SP: morador salvou a família de deslizamento e viu amigo nos escombros
“Passei os dedos na mão dele e perguntei sobre a família dele. Estava debaixo dele”, relembra sobrevivente de chuvas em Franco da Rocha
atualizado
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Franco da Rocha (SP) – Eram pouco mais de 5h de domingo (30/1) quando Gilberto Santos Nunes, 27 anos, conhecido como “Bahia”, ouviu estrondos e viu as primeiras casas desabarem no Parque Paulista, em Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, que foi castigada por fortes chuvas nos últimos dias.
O morador resgatou sua esposa, que está grávida de sete meses, e seu filho, e os levou a um lugar seguro. Depois, voltou ao local para ajudar no resgate e, desde então, trabalha incessantemente junto aos bombeiros e outros voluntários em busca dos 10 desaparecidos.
“Não é justo eu conhecer a família de todo mundo, só porque eu socorri a minha e não ajudar. Só saio de lá quando for resgatado os demais. Deus falou ‘ama ao próximo como a ti mesmo’. Quando os Bombeiros falaram que não tem mais nada, eu tiro o meu de campo, até lá continuo na luta”, falou ao Metrópoles.
Gilberto ajudou a resgatar vítimas com e sem vida. Crianças e adultos. E também pedaços de corpos. “Eu achei um braço. Os bombeiros acham que ainda vão encontrar muitos corpos picados, porque as casas se misturaram no desabamento”, afirmou.
Ele conta que socorreu uma criança de 12 anos e uma mulher com vida. Mas também foi o responsável por encontrar o corpo de um amigo, o professor de boxe Vitor Silva, de 30 anos, sua esposa e seu filho de dois anos.
“Porta de escape”
Gilberto relembrou que, dias antes do deslizamento, Vitor lhe chamou para fazer uma porta em sua casa, que era ao lado do barranco, para ser “uma porta de escape caso algo acontecesse”. Eles fizeram a porta juntos.
No domingo, por volta das 5h50, Gilberto foi socorrer o amigo nessa mesma porta. “Foi onde ele falou ‘eu estou aqui’. Eu passei os dedos na mão dele ainda, perguntei onde estava a família dele. Ele falou que estava debaixo dele”, relembra.
Mas poucos minutos depois, o barranco desceu mais, e junto a ele, caiu um carro Celta. “Eu não pude socorrer o professor de boxe porque o carro ia cair em cima de mim. Se eu fico, o carro tinha me matado. Foi a hora que ele bateu na viga e prensou a família do professor”, afirmou.
Gilberto deixou o local, e somente na última segunda (31/1) Vitor e a família foram resgatados – com a ajuda do amigo.
“Quando o bombeiro perguntou quem tinha falado com ele pela última vez, fui que fui eu. Ele estava na porta que nós abrimos para rota de fuga. Quando nós entramos na casa da vizinha, a gente marretou a parede eu achei a cabeça dele”, conta.
Casa comprada há um ano
Gilberto também ajudou no resgate de uma menina de 12 anos, que estava viva. Mas sua mãe não teve a mesma sorte e morreu. Ele diz que foi muito difícil lidar com a dor da menina e de outros que perderam seus entes.
“A menina de 12 anos me perguntou: Você pode pegar minha mãe pra mim, você pode socorrer? Você vai encontrar. Salva minha mãe. Vou falar o que pra ela, que ela está lá no último vagão da casa soterrada?”, diz.
Ele morava na rua São Carlos, local onde ocorreram os deslizamentos em Franco da Rocha, há cinco anos. Mas há um ano havia saído do aluguel. E preparava a casa para receber o bebê que está por vir.
“Minha mulher tá grávida de sete meses, tinha acabado de fazer o quartinho do bebê. Não pude pegar nenhuma peça de roupa”, lamenta.
Agora, ele e sua família estão na casa de vizinhos, mas devem procurar um abrigo em breve.