Semana com 4 dias de trabalho é viável para a economia brasileira?
Para especialistas, implementar a semana com 4 dias de trabalho no Brasil depende de incentivos fiscais e redução de encargos trabalhistas
atualizado
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A ideia de redução de um dia na jornada de trabalho parece muito postiva para a classe trabalhadora do Brasil, que pode ganhar mais tempo para cuidar da saúde mental, praticar esportes, ter hobbies e se dedicar a outras tarefas. Mas será que a economia irá suportar, de fato, um dia a menos de trabalho na semana, como apostou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho? Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que esse modelo exigiria adaptações nas leis trabalhistas e fiscais.
Para esses especialistas, a implementação de uma jornada de quatro dias no Brasil depende da “tradução” da proposta desenvolvida em outros países, como o Reino Unido, para a realidade brasileira, com redução de encargos trabalhistas e oferta de incentivos fiscais para empresas que aderirem ao modelo.
Apesar do debate ser recente no Brasil, o tema não é novidade entre outras economias mundiais mais desenvolvidas. Em países como o Japão, Nova Zelândia, Reino Unido e Austrália, a semana de quatro dias de trabalho e três de folga é a realidade de milhares de funcionários de pequenas, médias e grandes empresas.
Semana de 4 dias ainda é “balão de ensaio” do governo
O economista e professor César Bergo entende que a proposta de implementar uma jornada de trabalho de quatro dias não passa de um “balão de ensaio” — jargão que caracteriza informação vazada de propósito para coletar de antemão efeitos de uma determinada medida — do ministro do Trabalho para estabelecer mais um objetivo do governo.
“Como ministro, ele pode até dizer isso. Porque ele quer colocar um objetivo, mas acho que existem outras alternativas que são mais viáveis do que simplesmente reduzir a jornada de trabalho. Antes de falar em reduzir jornada de trabalho, tem que se falar em reduzir os encargos trabalhistas”, avalia Bergo.
O especialista vê com bons olhos a proposta, principalmente, porque o modelo baseia-se na questão de preservação da saúde mental dos trabalhadores, dando mais um dia de descanso. No momento, porém, Bergo avalia que não há condições de implementação da ideia.
“Quando o ministro coloca que o Brasil consegue fazer, não tenha dúvida: poder, pode. Agora, isso tem impactos econômicos. Quando ele comenta sobre isso é mais no sentido de colocar um objetivo, não quer dizer que tenha condições de implementar de imediato”, pontua o economista.
Para ele, o discurso do ministro Luiz Marinho segue um olhar mais “sindicalista” e não observa bem o cenário econômico. “O governo precisa oferecer condições para o empresário aderir a essa ideia”, afirma.
Segundo o economista Alex Agostini, além de anunciar a possibilidade de implementar essa medida, o governo precisa mostrar como está preparado para abarcar tais mudanças na jornada de trabalho brasileira, pois “há uma despesa muito elevada com encargos trabalhistas” no país.
Alex frisa que é necessário o ministro explicar como o Brasil pode implementar esse modelo. “[Luiz Marinho] Ele alega que o Brasil está preparado, mas ele tem que mostrar que o governo também está preparado por meio de uma legislação, mas isso não existe hoje. Então, não dá para confirmar que suportaria. Mas é um debate amplo, que vem de longa data”, declara.
“O governo está preparado para reduzir, por exemplo, os encargos sobre as folhas de pagamento?”, questiona o economista. “Porque a gente vê um governo preparando uma reforma tributária para tentar fechar as contas de 2024”, prossegue Agostini.
Incentivos fiscais podem convencer empresas
De acordo com Alex Agostini, o governo poderia oferecer uma compensação tributária às empresas que adotarem o modelo de quatro dias de trabalho e, assim, estimular a implementação do modelo e mitigar possíveis gastos.
“Se você não reduz o salário, naturalmente, está pagando por mais um dia de descanso do funcionário. Isso, obviamente, tem suas compensações porque a empresa também vai ter menos despesas com água, luz, café, entre outros materiais”, avalia ele.
Alex também recomenda que o modelo da semana de quatro dias seja desenvolvido pela pasta do Trabalho e Emprego em conjunto com empresas e entidades sindicalistas. Ele defende a presença dos sindicatos, porque, na opinião dele, a ausência deles na formulação de projetos na área trabalhista “é um grande problema no Brasil”.
Na mesma linha de Alex, César reforça que, atualmente, não há condições que estimulem empresas a participarem desse modelo de jornada de trabalho reduzida: “Os encargos e impostos são muito elevados no país, tanto que tem uma briga para a desoneração da folha, onde só alguns setores são desonerados. Então, é muito complicado”.
Semana de 4 dias: tendência mundial
A economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni afirma que o processo de redução da carga horária é uma tendência mundial. Ela ressalta que essa tendência vem acompanhada da “consciência de que o trabalho faz parte da vida das pessoas, mas não é a vida delas”.
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“Todos esses exemplos de países apresentaram resultados positivos. No Japão, por exemplo, a Microsoft fez um experimento de semana de quatro dias, em 2019, e percebeu aumento de produtividade em 40% dos funcionários que participaram da pesquisa. É um modelo muito interessante”, afirma.
Alex Agostini acredita que a pandemia teve um impacto significativo nessa mudança de perspectiva em relação às condições de trabalho, além da onda de “globalização cultural e financeira que move o mundo, de forma muito rápida, para uma integração cultural”. Ele projeta que, daqui para frente, teremos uma mudança ligada ao desenvolvimento da sociedade mundial e no Brasil não será diferente: “Não é uma questão de novo normal”.
“Presos” em um modelo do século 19
Carla Beni avalia que ainda estamos “presos”, no Brasil, em um modelo de trabalho do século 19: “É um modelo muito antigo de trabalho de cinco dias na semana, que, na verdade, já foi incorporando um sexto dia. Isso porque o sábado virou um dia ‘normal’ de traballho, dependendo do segmento”.
“Precisamos atualizar essa diferença de carga desse capitalismo excessivo, que detém uma semana de cinco dias, onde já se trabalha seis. Então, essa é uma construção que precisa mudar”, defende a professora da FGV.
Com uma possível atualização dessa carga horária de trabalho, o país poderia notar impactos nas áreas ambiental, social e corporativa, avalia a pesquisadora, com redução de trânsito e poluição, e impactos positivos na saúde mental.
Entenda o modelo da “semana de quatro dias”
A partir de novembro, a jornada de trabalho composta por quatro dias da semana será testada no Brasil. Com duração de seis meses, o piloto será realizado pela Reconnect Happiness at Work em parceria com a 4 Day Week Global e Boston College.
Seguindo o princípio do 100-80-100™, 20 empresas brasileiras vão participar dos testes. O esquema 100-80-100 consiste na redução do expediente semanal, que passa de 40 horas para 32 horas, sem alteração na remuneração e com projeção de produtividade máxima entre os funcionários em dias trabalhados.
Veja infográfico abaixo:
Ao final do período de testes, cada companhia poderá decidir se segue no esquema reduzido ou não. De acordo com resultados dos testes em outros países, empresas que fizeram a transição para uma semana de trabalho de 4 dias notaram “aumentos na produtividade, maior atração e retenção de talentos, envolvimento mais profundo do cliente e melhor saúde, bem-estar e felicidade dos colaboradores”.
“A jornada de 4 dias será uma revolução no mundo do trabalho, possibilitando mudanças em nossa forma de atuarmos, de forma mais produtiva e mais saudável”, prevê a 4 Day Week Brasil.