PDV é criticado por servidores que aderiram ao programa nos anos 1990
Iniciativa confirmada na MP editada por Temer foi motivo de frustração no governo FHC. Grupo tenta até hoje voltar ao serviço público
atualizado
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O presidente Michel Temer (PMDB) assinou, na noite de quarta-feira (26/7), a medida provisória do novo programa de demissão voluntária (PDV) para servidores do Poder Executivo federal. Na tentativa de conter gastos, o peemedebista quer convencer 5 mil funcionários a deixarem a administração pública. O número é o mesmo da última vez em que o Planalto lançou mão do expediente, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) comandava o país na década de 1990. Mas se os trabalhadores atuais consultarem a opinião de quem aderiu à iniciativa naquela época, o susto vai ser grande.
Servidora do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) durante 27 anos, Elaine Maria aderiu ao programa em 1999. O principal atrativo para tomar a decisão foi a promessa de empréstimos a juros baixos no Banco do Brasil e oferta de cursos profissionalizantes no Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Seria a oportunidade para abrir um negócio e cuidar da filha especial, que, à época, estava “virando mocinha” e precisava de atenção extra da mãe, segundo conta Elaine.A sigla PDV causa arrepios em centenas de pessoas que perderam tudo após acreditar na promessa de que teriam crédito para buscar novos horizontes profissionais. Esse grupo até hoje briga na Justiça para voltar aos quadros da administração pública. Hoje, os ex-funcionários criticam os planos de Temer e têm opinião amparada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF) e por economistas.
Os planos da ex-servidora pública foram frustrados quando ela tentou contrair um empréstimo. “Apesar de terem falado que os ‘pdvistas’ teriam facilidades, fui informada de que não poderia pegar o dinheiro porque não tinha emprego e não conseguiria pagá-lo de volta”, lembra. Elaine também diz não ter recebido os incentivos prometidos para abrir o próprio negócio. A mulher, que recebia R$ 14 mil de salário no Serpro, acabou se aposentando e recebe pouco mais de R$ 3 mil mensais.
Saí do serviço público acreditando no programa, pois queria cuidar da minha filha. Mas acabei ficando desempregada, com o meu salário 70% menor e sem conseguir outro emprego
Elaine Maria, ex-servidora do Serpro
Do Ministério dos Transportes a motorista de ônibus
O sentimento do piauiense Francisco Aleixo Quirino de Sousa (foto em destaque), ex-servidor do Ministério dos Transportes, também é de arrependimento por ter aderido à demissão voluntária. Ele entrou na primeira leva do programa, em 1996, após 11 anos no serviço público.
Francisco lembra que ficou entusiasmado no começo, mas a euforia rapidamente foi embora. “O governo acenou com ajuda em empréstimos e no Sebrae para orientar na abertura de um negócio, mas depois que o PDV foi finalizado nem os telefones indicados por eles atendiam mais. Nos deixaram à deriva.”
Depois que saiu do ministério, Francisco Aleixo diz ter enfrentado inúmeras dificuldades. “Consegui emprego como motorista de ônibus, mas tive um problema na coluna e, ao fazer vários exames, fui diagnosticado como inapto para o serviço. Com isso, veio a idade e não consegui mais trabalhar. Hoje tento a aposentadoria”, conta.
Aos 65 anos, Francisco diz que, se pudesse, usaria um caminhão para anunciar aos servidores que eles não devem aderir ao PDV.
Me arrependo demais de ter feito isso. Hoje me sinto amargurado e tenho uma grande frustração quando passo pela Esplanada dos Ministérios. Não quero que outras pessoas façam o que fiz. Caí em uma furada
Francisco Aleixo, ex-servidor do Ministério dos Transportes
Discussão no Congresso
Assim como Elaine e Francisco, outros 700 ex-servidores públicos que aderiram ao programa na gestão FHC tentam reverter a situação. O grupo integra uma comissão no Sindicato dos Servidores Públicos Federais do DF criada para ajudar a reincorporar os ex-servidores ao serviço público. A esperança deles está no Projeto de Lei n° 4.293, que está na Câmara dos Deputados desde 2008.
A proposta concede “anistia aos ex-servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, exonerados em virtude de adesão, a partir de 21 de novembro de 1996, a programas de desligamento voluntário”. O projeto, no entanto, ainda tramita nas comissões da Casa. Outras propostas semelhantes estão na Câmara e no Senado Federal. Agora, os temas voltam à pauta.
Com o anúncio do novo programa incentivado pelo governo de Michel Temer, o Sindsep pretende fazer uma campanha para evitar adesão às demissões. “A maior parte das pessoas que entraram no plano de demissão no governo de FHC se arrependeu. Agora não vai ser diferente. Isso é uma arapuca. A preocupação deve ser sobre a necessidade de contratação, não de demissão”, diz o secretário-geral do sindicato, Oton Pereira Neves.
Especialista vê clima de desconfiança
O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli não acredita que o programa terá adesão suficiente para refletir uma melhora nos cofres federais. “O clima de desconfiança é muito grande e há uma fraqueza do governo sobre a capacidade de honrar os compromissos. O PDV foi anunciado como um grande programa quando, na verdade, é algo sem relevância”, avalia.
Para Piscitelli, os servidores dificilmente vão se arriscar a largar o emprego no atual cenário econômico enfrentado pelo país. “Há uma atmosfera de insegurança e falta de perspectivas. Por que as pessoas entrariam no programa e migrariam para a iniciativa privada com tanto desemprego? A adesão vai ser mínima. Logo, o impacto na economia também será muito pequeno”, resume.
Medida provisória
O detalhamento do PDV foi confirmado na noite de quarta (26), quando Temer assinou a medida provisória do programa. Segundo o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, o governo espera adesão de 5 mil funcionários e uma economia de R$ 1 bilhão por ano com a iniciativa.
No caso do desligamento voluntário, o governo propõe oferecer uma indenização correspondente a 125% da remuneração do servidor, na data de desligamento, multiplicada pelo número de anos de efetivo exercício. A forma de pagamento será definida pelo Ministério do Planejamento e poderá ser feita de uma só vez ou em parcelas. Os valores recebidos não terão tributações do INSS e do Imposto de Renda.
Redução de jornada
O programa também prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho — de 8 horas diárias e 40 semanais para 6 ou 4 horas diárias e 30 ou 20 horas semanais, respectivamente — com remuneração proporcional.
Como incentivo à redução da jornada, o governo oferece o pagamento adicional correspondente à meia hora diária. O servidor que trabalhar em horário reduzido poderá, no período em que não estiver a serviço da administração pública, exercer outra atividade, pública ou privada, desde que não haja conflito de interesses entre as duas funções.
Licença sem remuneração
Outra possibilidade aberta pelo governo é a licença incentivada sem remuneração. Nesse caso, o servidor se afasta por até três anos, prorrogáveis, por igual período e recebe um valor correspondente a três vezes seu salário. O prolongamento do tempo de licença poderá ser a pedido do servidor ou por interesse do serviço público.