STJ manda soltar homem negro acusado injustamente em 62 processos
Polícia colocou foto do porteiro retirada de suas redes sociais em delegacia do Rio de Janeiro para reconhecimento fotográfico
atualizado
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltar nessa quarta-feira (10/5) o porteiro Paulo Alberto da Silva Costa, 36 anos, que havia sido condenado e apontado como suspeito de outros 61 crimes somente com base no reconhecimento fotográfico.
Fotos dele publicadas nas redes sociais foram coladas no mural da delegacia de Belford Roxo (RJ). A partir daí, com base nessas imagens, as vítimas passaram a apontá-lo como autor de crimes de roubo – sem que houvesse, na fase policial ou em juízo, a realização de diligências ou outras provas que confirmassem a suspeita.
No caso em que foi condenado, inicialmente o criminoso foi descrito pela vítima como “jovem, pardo, com cavanhaque e magro”. Cerca de 15 dias depois, ao participar do reconhecimento fotográfico de um suspeito, a vítima afirma que o criminoso seria “negro, magro, aparentando 1,75 m”.
Apesar de inconsistências nas declarações, o processo tem seguimento, e a Justiça do Rio de Janeiro condena o porteiro à pena de oito anos de reclusão, em regime inicial fechado. Paulo foi preso em março de 2020 e está, atualmente, detido no Complexo de Bangu, na Zona Oeste do Rio.
“Basta a leitura dos processos que a gente vai perceber que o preto pobre é principal alvo da atuação policial. Se pegar mesma situação em região periférica do Rio e no Leblon, o comportamento é diferente. Quando é branco, de melhor condição, há tratamento cuidadoso e quando é preta a violência prepondera”, afirmou o ministro Sebastião Reis.
O colegiado absolveu Paulo da acusação de roubo em um dos processos e determinou que ele seja solto imediatamente, ainda que haja decreto de prisão preventiva ou condenação já transitada em julgado nas demais ações penais. Além da soltura, os STJ determinou a extinção das 62 acusações contra Paulo, a maioria por roubos.
De acordo com o ministro Rogerio Schietti Cruz, a situação do processo é “absolutamente vergonhosa” e revela “desprezo pelo ser humano” em uma ação conduzida a partir de reconhecimento fotográfico feito em total desacordo com as formalidades prevista na lei.
“A mim, particularmente, me envergonha, por ser integrante desse sistema de Justiça – um sistema de moer gente. É uma roda viva de crueldades. Nenhum de nós pode avaliar o que representa três anos dentro de uma cela fétida, insalubre e apinhada de gente, como é a situação desse rapaz”, disse.