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A casa da família Xavier, conhecida em Planaltina de Goiás como a “família infectada pela Covid-19”, é um local simpático com os muros pintados de verde. A acolhedora mesa da cozinha, localizada logo perto da sala da residência, já foi palco de momentos muito felizes para Natanailton Xavier, de 46 anos, e seus parentes. Mas hoje, além das lembranças de alegria, ela também guarda uma história devastadora de luto e perdas.
Para o pastor, o Sars-CoV-2 é como um “câncer“, e ele pode falar com propriedade. Xavier perdeu um irmão, de 27 anos, para um tumor maligno e, em menos de um ano, enterrou seis parentes que morrem em decorrência da Covid-19. “Qual é a diferença entre a Covid e o câncer? Nenhuma, os dois fizeram estragos na minha casa”, disse o homem enlutado, que trabalha como motorista para o prefeito da cidade.
Natanailton perdeu pai, mãe, irmã, avô, tia e tio em decorrência da Covid-19. “Estávamos em isolamento, só saíamos para fazer os sepultamentos”, conta. Mesmo assim, eles foram rotulados na cidade como os transmissores do vírus.
O mês que queremos esquecer
Tudo começou em maio de 2020, quando os pais do pastor, Sidinei Xavier, de 69 anos, e Olga Ferreira, de quase 70 anos, contraíram dengue. “Meus pai e minha mãe não saíam de casa porque eram idosos. Mas o Aedes aegypti os picou e eles acabaram pegando a doença. Um dia, meu pai passou muito mal, precisamos levá-lo ao hospital e lá ele pegou a Covid-19”, conta.
Após terem contraído o vírus, Sidnei e Olga voltaram para casa e, nesse meio tempo, Selma Lourenço, de 43 anos, irmã de criação de Natanailton, foi internada com o novo coronavírus. Ela tinha doenças crônicas e acabou não resistindo: veio a óbito em 18 de maio. A família Xavier ainda não sabia que essa seria a primeira de muitas dores trazidas pelo novo vírus.
Dois dias antes da morte da filha, os pais foram internados no hospital, eles já estavam passando mal. “Nós os levamos a Formosa (GO) e lá eles fizeram uma série de exames, no final do dia, meu pai precisou ser intubado, ele já estava muito fraco. Na mesma hora, o plano de saúde trouxe uma UTI móvel para transferi-los para Goiânia”, disse Natanailton.
Irmã de Natanailton, Siomar Xavier conta que a mãe deles estava calma durante a transferência. “Ao chegar no hospital, eles ficaram em leitos um na frente do outro. Ela até brincava e falava para os médicos que meu pai era teimoso e não gostava de tomar os remédios”, relembra.
Uma sucessão de diagnósticos e mortes na família veio nas semanas seguintes. Vitor Ferreira, de 100 anos, o avô de Siomar e Natanailton, estava em casa e começou a se sentir muito mal. “Como ele estava com uma idade bem avançada, decidimos chamar os bombeiros. Meu avô tinha problemas nos rins e estava bem debilitado. Poucos dias depois, ele acabou falecendo, e na causa da morte estava a Covid.”
Dois dias depois, Siomar e Natanaiton perderam o pai, e após 48h a mãe deles faleceu. “Esse baque foi maior”, relembra o pastor. Segundo o relato da irmã, no dia em que o pai morreu, a família foi até Goiânia reconhecer o corpo. Eles tentaram visitar a mãe, mas não conseguiram entrar na unidade de saúde. “O hospital falou que ela estava bem e que iria tirar os remédios aos poucos. Mas ela acabou tendo uma parada cardíaca”, disse a filha.
“Ficamos tentando achar desculpa para a morte, né? Eu mesmo peguei Covid e fiquei muito ruim mesmo, febre de 45 °, falta de ar e até hoje sinto os sintomas”, contou o pastor.
Um mês depois dos pais, a família perdeu dois tios que moravam em Goianésia (GO). “A única coisa que passava pela minha cabeça era: tenho Deus e o controle está nas mãos dele. Só sei que essa doença existe, ela é real e o vírus, desconhecido”, disse.
Para o pastor, o que resta é seguir os passos e os ensinamentos deixados pelos pais. “Não temos forças, dá vontade de pegar uma estrada e sair sem direção. Mas Jesus me ajuda a seguir em frente.”