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Dados sigilosos: programa do governo federal expõe até agentes secretos

Clube de descontos disponibilizado pelo Ministério da Economia a empresas dá acesso a dados sensíveis de todos os servidores federais

atualizado

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Proposto como alternativa à política do atual governo, de não conceder reajuste a servidores, o Clube de Descontos criado pelo ministério da Economia nasceu envolto em polêmicas. Desde o início, o projeto foi questionado junto às autoridades quanto à sua capacidade de resguardar informações sigilosas dos supostos beneficiados pelo programa: 1,2 milhão de pessoas.

Denúncias chegaram ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União (TCU). E até mesmo o responsável pelo projeto, o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal da Economia, Wagner Lenhart, foi convocado a prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados. Ele era defensor do programa e sempre repetiu o mantra de que os dados seriam preservados.

“Estamos seguros de que não haverá qualquer tipo de problema”, disse o secretário em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo no dia 10 de dezembro. “Estamos muito tranquilos em relação a esses questionamentos”, enfatizou.

Uma vez criado, porém, o “clube” não revelou apenas aqueles dados que Lenhart tinha prometido resguardar. Foi além. O sistema criado, ao qual têm acesso cinco empresas classificadas para gerenciar compras para servidores, revela informações consideradas ultrassigilosas, como o local onde estão infiltrados agentes secretos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), policiais federais e detalhes do trabalho de policiais rodoviários federais responsáveis por combater o tráfico de drogas nas estradas.

O Metrópoles teve acesso, de forma exclusiva, a essas falhas de segurança que desrespeitam, além do servidor, o edital – e colocam em risco a própria segurança nacional –, por meio de uma denúncia feita ao TCU na última quinta-feira (06/02/2020).

A tela abaixo, extraída do sistema do Clube de Descontos por meio da pesquisa pelo CPF de um servidor da Abin, mostra que ele está lotado na Universidade de Brasília (UnB). O cargo registrado é o de vigilante, um serviço desempenhado cotidianamente por funcionários de empresas terceirizadas. Os dados que poderiam identificá-lo foram omitidos pela reportagem.

Reprodução/API Clube de Descontos

Uma outra imagem mostra a quantidade de dados expostos pelo sistema do Clube de Descontos. De novo, trata-se de um servidor da Abin. Ele é agente de inteligência, o popular agente secreto, e tem informados seu número do Siape, posto, cargo e setor onde trabalha, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesp), responsável por criar a criptografia das comunicações sigilosas do Estado brasileiro.

Reprodução/API Clube de Descontos do Ministério da Economia

Em mais dois exemplos, o sistema disponibilizado pelo Ministério da Economia informa dados como o Estado onde trabalha um servidor da Polícia Rodoviária Federal, o nome de seu chefe e até o local do posto de trabalho. Dados como esses podem revelar a estrutura das operações e comprometer eventuais ações, sobretudo se caírem nas mãos do crime organizado. As informações sensíveis foram omitidas pela reportagem mais uma vez.

Na segunda tela, são mostradas as mesmas informações sobre um servidor da Polícia Federal e até o órgão para o qual ele está cedido, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça.

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Reprodução/API Clube de Descontos
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Reprodução/API Clube de Descontos

Os dados expostos são muito mais amplos do que os contidos no canal oficial de consulta de informações de servidores, o Portal da Transparência. Nele, só é possível ter acesso à cidade na qual o servidor está lotado, sua data de ingresso no serviço público, o salário bruto e as viagens realizadas a serviço.

Promessa de Segurança
O compromisso do Ministério da Economia era que o sistema do Clube de Descontos forneceria apenas informações básicas quando as empresas pesquisassem um CPF: se a pessoa é ou não servidora, aposentada ou pensionista do serviço público federal.

“Garantimos que nenhuma empresa terá acesso à base de dados pessoais, será uma escolha do servidor se inscrever nos clubes credenciados, assim como ocorre em um cadastro on-line de site de compras”, disse a diretora do Departamento de Remuneração e Benefícios do ministério, Ana Carolina Dal Ben, em entrevista ao Portal do Servidor, um site do governo federal, no último dia 10 de dezembro.

O Clube de Descontos do Ministério da Economia tem sido, como o Metrópoles revelou, alvo de procedimentos no TCU desde que o edital foi lançado, em agosto do ano passado, justamente por causa da preocupação com a segurança dos dados de mais de 1 milhão de pessoas. Em todas as oportunidades, porém, a pasta negou que o perigo de vazamento existisse.

Nicho de vendas
As empresas selecionadas pelo Ministério da Economia para oferecer descontos aos servidores ativos e inativos, além de pensionistas, ganharam a oportunidade de oferecer serviços a um dos segmentos com maior poder aquisitivo da sociedade. No próprio edital divulgado pela pasta, há um gráfico mostrando que mais de um quarto dos funcionários públicos federais recebe salário superior a R$ 13 mil. Veja:

Reprodução/DOU

O enorme poder de compra dos servidores – em 2019, a União pagou R$ 319 bilhões em salários – é o atrativo oferecido pelo governo a essas empresas. Não está previsto que o governo ou os servidores paguem qualquer quantia para participar do Clube de Descontos – tampouco que forneçam dados sigilosos como parte do desconto financeiro.

O programa
O serviço formulado pela pasta de Paulo Guedes tem como objetivo oferecer vantagens aos servidores na compra de viagens, hospedagem, alimentação, serviços de saúde e educação. O chamamento, cujo resultado foi divulgado em dezembro passado, selecionou cinco empresas – de 10 que se candidataram – para anunciar ofertas a toda folha de pagamento do governo federal. Segundo o Ministério da Economia, a previsão é que o clube seja aberto oficialmente no próximo dia 19 de abril.

O Edital nº 03/2019 do Ministério da Economia determina que “não haverá repasse, pela APF [Administração Pública Federal], de informações pessoais de servidores públicos, aposentados ou pensionistas;”, mas o sistema informa não só dados pessoais (como o número de registro no Siape), mas até informações que podem comprometer a segurança de pessoas e missões.

Sem resposta
O Metrópoles entrou em contato com o Ministério da Economia para questionar as falhas de segurança no sistema do Clube de Descontos. A pasta não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço continua aberto.

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