Secretário de Dino vê dificuldades da esquerda com o tema da segurança
A frente da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar tem desafio de conciliar combate a facções e controle das polícias
atualizado
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Ex-deputado federal por Pernambuco, Tadeu Alencar (PSB) recebeu neste governo Lula a missão de avançar na implementação de câmeras corporais nas polícias brasileiras e ao mesmo tempo manter uma boa relação com os estados, comandaoas por governadores de diferentes posicionamentos políticos. Isso em um cenário em que, segundo ele, a esquerda tem dificuldade de “mergulhar na segurança pública”.
Do mesmo partido do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e derrotado nas eleições para o Parlamento no ano passado, Alencar foi nomeado secretário nacional de Segurança Pública em janeiro deste ano e se deparou com gestores estaduais que até pouco tempo conviviam com um discurso do governo federal em defesa da “licença para matar” para os policiais.
“O controle das polícias é necessário, mas isso não é um mecanismo ideológico partidário. Aliás, o nosso campo político às vezes tem pouca afeição em mergulhar nesse universo da segurança pública. Foi isso que fez Bolsonaro se aproximar da segurança, sem cumprir a pauta”, avaliou o secretário em sua sala no Palácio da Justiça, em Brasília, na última quarta-feira (20/9).
Resistência às câmeras
Nesses oito meses de gestão foram várias reuniões com chefes de polícias, que inicialmente não foram tão receptivos quando o assunto foi câmeras nas fardas. Tanto que não foi cumprida a promessa de condicionar repasse financeiro aos estados em troca da implementação dos equipamentos.
“No começo do ano, esse era um tema quase tabu. Eu me lembro quando falei para os comandantes gerais das PMs no início do ano. Havia uma parte silenciosa, uma parte que gostava e uma parte crítica. Falavam que a gente precisava resolver os problemas de carência das polícias, de estruturação das polícias, da valorização profissional, para depois ter um mecanismo de controle”.
Por outro lado, a equipe de Alencar conseguiu repactuar com os estados o uso de um fundo bilionário de segurança, que nas gestões do órgão no governo Bolsonaro teve baixa execução. O planejamento firmado em agosto é que 80% dessa verba repassada aos estados e DF seja direcionada para redução de homicídios.
Em entrevista ao Metrópoles, Alencar faz um panorama sobre uma das principais secretarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que ainda passa por uma certa turbulência política, diante da possibilidade de Flávio Dino ganhar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) e da pressão de parte do PT para a criação de uma nova pasta só para a segurança pública.
Facções e Bahia
Existe uma visão mais conservadora de que segurança pública é coisa dos estados, e não da União. O senhor se deparou com esse discurso?
Acho que o tamanho do desafio reclama que haja uma atuação coletiva de todos os entes federativos, porque é um problema grande, onde as facções criminosas ganharam uma dimensão muito grande. As facções já ganharam uma musculatura que reclama de todos nós uma atuação integrada, coletiva e a compreensão de que essa é uma responsabilidade coletiva também.
Porque se você for olhar o figurino tradicional clássico, você atribuiria essa responsabilidade apenas aos estados. As polícias com um raio de atribuição mais amplo (militar e civil) são os estados que têm.
Mas a União tem um papel de grande relevo. Em um país de dimensões continentais, cujos problemas de segurança decorrem, em larga medida, de vulnerabilidades sociais crônicas, não se pode permitir o luxo de achar que isso é um problema dos estados ou do estado isoladamente.
A Bahia se destacou na última pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com as maiores taxas de homicídios e de mortes em ações policiais. O que aconteceu de errado na segurança na Bahia?
Eu acho que o problema da Bahia é um problema do Brasil, porque parte do problema da Bahia é em decorrência da expansão da ação criminosa das facções. Não é por causa da inoperância de governos, isso ou aquilo. São problemas estruturais da criminalidade violenta do Brasil, que ora aparece na Bahia, ora aparece no Rio de Janeiro e pode aparecer em outros estados.
Nós temos confiança na ação do governo (da Bahia), do secretário (de segurança) Marcelo Werrner. Eu tenho tido com ele um diálogo permanente. Eles têm se dedicado a esse enfrentamento e esse enfrentamento gera reação. Então, toda vez que a polícia aperta os controles, a estrutura, a sua atuação, a criminalidade responde com violência.
Mas o senhor considera legítimas as mortes em ações da polícia na Bahia?
Eu acho que é um problema sensível e delicado. A minha avaliação não comporta simplificações. Quem detém o monopólio do uso da força tem que ter essa atividade controlada.
Mas nós não incorremos nesse debate de cara ou coroa, que se divide entre os defensores dos direitos humanos e aqueles que defendem um rigor maior da ação policial.
Nós achamos que tem que ser uma polícia que observe as leis e respeite os direitos humanos, mas ela exerce uma atividade que muitas vezes, num conflito, num confronto, você… é uma linha divisória muito tênue. Temos que ter muito equilíbrio para não demonizar de maneira genérica a ação da polícia e, ao mesmo tempo, saber que é uma atividade que ser controlada e estar permanentemente sob supervisão.
Por mais que seja um problema nacional, o senhor não consegue enxergar uma particularidade do que aconteceu na Bahia, que se destacou nos índices de morte violenta?
Na Bahia, se vê, lamentavelmente, uma expansão da criminalidade organizada de maneira muito robusta, o que muitas vezes gera uma atuação mais forte da polícia e isso alimenta uma cadeia de aumento da violência, porque a criminalidade reage e essas situações muitas vezes também provocam o aumento da letalidade, o que não quer dizer necessariamente que haja uma diretriz voltada a isso.
Estamos dialogando com o estado permanentemente. Estamos neste momento fazendo ações integradas em vários estados, inclusive na Bahia. Mas temos segurança de que nós vamos, até o final do ano, ter uma redução da criminalidade nesses estados, inclusive na Bahia.
Câmeras corporais
O ministro Dino dizia que a implementação das câmeras corporais nas polícias seria condição para repasse do fundo de segurança, mas isso não aconteceu. Houve resistência dos estados?
Como a gente não pode obrigar os estados a colocar as câmeras, nós estamos tratando dos protocolos que vão dar suporte a essa utilização das câmeras nas polícias federais e nos estados. E o próximo passo é bonificar e premiar quem se dispõe a usar.
Nós vivemos em uma federação e não podemos obrigar os estados a usarem. Tem que ser na base da persuasão e do incentivo. Hoje estamos mais confiantes que essa tecnologia pode cumprir duas finalidades: preservar a boa ação policial, que é da grande maioria dos policiais. Nós confiamos nas nossas polícias. A câmera garante que o policial acusado de um excesso possa dizer que a ação dele foi dentro dos parâmetros.
E também, claro, como instrumento de controle das polícias, que é necessário, mas isso não é um mecanismo ideológico partidário. Aliás, o nosso campo político às vezes tem pouca afeição em mergulhar nesse universo da segurança pública. Foi isso que fez Bolsonaro se aproximar da segurança, sem cumprir a pauta.
Mas condicionar o repasse da verba e premiar não dá no mesmo?
Não. Você tem na lei que pelo menos 50% dos recursos do Fundo Nacional devem ser repassados para os estados. Eu posso pegar uma parte do recurso que fica no Ministério da Justiça (os outros 50%) e dizer que, além daquilo que você (estado) tem direito, nós vamos usar (a outra metade) para quem adotar determinados procedimentos que são fundamentais para as políticas que nós acreditamos. Um deles? Câmeras corporais. Não vou estimar agora quanto (será a bonificação).
Já tem previsão de quando vai começar essa “premiação” e câmeras na Força Nacional?
Como já definimos a forma de repasse (do fundo de segurança) desse ano, é do ano que vem para a frente. Sobre a Força Nacional, estamos elaborando termo de referência e acredito que até ano que vem a gente tem condição de começar a implementar.
É demorado?
Veja, não é demorado. No começo do ano, esse era um tema quase tabu. Eu me lembro quando falei para os comandantes gerais no início do ano, havia uma parte silenciosa, uma parte que gostava e uma parte crítica. Falavam que a gente precisava resolver os problemas de carência das polícias, de estruturação das polícias, da valorização profissional, para depois ter um mecanismo de controle.
Comandantes de quais estados eram críticos?
Nós estamos fazendo um movimento de aproximação. Isso aí não aproxima. Mas acho que hoje, sinceramente, essa resistência praticamente deixou de existir. De maneira geral, hoje não há nenhum estado reativo a isso. Alguns ficam dizendo que tem determinadas atividades que não combinam com isso, se não vai inibir a atuação.
Dino no STF
Como vai ficar a Secretaria Nacional de Justiça com uma hipotética saída do ministro Dino para o STF?
Nós estamos focados naquilo para o qual fomos demandados. Eu vejo o ministro muito sereno na continuidade das suas atividades aqui. Acho que ele é um elemento muito importante no governo, que tem e teve um papel muito grande de defesa da democracia.
Nós temos a clareza de que ele é alguém que tem uma dimensão expressiva e que, por isso, é cogitado para diversas funções.
O senhor teme uma possível saída do ministro?
Não, não. Eu não tenho esse tipo de preocupação. Essa é uma decisão a cargo do presidente. Certamente, qualquer decisão que ele tomar terá nosso apoio.