.