Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, 90% dos pedidos de medidas protetivas de urgência para meninas e mulheres em situação de violência doméstica foram autorizadas pelo Judiciário. Os dados foram levantados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Instituto Avon e o Consórcio Lei Maria da Penha e divulgados nesta terça-feira (23/8).
De acordo com a análise, apenas 30% dos pedidos foram concedidos dentro do prazo legal de 48 horas. Nos Tribunais de Justiça da Bahia, Ceará e Minas Gerais, aproximadamente 50% das solicitações ficam sem respostas até o limite de urgência.
O nome da lei homenageia Maria da Penha, mulher que sofreu tentativa de feminicídio, em 1983, que a deixou paraplégica. O caso ganhou repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)
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À época, a OEA responsabilizou o Brasil e o acusou de omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres. Além disso, a entidade recomendou que o governo não só punisse o agressor de Maria, como prosseguisse com uma reforma para evitar que casos como esse voltassem a ocorrer
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Em 2002, diante da negligência do Estado, ONGs feministas elaboraram a primeira versão de uma lei de combate à violência doméstica contra a mulher. Somente em 2006, no entanto, a Câmara e o Senado discutiram sobre o caso e aprovaram o texto sobre o crime
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Em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, a legislação visa coibir a violência doméstica contra a mulher, em conformidade com a Constituição Federal
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A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, e o primeiro caso de prisão com base nas novas normas foi a de um homem que tentou estrangular a esposa, no Rio de Janeiro
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A Lei Maria da Penha altera o Código Penal e determina que agressores de mulheres não possam mais ser punidos com penas alternativas, como era usual. O dispositivo legal aumenta o tempo máximo de detenção, de 1 para 3 anos, e estabelece ainda medidas, como a proibição da proximidade com a mulher agredida e os filhos
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No entanto, foi somente em 2012 que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade dessa lei
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Bater em alguém é crime no Brasil desde 1940. Contudo, a Lei Maria da Penha foi criada para olhar com mais rigor para casos que têm mulheres como vítima, na esfera afetiva, familiar e doméstica
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Em outras palavras, a aplicação da Lei Maria da Penha acontece dentro do conceito de vínculo afetivo. O(a) agressor(a) não necessariamente precisa ter relação amorosa com a vítima, já que a lei também se aplica a sogro, sogra, padrasto, madrasta, cunhado, cunhada, filho, filha ou agregados, desde que a vítima seja mulher
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Além disso, não importa se o agressor deixou ou não marcas físicas; um tapa ou até mesmo um beliscão é suficiente para que a ocorrência seja registrada
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Segundo o advogado Newton Valeriano, “não é necessário ter testemunhas”. “Esse tipo de violência ocorre, principalmente, quando não há pessoas por perto. Portanto, a palavra da vítima é o que vale para começar uma investigação. Além disso, o boletim de ocorrência e a medida protetiva não podem ser negados”, disse o especialista
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Apesar do que muitos pensam, a agressão física contra a mulher não é o único tipo de violência que se enquadra na legislação. O artigo 7º da Lei Maria da Penha enumera os crimes tipificados pela norma: violência psicológica, sexual, patrimonial ou moral
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Caracteriza-se como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional e que vise controlar decisões. Além disso, ameaças, constrangimento, humilhação, chantagem, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação
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Caracteriza-se como violência sexual qualquer conduta: que constranja a mulher a presenciar ou participar de relações sexuais não desejadas; que a induza a usar a sexualidade; que a impeça de utilizar contraceptivos; que force uma gravidez ou um aborto; e que limite ou anule o exercício de direitos sexuais e reprodutivos
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Já a violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores, direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer necessidades
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Violência moral é considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria
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Há alguns anos, debates sobre a inclusão de mulheres transexuais na Lei Maria da Penha influenciaram decisões judiciais que garantiram medidas protetivas a elas. Sentenças dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, de Santa Catarina e de Anápolis abriram precedentes para a discussão
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Apesar disso, nas vezes em que foram incluídas, as mulheres trans precisavam ter passado pela cirurgia de redesignação ou alterado o registro civil
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No início de abril de 2022, no entanto, o STJ concedeu, por unanimidade, medidas protetivas por meio da Lei Maria da Penha para uma mulher transexual. Por ser a primeira vez que uma decisão nesse sentido foi tomada por um tribunal superior, a determinação poderá servir de base para que outros processos na Justiça utilizem o mesmo entendimento
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Em outras regiões do país, o volume de processos em atraso é superior a 40%. Por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) têm média superior a 45%.
Perfil das vítimas
Segundo o levantamento, os processos possuem baixas informal~eos sobre a idade das vítimas.
Confira o corte por idade:
30 e 39 anos;
28%, entre 20 e 29 anos;
20%, entre 40 e 49 anos;
15%, com 50 anos ou mais;
8% até 19 anos.
Dos processos sobre medidas protetivas 15,7% são do Rio de Janeiro, 15,6% do Paraná e 13,8% em Minas Gerais.
Quando os processos são avaliados em relação à população feminina, os maiores contornos são no Distrito Federal, com 2.243 processos a cada 100 mil mulheres residentes; seguido pelo Mato Grosso do Sul, com 1.793 e Paraná, com 1.522.
Perfil dos agressores
Já em relação às pessoas que devem cumprir as medidas protetivas,
84,4% são para agressores do sexo masculino;
10,3% são desconhecidos – não houve o preenchimento da informação em sistema -;
5,3% são agressoras do sexo feminino.
O levantamento mostra que a maioria dos agressores, 33%, possuem entre 30 e 39 anos e 26% têm entre 20 e 29 anos.