Serrana aposta em expansão da economia após vacinação em massa
Com baixa empregabilidade já antes da pandemia, Serrana lança programa de atração de empresas com apelo da queda de casos e mortes por Covid
atualizado
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Serrana (SP) – No início de abril deste ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou investir em vacinação contra a Covid-19 para recuperar a economia. O Monitor Fiscal de 2021 da entidade afirma: “A vacinação paga a si mesma e proporciona uma excelente valia”.
O documento estava em sintonia com estudos do Federal Reserve (Fed, o banco central do EUA), que já recomendavam intervenções como o lockdown para uma recuperação econômica mais rápida no fim de março de 2020.
Serrana, em São Paulo, a cidade escolhida pelo Instituto Butantan para o Projeto Sm que promoveu uma vacinação em massa no município para analisar a efetividade da vacina Coronavac em salvar vidas, está também tendo a oportunidade de descobrir se os estudos serão comprovados.
Serrana é uma cidade da região metropolitana de Ribeirão Preto e tem 45.644 mil habitantes, dos quais 27.150 foram vacinados pelo Projeto S. Somando as pessoas que foram vacinadas pelos programas públicos de vacinação, a taxa de imunização geral na cidade é de 65,3%, o que torna Serrana o município mais vacinado do estado de São Paulo neste momento.
Em breve, acadêmicos poderão analisar se a vacina também vai salvar empregos na cidade mais vacinada de São Paulo até o momento.
Projeto D
“Nossa preocupação, e a de vocês [imprensa], já já vai deixar de ser saldo de óbitos para ser saldo de vagas”, afirma Guilherme Montanari. No papel, ele é “assistente técnico do gabinete da prefeitura de Serrana”; na prática, é o principal interlocutor entre o governo municipal e empresas que formalmente estão interessadas em se instalar em Serrana.
Segundo Montanari, 27 empresas já visitaram a sua mesa lhe trazendo relatórios (e muitos brindes) com estimativas de receita e de geração de empregos diretos e indiretos. O técnico recebeu o Metrópoles logo após uma reunião com uma empresa de logística, com faturamento anual em torno de R$ 260 milhões e um plano para se instalar na cidade e gerar ao menos 150 empregos diretos.
As firmas estão de olho em uma mão de obra que tem menos chances de ficar doente, mas também nos incentivos fiscais oferecidos pela prefeitura.
“A prefeitura aproveitou a visibilidade do Projeto S para chamar a atenção para outros recursos que a cidade oferece e lançamos o Projeto D”, diz Montanari, explicando que o D é de desenvolvimento.
O projeto é estruturado em 7 eixos, dos quais quatro correspondem a distritos industriais. O Distrito 1 já existe e será expandido, outros dois serão implantados e um terreno na entrada se tornará um centro misto, com indústria e comércio.
Os outros três eixos giram em torno de formação de mão de obra, criação de uma incubadora de empresas e de um Fundo Municipal de Desenvolvimento, que atuará em conjunto com bancos públicos para promover crédito.
Os demais recursos da cidade? As pessoas dispostas a trabalhar, a infraestrutura hospitalar, a proximidade com o aeroporto de Ribeirão Preto, o esgoto tratado e a malha rodoviária.
“Daqui a pouco, e isso vai acontecer, eu tenho fé, não vai ser apenas Serrana que será uma cidade vacinada. O que queremos mostrar com o Projeto D é que Serrana não foi escolhida ao acaso, é uma cidade muito organizada”, diz Montanari.
O sonho dos gestores serranenses é o de minimizar a dependência de Serrana em relação a Ribeirão Preto e diversificar o parque industrial da cidade.
Estima-se que entre 10 a 15 mil serranenses (dos atuais 45,6 mil habitantes) todos os dias vão trabalhar e estudar em Ribeirão Preto. “O vale-refeição fica lá, o valor agregado pela nossa mão de obra fica lá, receitas fiscais ficam lá, uma eventual comprinha fica lá”, diz o presidente da Associação Comercial e Industrial de Serrana (ACI), Guinaldo Donizeti Cavalheiro, que finaliza: “Eu não suporto essa expressão ‘cidade-dormitório'”.
Cavalheiro espera que, com o Projeto D, a cidade abra mais espaço principalmente para uma mão de obra específica: a das mulheres. “Boa parte dos serranenses que pegam o ônibus são mulheres que vão trabalhar em Ribeirão em atividades domésticas. É uma mão de obra pouco aproveitada, porque elas têm uma ótima formação.”
Por muito tempo, a economia de Serrana esteve atrelada à indústria de processamento da cana de açúcar, seja para a produção alimentícia, seja para a produção de etanol. A cidade é quase uma ilha cercada de cana por todos os lados.
Com o Projeto D, a cidade mira na indústria metalúrgica e de fertilizantes, e na área de logística. No entanto, a vacinação trouxe setores inesperados, caso da área têxtil (panos de higienização e limpeza) e da produção de EPIs (equipamentos de proteção individual).
Saldo de empregos
“A pandemia foi ruim, mas antes não estava bom, não”, conta Valdemar Martins, de 73 anos, que há oito anos possui uma pequena loja de itens de papelaria, doces mineiros e quinquilharias que a criançada gosta. “O comércio já vinha fraco, até porque o pessoal já tava mal de emprego ali por 2016”, estipula.
Segundo os dados mais recentes do IBGE (de 2018), Serrana não apresenta bons índices de empregabilidade. Em 2018, a cidade tinha apenas 17,5% da população ocupada. Eram 7.811 pessoas com algum trabalho, 6.478 delas (83%) com carteira assinada. No entanto, com uma remuneração acima da média de outro municípios paulistas: três salários mínimos.
Para comparação, Cravinhos, uma cidade vizinha de porte equivalente (35 mil habitantes), em 2018, apresentava 29,4% da população ocupada.
Segundo dados de 2020 do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a pandemia promoveu uma onda de desligamentos, que em uma cidade pequena adquirem contornos dramáticos (ver tabela abaixo). Em novembro, a cidade chegou a perder 400 vagas – uma queda de 6,4% da força total de trabalho em um mês. A recuperação, ao menos, ocorreu rapidamente.
Saldo de empregos de Serrana entre janeiro de 2020 e março de 2021
“O que salvou o comércio foram a safra e o auxílio emergencial”, afirma Valdemar, que diz não concordar com a estratégia. “O dinheiro era muito pouco, melhor do que nada, mas era para o básico do pessoal. Isso de fechar tudo eu não sei se funciona. Mas a vacina funciona”, diz ele, afirmando que foi o “vacinado nº 10” de sua região.
Atualmente a cidade conta 6.512 assalariados e um saldo acumulado de 136 empregos no ano. Segundo Guinaldo Cavalheiro, da Associação Comercial, estes empregos vieram com a safra de cana. “Mas os emprego de safra são temporários. Espero que as indústrias tragam empregos permanentes.”
A prefeitura espera que o Projeto D atraia ao menos 500 empregos até o fim do ano. A parceria com as primeiras empresas beneficiadas com o programa será divulgada até o fim do mês.