Setor de games reage a lobby do “04” de Bolsonaro: “Não representa a indústria”
Único filho do presidente Jair Bolsonaro que não ocupa cargo político tem se envolvido no debate sobre e-sports no país
atualizado
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Único filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fora da política, Jair Renan vem se inserindo no governo, mesmo que de forma não oficial, em uma de suas áreas de interesse: os jogos eletrônicos. O estudante de direito de 22 anos, o filho “04” do chefe do Poder Executivo federal, foi recebido pelo secretário especial de Cultura, Mario Frias, para tratar do “futuro do e-sport” no país.
Sem qualquer experiência no ramo dos games que não seja a de jogador, a recepção ao nome de Jair Renan no meio dos profissionais do setor foi ruim. Os esportes cibernéticos são um tema bastante caro a jogadores profissionais e desenvolvedores, que encararam como prova de “desleixo” com o setor a forma como o governo tratou o assunto ao permitir que um dos filhos do presidente, sem atuação reconhecida no meio, encabece tratativas sobre um mercado que só cresce no Brasil e no mundo.
O encontro entre Frias e Renan chegou a ser alvo de críticas na imprensa especializada em jogos e motivou artigos por parte de pessoas ligadas ao cenário competitivo dos e-sports. Profissionais do mundo dos games veem falta de transparência na forma como o assunto é abordado. A começar pelo fato de o encontro entre o secretário e o filho do presidente não constar na agenda da autoridade, bem como pela falta de informações sobre o teor da conversa.
Questionada sobre o encontro a Secretaria Especial da Cultura informou que os e-sports são um dos temas de interesse a serem trabalhados na gestão de Mário Frias para o desenvolvimento de políticas culturais no Brasil. “Com pouco mais de dois meses à frente da pasta, Frias tem reconhecido o crescimento e a importância deste segmento para o país e, principalmente, para o meio cultural”, diz a nota.
Empresária do setor e professora no curso de jogos digitais em duas faculdades na região metropolitana de São Paulo, Érika Caramello vive no meio dos games há 14 anos. Ela critica o fato de especialistas da área não terem sido chamados para a conversa que envolveu Jair Renan e o futuro do esporte cibernético.
“O que a gente lamenta nesse episódio, nessa questão do Renan, é que o governo federal, que tinha um dos motes dele de que seria um governo de especialistas, é chamar o próprio filho para falar no lugar de toda uma indústria, e ele não é um especialista nessa área, não tem vivência, a não ser como jogador. Dentro do cenário, o Renan não representa a indústria de games, a indústria é muito mais complexa”, destacou a professora.
Antes de o pai ser eleito presidente da República, Jair Renan era youtuber e streamer de jogos. Em seu canal no YouTube, falava principalmente de games. No Twitch, fazia transmissão ao vivo de suas partidas de League Of Legends (LoL), um dos jogos mais populares do mundo, que movimenta milhões de dólares em premiações e arrasta uma audiência crescente entre o público jovem. Além de LoL, ele também fazia transmissões de Counter-Strike, famoso jogo de tiro, que também tem competições oficiais ao redor do globo.
O mercado dos e-sports vem se desenvolvendo no Brasil a ponto de times de futebol montarem suas próprias equipes, de vários títulos diferentes. Flamengo, Corinthians, Santos, Cruzeiro e Vasco, entre outros, já investiram em times que competem nos jogos que mais fazem sucesso no mundo, incluindo Fifa, a versão digital do futebol.
Para Érika, o Brasil precisa desenvolver políticas públicas que promovam a valorização e desmistificação dos games, além de melhoria dos serviços e democratização da internet.
“Teve um único aceno do governo federal, que foi diminuir os preços dos consoles [vídeo-games], mas os consoles são consumidos por pessoas de alto poder aquisitivo, de classes sociais mais elevadas. Quando o governo federal reduz esse valor, em momento algum ele está auxiliando nossa indústria”, pontuou, recordando que os games são taxados em 72% e estão classificados como jogos de azar.
Profissionalização dos jogos digitais
Rívia Araújo trabalha na área de tecnologia da informação há 14 anos, e resolveu estudar mais a fundo a profissionalização dos games desde que o filho, de 15 anos, demonstrou o desejo de ser profissional. Além da TI, ela também é especialista em psicologia do esporte, e estuda pedagogia para estabelecer métodos da transição para o jovem que queira se tornar um atleta digital.
Segundo Rívia, a escalação de alguém inexperiente como Renan para tratar de um assunto que envolve toda a indústria mostra o quanto o governo “está por fora” do assunto.
“Por que estão se discutindo políticas públicas? É pra dar suporte, proteção à comunidade? Porque se for isso, primeiro você tem que mergulhar dentro desse universo, conhecer as pessoas para, de fato, ter um posicionamento e uma defesa desse público. Agora, o que de fato eles estavam fazendo lá já gera uma dúvida porque esse assunto entraria lá na questão do Ministério [Secretaria] dos Esportes”, opina a especialista.
Não há, porém, no âmbito da Secretaria de Esporte do governo federal, qualquer programa específico voltado para os e-sports. Pelo atual regramento dos benefícios concedidos a desportistas, não entram os profissionais de alto rendimento dos jogos digitais.