Sem remédio: área do TCU recomenda suspensão de contrato de R$ 87 mi
Após reportagem do Metrópoles, auditoria do TCU sugere que tribunal determine a suspensão de contrato para fornecimento de imunoglobulina
atualizado
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A área especializada em auditoria em saúde do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que o órgão determine a suspensão de um contrato do Ministério da Saúde de R$ 87 milhões para compra de 90 mil frascos de imunoglobulina. O contrato em questão foi firmado em abril com a empresa Prime Pharma LLC, dos Emirados Árabes, representada pela brasileira Farma Medical.
A orientação foi assinada na tarde da última quinta-feira (28), depois que o Metrópoles mostrou que o ministério firmou o contrato com dispensa de licitação em abril, alegando urgência, e até hoje não recebeu um frasco do medicamento. A sugestão será agora analisada pelo relator da representação, o ministro Vital do Rêgo.
A previsão de chegada da última parcela seria no sábado (30/9), e a vigência do contrato vai até o dia 14 de outubro. Como nada foi entregue, nenhum valor foi pago pelo governo à empresa. Apesar do problema, o ministério ressalta que não há falta de medicamento. Isso porque há um outro contrato, ainda vigente, em que as remessas de imunoglobulina estão sendo entregues desde junho (leia mais abaixo).
A área técnica propôs também que o tribunal determine que o ministério adote “as medidas estritamente necessárias para garantir o estoque e o fornecimento da imunoglobulina”, com outro contrato emergencial, por exemplo, e que seja realizada uma oitiva do ministério e da Prime Pharma.
A orientação é, ainda, que a pasta encaminhe comprovação de que adotou as medidas cabíveis para fornecimento dos medicamentos e de que adotou providências para sancionar a empresa diante do descumprimento do contrato.
O ministério ressalta, por sua vez, que já havia notificado a Prime Pharma, representada pela Farma Medical, pelo não cumprimento dos prazos e da entrega, e que a “notificação é uma etapa necessária do procedimento administrativo para a suspensão do contrato”.
A pasta explicou, ainda, que vem acatando e cumprindo todas as determinações do TCU em relação ao processo de compra do medicamento.
Imunoglobulina é um medicamento hemoderivado, ou seja, produzido a partir do sangue, usado para melhorar a imunidade de pacientes acometidos por uma série de doenças, como a síndrome de Guillain-Barré.
Medidas adicionais
A área técnica do TCU diz que o ministério já deveria estar adotando medidas adicionais, seja início de outra contratação em caráter emergencial seja agilizando o edital de uma nova licitação, para evitar qualquer risco futuro de desabastecimento.
A previsão de início da entrega dos medicamentos era 30 de maio. Entretanto, como o produto vendido pela Prime Pharma não possui registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foi necessária a autorização de importação em caráter excepcional, emitida só no dia 29 de maio, o que já inviabilizaria a entrega da primeira parcela na data prevista.
Considerando que se trata de um contrato emergencial para fornecimento de insumo essencial para a saúde pública, o atraso no fornecimento é muito impactante e a inadimplência contratual é grave. — área especializada em auditoria em saúde do TCU
No dia 28 de julho, o ministério enviou uma notificação de descumprimento de contrato, e outra notificação foi enviada no dia 22 de agosto. Questionado pelo tribunal sobre quais medidas vem adotando diante dos atrasos, a pasta informou apenas que enviou notificações. Para a área técnica do TCU, o ministério “mostra-se complacente com atrasos injustificáveis”.
As justificativas da empresa
Ao TCU, a Farma Medical disse que a mercadoria está pronta e embalada desde o dia 13 de junho, e pronta para embarque desde o dia 19 de julho, aguardando apenas a autorização de importação, que, segundo ela, cabe ao ministério.
A área técnica do tribunal, por sua vez, afirmou que “não foram relatadas justificativas razoáveis para esse atraso” e que “não há nenhuma segurança de que essa mercadoria esteja mesmo a caminho e vá ser entregue para o ministério”.
O dono da Farma Medical, Silvio de Azevedo Pereira Júnior, afirmou ao Metrópoles que a auditoria do TCU ignora provas apresentadas pela empresa. “É lamentável que não se tenha uma análise técnica aprofundada ao menos dos documentos emitidos pela Anvisa”, disse.
O empresário ressaltou que a análise dos documentos para a importação dos produtos de sua competência andaram de forma mais lenta que a análise dos produtos entregues por sua concorrente, a Auramedi Farmacêutica.
Auramedi
A representação em questão foi iniciada após um pedido da microempresa goiana Auramedi, na condição de representante da chinesa Nanjing Pharmacare, que ficou com a maior parte do contrato com dispensa de licitação. A Auramedi apontou em uma petição que a sua concorrente não estava entregando os medicamentos, e pediu que a quantia prevista de 90 mil frascos do medicamento pudessem ser acrescentadas em seu contrato.
O ministério abriu em fevereiro uma tomada de preço para contratar, sem licitação, uma empresa para fornecer 383,5 mil mil frascos de imunoglobulina. A Auramedi ficou com o fornecimento de 293,5 mil frascos a R$ 285,8 milhões, e a Farma Medical ficou com o restante. Até o momento, a empresa entregou maior parte das unidades, que chega a mais de 245 mil frascos.
Chama atenção, no entanto, o histórico e porte da microempresa goiana, que possui apenas um funcionário registrado ao menos até março e um capital social de R$ 1,3 milhão. Apesar do porte, a empresa tem cumprido com o contrato, ainda que com atraso em algumas parcelas.
A área técnica do TCU diz que o ministério ainda não pagou pelos produtos, algo que chega até o momento a cerca de R$ 206 milhões, e recomenda que seja feito o pagamento para evitar que a empresa “fique inviabilizada economicamente de fornecer medicamentos”.
Silvio Júnior, da Farma Medical, critica a postura da auditoria. “É lamentável que no próprio despacho do TCU a gente veja o auditor falando que é para pagar rápido, para cumprir o pagamento da Nanjing, para não prejudicar futuros contratos. Ora, a gente não pode ter um órgão regulador dizendo: ‘pague em dia, senão eles não vão vender mais para a gente’. É lamentável”, disse.
Panamerican
A Nanjing também é representada no Brasil pela Panamerican Medical Supply, que tem como um dos sócios Marcelo Pupkin Pitta, empresário do ramo que já foi preso na Operação Vampiro, em 2004, e, de novo, em 2007. As investigações apuraram suspeita de fraude em licitação no Ministério da Saúde, justamente em compras de medicamentos hemoderivados, incluindo imunoglobulina.
O Metrópoles também mostrou nesta semana que a Panamerican fechou dois contratos de R$ 647,2 milhões com o ministério em 2021 e 2022, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para fornecimento deste mesmo medicamento.
Nesta mesma representação analisada pela área técnica do TCU, a Farma Medical aponta suspeita de relação entre a Auramedi e Pitta, mas a questão foi descartada por falta de provas para análise.