SP: moradores vão à Justiça contra prédio ao lado de praça com nascentes
Construção de edifício de 22 andares, no bairro da Pompeia, ao lado de praça que teria ao menos cinco nascentes, foi parar na Justiça
atualizado
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São Paulo – Quem passa pela Avenida Pompeia, na zona oeste de São Paulo, nota um terreno vazio com tapumes brancos à espera de uma construção. É fácil não perceber que, atrás, está uma praça que guarda nascentes, um lago, uma trilha e mata nativa do Cerrado. Trata-se da Praça Homero Silva, que os moradores da região rebatizaram de Praça da Nascente. O local, um refúgio verde ao lado de uma movimentada via, se tornou alvo de um impasse na Justiça.
Desde o mês passado, a Justiça de São Paulo proibiu qualquer construção no terreno, de propriedade da Exto. A construtora pretende subir um prédio de 22 andares ali. Os vizinhos alegam que o empreendimento é ilegal, por estar a menos de 50 metros de nascentes.
As preocupações com a obra tiveram início em 2014, quando começaram a correr informações de que algumas casas estavam sendo vendidas para dar lugar ao prédio.
Os moradores, então, procuraram o Ministério Público do Estado (MPSP), que iniciou um inquérito civil para apurar eventuais irregularidades. Em agosto deste ano, o MPSP ajuizou uma ação civil pública na Justiça. A construtora, por sua vez, afirma não haver irregularidades e que existe um movimento para impedir novos moradores no bairro.
A arquiteta Luciana Cury, que integra o coletivo Abrace e Ocupe, que atua para preservar o lugar, conta que a revitalização começou em 2013. “A praça estava abandonada, com lixo, mato alto, havia muitos relatos de problemas de insegurança. Então, um grupo resolveu se unir e fazer mutirões”, fala.
Além disso, ela e outros vizinhos se mobilizaram para documentar a existência de nascentes e olhos d’água no ponto. O Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC) comprovou que existem ao menos cinco nascentes no local, além de olhos d’água, todos afluentes do Córrego Água Preta, que corre no subterrâneo de quase toda a Pompeia.
De 2013 para cá, ela e outros moradores têm cobrado a Prefeitura por manutenções, organizado festivais e eventos e realizado campanhas para conscientizar a população.
“Hoje, além de ser uma praça que guarda as nascentes e os olhos d’água, é um lugar afetivo para o bairro, de convivência, de contato com a natureza”, conta. Os ativistas temem que a nova construção desequilibre o ecossistema local e acabe com as fontes d’água – hoje visíveis por qualquer um que visite o pedaço.
O desenrolar do processo
A decisão liminar proferida em agosto trouxe tranquilidade, mas o processo ainda deve demorar. A discussão central é saber se há ou não nascentes na região. Caso a Justiça comprove que há, o prédio não poderá ser erguido.
O promotor de Justiça Luís Roberto Proença, que conduz a ação contra o empreendimento, explica que há laudos com comprovações e que o Código Florestal proíbe a construção de empreendimentos de grande impacto no entorno de 50 metros dessas fontes de água.
Ele explica que, no inquérito civil, foi possível juntar “várias provas a respeito da existência efetiva das nascentes e dos olhos d’água no local”, por meio de documentos, plantas do bairro e mapas antigos.
“Aquela região faz parte do Sumarezinho. Quando foi aprovada na década de 1940, a planta do bairro apontava um córrego saindo da praça Homero Silva. Depois, na década de 1970, tem uma planta da Emplasa [Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano] que mostra este córrego canalizado”, explica.
Além disso, o Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC), que tem como função legal a identificação das nascentes, também registrou cinco nascentes e vários olhos d’água tanto na praça quanto dentro do terreno onde se pretende construir o empreendimento. A presença das nascentes foi constatada ainda por um geógrafo contratado pelo MPSP em visitas técnicas.
Inicialmente, a Prefeitura de São Paulo entendeu que o edifício não está em área de preservação permanente (APP). Isso porque a construtora pediu uma licença comum, que é de competência da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
Com as denúncias de moradores, a análise foi remetida à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. A pasta concluiu que não havia nenhuma necessidade de análise ambiental e devolveu o processo à Secretaria de Licenciamento.
A Exto ainda espera o exame da licença de construção. O local não possui o Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova, o que impede o início das obras, de acordo com a Secretaria de Licenciamento.
Ainda segundo a Secretaria, um pedido de alvará solicitado pela construtora foi indeferido em outubro de 2016 e encontra-se atualmente em reanálise, após solicitação de reconsideração.
O lado da construtora
Procurada, a Exto afirmou que não foi citada na ação judicial do Ministério Público e portanto não tem conhecimento dos fundamentos. Diz ter fez análises técnicas no local, sem constatar presença de nenhuma nascente. A incorporadora destacou que “há diversos empreendimentos já construídos e habitados há anos, o que comprova que não há nascentes e, consequentemente, não há áreas de preservação permanente no local”.
A empresa ainda explicou que jamais construiria qualquer empreendimento sem licenciamento, e criticou “movimentos que têm ganhado força em regiões de alto valor em São Paulo com o único e real efeito de fortalecer a segregação da cidade, impedindo o acesso de tais regiões aos novos moradores e a maior diversidade desses bairros consolidados por antigos moradores”.
A revitalização
A Praça da Nascente, como é chamada pelos vizinhos, é um refúgio verde em meio a uma movimentada avenida. Nela, há um lago, vegetação nativa, equipamentos de ginástica, uma trilha, uma arquibancada e um espaço para fogueira.
Placas instaladas pelos moradores informam a espécie das árvores. Um dos habitantes já conhecidos é um pica-pau de cabeça branca. A jornalista Fernanda Carpegiani, que mora na região e participou de mutirões para revitalizar o local, podar o mato, canalizar cursos d’água e retirar o lixo, acompanhou a reportagem do Metrópoles em uma visita.
Ela conta que, desde que a praça começou a ganhar melhorias, entre 2013 e 2014, tem sido mais ocupada. “Já houve muitos festivais e eventos aqui, como apresentações musicais, de dança. Até casamento já aconteceu”, relembra. O lago traz peixes e girinos que matam o mosquito Aedes Aegypti.
O sonho de Fernanda, de Luciana e de outros moradores é que o empreendimento da Exto seja barrado em definitivo pela Justiça. E que o terreno da incorporadora tenha um fim completamente diferente e seja anexado à Praça das Nascentes. “A praça é um patrimônio que precisa ser protegido, e estamos muito esperançosos”, diz Luciana.