Sem câmera: condenados pedem inocência no STJ ao contestar prova de PM
Em meio à polêmica sobre gravações ininterruptas com câmeras para PMs de SP, pedidos de inocência do STJ questionam atuação policial
atualizado
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Em meio à polêmica do uso de câmeras corporais com gravação ininterrupta por policiais de São Paulo, tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) duas ações que pedem absolvição de condenados por alegar que as provas dos crimes foram obtidas de maneira ilícita. Dois condenados, no Rio Grande do Sul e em Goiás, pedem anulação dos casos “por não terem sido apresentadas provas de que havia fundada razão dos PMs para realização das buscas domiciliar e veicular nos casos”.
Os casos são de relatoria do ministro Rogério Schietti Cruz e tramitam na Sexta Turma da Corte. O primeiro recurso é acerca de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que entendeu haver razões para acreditar que condenados por tráfico portavam drogas (certeza visual do crime), não havendo que se falar em nulidade das provas.
A defesa, no entanto, pleiteia a anulação da condenação ao alegar que as provas – busca pessoal e violação de domicílio – foram obtidas ilicitamente, efetivadas sem a demonstração de fundada suspeita acerca da posse de material ilícito.
No caso julgado na Justiça de Goiás, os advogados de condenado também alegam ilicitude nas provas obtidas em razão da busca na caminhonete conduzida pelo acusado, e busca domiciliar sem justa causa, ao argumento de que a diligência é baseada na denúncia anônima e no fato de uma possível menção de que uma pessoa estaria transportando drogas, uma informação genérica.
Nas duas ações não foram apresentadas provas produzidas por câmeras ou imagens da abordagem e ação policial que fundamentem as razões para as buscas. As prisões foram baseadas em ação policial, relatos dos profissionais após supostas perseguições e atitudes suspeitas dos dois condenados.
Nulidade
Em maio, a mesma turma do STJ, por maioria, declarou a nulidade das provas usadas para condenar um homem acusado também por tráfico de drogas. Para o colegiado, diante do confronto de versões sobre o que aconteceu na abordagem do suspeito, cabia ao Ministério Público o ônus de apresentar provas que corroborassem a versão dos policiais.
Como os agentes não usavam câmeras corporais, a Sexta Turma concluiu que foi uma opção do Estado não se aparelhar devidamente para a produção de provas.
O caso julgado em específico trata da abordagem de um homem pela Polícia Militar de São Paulo em via pública. Os policiais disseram que estavam em patrulhamento quando o acusado, ao avistá-los, fugiu e tentou se desfazer da sacola que carregava. O homem jogou a sacola no terreno da casa vizinha à sua. Dentro dela, teriam sido encontrados 62 pinos com cocaína.
A defesa alegou, porém, que o homem foi abordado pela polícia e, apesar de nada ter sido encontrado com ele, passou a ser agredido, por causa de seu histórico criminal. Os advogados sustentaram que a droga encontrada na sacola não pertencia ao acusado e, além disso, teria sido apreendida pela polícia de maneira ilegal, mediante invasão do imóvel vizinho sem mandado judicial.
Ação policial
No STJ, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) sustentou que a fuga repentina após aproximação da polícia e o descarte da sacola levantaram suspeita e justificaram a ação dos policiais, devendo ser reconhecida a legalidade das provas obtidas na abordagem e mantida a condenação.
De acordo com o relator do caso na Sexta Turma, ministro Sebastião Reis Junior, a jurisprudência do tribunal exige que a busca pessoal seja amparada em uma fundada suspeita de que o indivíduo esteja na posse de drogas ou outra coisa ilegal. A busca residencial sem mandado judicial, por sua vez, exige elementos prévios que indiquem que esteja acontecendo um crime no interior do imóvel.
De acordo com o relator, a polícia tentou justificar a abordagem pessoal apenas pelo aparente nervosismo do cidadão, demonstrado com a tentativa de fuga.
O ministro ressaltou que, diante das diferentes versões, caberia ao Ministério Público provar as circunstâncias que autorizaram a busca. Como houve dúvidas entre as versões e não foram apresentadas provas que confirmassem as declarações dos policiais, o ministro entendeu não existir justa causa para a busca pessoal e declarou nulas as provas obtidas.
No julgamento, o ministro afirmou: “Tenho dito com frequência que situações como esta, em que há conflito de narrativas, poderiam ser solucionadas caso a polícia utilizasse meios modernos de controle de sua atividade, como as câmeras. Se registrada a abordagem, bem como seus momentos anteriores, não teríamos dúvida se os fatos ocorreram de acordo com o que foi descrito pelos policiais ou de acordo com o que foi narrado pelo recorrente”, disse.
Câmeras
Logo após o governo de São Paulo abrir edital para comprar 12 mil novas câmeras corporais para a polícia miltar de São Paulo, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo entrou com ação ao alegar que os novos equipamentos podiam significar um “retrocesso” na proteção de direitos, uma vez que permitem que o próprio PM acione o botão para iniciar a gravação.
Também contestou o período de armazenamento das imagens e pediu prioridade para batalhões que, de fato, realizam operações policiais.
Já o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) alegou que o novo modelo, apesar de não ser mais de gravação ininterrupta, permite acionamento remoto e começará a gravação automática sempre que for “detectado som de estampido de tiro”, o “equipamento estiver no raio de 50 metros” de uma ocorrência ou “for desativado durante atendimento”.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, determinou, que o governo Tarcísio seguisse as diretrizes do Ministério da Justiça e Segurança para o uso de câmeras corporais da Polícia Militar (PM) paulista.
Disse ainda que o governo deve prestar contas à Corte sobre a efetividade dos novos equipamentos que serão comprados pelo estado.
Na decisão, o presidente do STF diz que não há razão para rever judicialmente o edital e determina que o governo paulista informe o resultado da licitação e da prova de conceito em até 72 horas após a conclusão de cada ato.
Seis meses após o início da execução do contrato, o governo também deve apresentar “relatório em que avalia a efetividade das novas câmeras contratadas e do software desenvolvido”. Para a análise, a gestão deve seguir as regras previstas nas portarias do Ministério da Justiça e da própria PM paulista.
“Em caso de desempenho insatisfatório, esta Presidência voltará a atuar”, registra Barroso, na decisão.