STF julga Marco Temporal após Câmara avançar sobre o tema
Está mantido na pauta do STF o julgamento do marco temporal. Povos indígenas pressionam posicionamento contrário ao PL aprovado na Câmara
atualizado
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Diante de acampamento indígena montado na Esplanada dos Ministérios e de forte pressão, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o julgamento do marco temporal para esta quarta-feira (7/6). Está na pauta para apreciação dos ministros o Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365, que trata das demarcações de terras indígenas e teve repercussão geral reconhecida.
Parado na Corte há dois anos, o julgamento do marco temporal ocorre em momento de forte tensão dos povos indígenas com a Câmara dos Deputados. Os parlamentares aprovaram o Projeto de Lei (PL) nº 490 estipulando que apenas as terras originárias ocupadas até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, deverão ser demarcadas.
Os indígenas são contra a aprovação desse texto e iniciaram protesto na segunda-feira (5/6), em Brasília. A promessa é pressionar o Senado Federal e o STF para conseguir resultado diferente. Nesta terça-feira (6/6), a Esplanada dos Ministérios chegou a ser fechada para trânsito de carros devido a uma manifestação de representantes de povos indígenas.
O marco temporal é apontado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) como uma tese anti-indígena, pois a pauta afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Assim, eles já começaram manifestações, fizeram reuniões com ministros do STF e pretendem estar na frente da Corte durante o julgamento, nesta quarta.
A apreciação dos ministros trata, no mérito, de recurso extraordinário envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.
Retomada
O marco temporal começou a ser julgado pela Corte no dia 11 de junho de 2021, mas foi interrompido em setembro daquele ano, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. Agora haverá a retomada, conforme marcado pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber.
Na Corte Suprema, há um encaminhamento, pelo menos até o momento, diferente da Câmara. O relator do caso, ministro Edson Fachin, proferiu seu voto contrário à demarcação do marco temporal. E isso pode mudar tudo e estender o direito dos povos indígenas sobre os territórios.
Reação
Com medo de que a votação no STF interfira nas pretensões do Congresso Nacional, alguns deputados da bancada ruralista e alas da oposição iniciaram alertas contra a apreciação do tema no Judiciário.
Em almoço promovido pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em 30 de maio, o relator do PL 490, deputado Arthur Maia (União-BA), disse esperar que o Supremo retire a ação de pauta depois da sinalização dada pelo Congresso.
“No Estado Democrático de Direito, temos de ter, no exercício dos nossos respectivos poderes, a noção do limite de cada um. O Supremo Tribunal Federal existe constitucionalmente com o propósito de dirimir conflitos no campo do direito constitucional. A nós, deputados e senadores, cabe elaborar as leis. Portanto, é preciso que cada um tenha noção da sua dimensão e do seu quadrado”, defendeu.
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), também mandou recado:
“Estamos falando de áreas urbanas, de municípios que deixariam de existir, caso não haja um marco temporal para se tornar pertencente à terra. É um risco para a soberania do país e temos ponderado isso, inclusive com os ministros do Supremo Tribunal Federal”.
Manobra
Apesar dos recados, a Câmara fez uma manobra para aprovar o marco temporal, com o texto que queriam. A votação no STF foi marcada pela presidente da Corte, ministra Rosa Weber, em 19 de abril. Ciente de que o Judiciário deliberaria sobre o tema, a Câmara votou requerimento de urgência para analisar o PL nº 490/07, em 24 de maio. Em seguida, levou a pauta a plenário e decidiu pela aprovação.
Fazendo frente à bancada ruralista, que tenta exercer pressão contrária à apreciação pelos ministros, uma ala do governo mais alinhada à pauta e entidades de representação indígena veem no Senado e no STF uma esperança.
“O marco temporal para nós é um retrocesso e uma negação dos nossos direitos. Todos os parentes, territórios, aldeias e cidades devem permanecer mobilizados nesse momento tão decisivo para os povos indígenas. A gente sempre fez a nossa luta. Tudo o que conquistamos até hoje foi a partir das mobilizações do movimento indígena e não será agora que vamos recuar. Vamos fazer a nossa voz ecoar em todos os cantos do Brasil e enterrar de vez a tese do marco temporal”, disse a coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena, Val Eloy.
Na última semana, a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, participou de reunião com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar sobre a apreciação do projeto na Casa Alta. Diante do perfil mais conciliador de Pacheco, o governo espera maior diálogo com parlamentares sobre eventuais mudanças no texto no Senado.
“O mais importante é o interesse do povo brasileiro, e os povos indígenas se inserem neste contexto de brasileiros que merecem respeito. Vamos buscar o melhor tratamento para esse projeto”, assegurou o presidente do Senado.
Manifestação
Povos indígenas começaram mobilizações contra o marco temporal em todo o Brasil. As manifestações foram convocadas pela Apib e suas sete organizações regionais com o objetivo de reivindicar a derrubada da tese no STF.
Com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já: Não ao marco temporal!”, as manifestações acontecem até 9 de junho.
Vaivém
Se o Congresso aprovar, de fato, o Projeto de Lei (PL) nº 490, e o Supremo o considerar o marco temporal inconstitucional, pode acontecer de uma lei ser criada, já com o destino de nova análise no STF. Ou seja, se o Congresso aprova, o STF pode ser provocado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para deliberar sobre o tema depois. Assim, ganha-se tempo, pois a lei ficaria em vigor enquanto a Corte não julgar. Tudo no campo hipotético de resultados.