Especialistas alertam sobre risco no abastecimento de água em SP
Cantareira opera com 37,5% da capacidade, nível similar a meses antes da maior crise hídrica da história; interior já tem rodízio de água
atualizado
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São Paulo – Com níveis dos reservatórios mais baixos do que em 2013, fase que antecedeu a maior crise hídrica da história de São Paulo, o estado corre risco de enfrentar nova falta d’água em 2022, ao menos segundo avaliação de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).
Professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Luiz Cortês avalia que o decreto emitido pelo Governo Federal em maio, de situação de emergência hídrica no Paraná, indica que a região metropolitana de São Paulo deve ficar em alerta.
O especialista destaca que boa parte dos rios da região fluem para o Rio Tietê, que é um rio importante da Bacia do Paraná. “Se a Bacia como um todo está em crise, não há porque a gente considerar que não estamos em crise aqui”, assegura.
Da mesma forma, Wagner Ribeiro, geógrafo e professor da USP e do Instituto de Estudos Avançados (IEA), afirma que a situação é “bastante preocupante”, e que “poucas ações foram tomadas desde aquele grave evento até hoje”.
Atualmente, o Sistema Cantareira, o maior da região metropolitana de São Paulo, opera com 37,5% de sua capacidade. O nível é o mesmo de outubro de 2013, poucos meses antes da maior crise hídrica da história de São Paulo, que explodiu em janeiro de 2014.
Ele beneficia cerca de 7,3 milhões de pessoas por dia. Dos sete reservatórios que abastecem a Grande São Paulo, quatro estão com volume menor que 50% da capacidade. Confira:
O Cantareira é o principal manancial da região metropolitana, e, em 2014, no auge da crise hídrica, seu nível foi reduzindo constantemente, até que zerou em julho de 2014. Quando isso ocorreu, foi necessário utilizar as duas cotas do “volume morto” (reservas técnicas) do sistema.
Cortês corrobora o posicionamento da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) de que o abastecimento para este ano está garantido, mas diz que há motivo para se preocupar.
Segundo ele, com o que há de água no reservatório é possível chegar até o fim do ano, mas para manutenção dos níveis é preciso que haja uma recarga dos mananciais a partir da primavera. No entanto, já é certo que o período será mais seco.
O governo paulista descarta uma nova crise de falta d’água, pois a dependência do sistema está menor. Em 2018, foi construído o Sistema São Lourenço, que hoje opera com 54,3% da capacidade. Em julho, o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido, afirmou que o estado “tem um planejamento hídrico que garante o abastecimento de água no estado”.
“O próprio Cantareira já foi totalmente remodelado. Hoje, atende a 7,3 milhões de pessoas, contra 12 milhões em 2014, agora com o abastecimento via São Lourenço, com a transposição da Paraíba do Sul. A Cantareira já tem toda uma outra estrutura que o Alto Tietê e a Billings compensam”, falou.
Em nota ao Metrópoles, a Sabesp ressalta que não há risco de desabastecimento “neste momento” na Região Metropolitana de SP, mas reforça a “necessidade de uso consciente da água por toda a população”.
Falta de chuvas
Ribeiro explica que o mês de agosto é sempre seco, “mas está muito mais seco do que o esperado, e não só agosto, estamos assistindo ao longo do último ano a um volume de chuva bastante reduzido”. Segundo o geógrafo, esse problema tem relação direta com o aquecimento global, com o desmatamento na Amazônia e com o aquecimento dos oceanos.
“Todos estes fatores resultam na redução de pluviosidade, e isso é muito preocupante porque não há outra fonte de água se não essa”, destaca.
Cortês também aponta a sobreposição de fenômenos meteorológicos como causadores da diminuição de chuvas. Um deles é o La Niña, responsável por causar uma forte estiagem no sul do país, o que compromete os níveis dos reservatórios.
“Essa redução das chuvas que vêm da Amazônia não é uma coisa recente, isso vem acontecendo, pelo menos, nos últimos oito anos e tem afetado vários reservatórios e usinas hidrelétricas importantes”, completa. Segundo o docente, esses fenômenos fazem com que o prognóstico que se tem para o segundo semestre seja desfavorável.
Redução de consumo
Apesar de o consumo de água na região metropolitana de São Paulo ser cerca de 12% menor do que era em 2013, ano que antecedeu a última grave crise da região, o sistema ainda está sobrecarregado, de acordo com os especialistas.
Para Ribeiro, São Paulo tem “uma crise sistêmica de falta d’água, porque a oferta de água é aquém da demanda”. Ele destaca que, de 2014 para cá, não se focou na redução do consumo dos grandes usuários, como empresas e fábricas. Isso porque a Sabesp tem um contrato de demanda firme, modelo no qual quanto mais o contratante consome, menor é o valor da tarifa que ele paga.
“É uma política que desestimula a redução do consumo de água dos grandes usuários. E o governo quer que você tome um banho mais rápido, o que é bom, todos têm que colaborar, mas ele continua estimulando este tipo de contrato de demanda firme, que não vai ajudar a combater a crise sistêmica”, opina.
A avaliação de Cortês vai na mesma linha: ele diz que entre 1950 e 2014, São Paulo enfrentou sete crises hídricas, com diferença apenas em suas intensidades. “Só neste século, já estamos indo para a terceira. Isso mostra como esse cenário vem sendo mais recorrente”.
No interior do estado, torneiras vazias
Se na Grande São Paulo a situação é de alerta, no interior do estado a falta d’água já é uma realidade. Em Itu, por exemplo, o racionamento de água foi implementado desde julho. Inicialmente, os moradores ficavam 24 horas com água, e 24 horas sem abastecimento. Mas desde 20 de agosto, já foi ampliado: um dia com água, dois dias sem, de forma revezada entre os bairros.
A região é abastecida por nove reservatórios, e quatro deles operam com 5% da capacidade. Um deles com 10% e outros dois, com 25%. Apenas dois operam de forma confortável, a Bacia do Pirajibu e a Bacia do Mombaça, ambos com 99% da capacidade.
Na crise hídrica de 2014, Itu foi um retrato da falta d’água no estado: no período mais crítico, entre novembro e dezembro daquele ano, moradores chegaram a ficar 15 dias sem água da rede, tendo que comprar água de caminhões-pipa ou ir a outras cidades para conseguir um mínimo abastecimento. Foram ao todo dez meses de racionamento, o maior da história.
A vizinha Salto também enfrenta problemas semelhantes. Em julho, teve início um rodízio de 36 horas com água e 12 horas sem. Mas desde esta semana, o racionamento foi ampliado para 24 horas com abastecimento e 24 horas de interrupção.
A 440 quilômetros da capital, São José do Rio Preto também enfrenta problemas. Por isso, desde maio, implementou o racionamento de água das 13h às 20h, todos os dias.