Seca extrema expõe grave problema de saneamento no Amazonas
Capital tem menos de 30% de cobertura de rede de esgoto; Amazonas tem só 14,6%, e seca deixa evidente o problema de saneamento básico
atualizado
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A seca extrema que atinge o Amazonas neste ano, resultado de fatores como desmatamento, mudanças climáticas e o fenômeno El Niño, expõe um outro problema vivido na região: um déficit de saneamento básico. Em todo o Estado, apenas 14,6% da população tem atendimento com rede de esgoto, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2021.
Manaus está entre os 20 piores municípios no ranking de saneamento básico entre os 100 maiores, conforme relatório do Instituto Trata Brasil, organização da sociedade civil, com base no SNIS. Apenas 25,5% da população era atendida pela rede de esgoto em 2021. Isso significa que três em cada quatro cidadãos que vivem na capital amazonense não possuem rede de esgoto em suas casas.
A Águas de Manaus, concessionária responsável pelos serviços de água e esgoto na capital, afirma que hoje este percentual é um pouco maior, e chega a 30%.
Em Manaus, os igarapés que deságuam no Rio Negro, principal afluente da margem esquerda do Rio Amazonas, recebem esgoto diretamente, sem qualquer tratamento.
Durante períodos de cheia, a capacidade da água em diluir materiais orgânicos esconde a montanha de esgoto lançado, em especial diante do volume de água na região. Na seca, no entanto, com a redução do volume de água, tudo aparece, incluindo lixo, como pneus e garrafas de plástico. O Rio Negro atingiu o pior nível neste ano desde 1902.
Em um dos bairros de Manaus, o Educandos, algumas casas foram construídas em palafitas, e não possuem sistema de esgoto, tampouco possuem estrutura que possibilite a construção de fossas sépticas. O esgoto dessas casas vai direto para o Rio Negro.
Presidente-executiva do Trata Brasil, Luana Pretto afirma que o Amazonas despeja diariamente o equivalente a 149 piscinas olímpicas de esgoto bruto na floresta amazônica.
Os dados são de estudo feito pela organização que aponta que toda a Amazônia Legal despeja todos os dias 900 piscinas olímpicas de esgoto no bioma, essencial para o mundo. O estado “campeão”, segundo o estudo, é o Pará, com 218 piscinas de esgoto.
Luana ressalta que nos períodos de cheia no Amazonas, o esgoto bruto vai para os rios que, como possuem grande volume de água, têm uma capacidade de diluição maior. Na seca, no entanto, com a vazão menor, o problema é exposto.
“A população continua gerando esgoto durante a seca, e esse esgoto vai para os rios que agora estão mais secos”, pontua. A presidente ressalta, ainda, que a bacia hidrográfica é um ciclo. A água captada de um rio é consumida pela população, vira esgoto e volta para a natureza. Quando o esgoto não é tratado, segundo ela, existe também uma dificuldade de tratamento da água.
A presidente lembra que toda a região norte é deficitária em relação ao saneamento básico, e que além dos prejuízos à natureza, o cenário gera doenças associadas à falta de saneamento, como diarréia e leptospirose.
Um estudo feito pela organização com base nos dados do DataSus aponta que a incidência de internações por doenças de veiculação hídrica é maior na região norte. Foram 13,2 internações por 10 mil habitantes, enquanto na região Sudeste foram apenas 2,3.
“Tem muito ainda a evoluir, principalmente levando em consideração o que o etado representa em termos de Amazônia. Estamos falando de floresta, conservação, e o saneamento faz parte disso. Para ter conservação dos recursos hídricos, fauna e flora tem que lançar esgoto bruto na natureza”, disse ela.
O aposentado Lourival Barros, de 67 anos, mora em Manaus há quase 50 anos e conta que onde vive atualmente, de aluguel, não há rede de esgoto, tampouco fossa séptica. “Sai de casa direto para o igarapé. E o igarapé de lá é fedido, porque só tem esgoto”, conta.
Professora de engenharia civil da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) com atuação em drenagem e recursos hídricos, Jossandra Alves Oka explica que Manaus foi planejada apenas durante o período do ciclo da borracha, antes de 1900. Depois, segundo ela, a cidade cresceu de forma desordenada, e isso impactou no atendimento da rede de esgoto e água.
“A maior parte dos efluentes (resíduos, como dejetos) gerados pelas casas que ficam às margens dos rios vão para os igarapés”, afirmou.
No interior, segundo ela, a situação é ainda pior, porque há menos pessoas (Manaus concentra 52% da população do Estado) e as cidades são mais vulneráveis, vivendo de acordo com o regime climático. “Independente do governo e do tempo, não tem planejamento de saneamento contínuo”, critica.
Empresa promete universalização
Gerente de serviços da Águas de Manaus, concessionária responsável pelos serviços de água, coleta e tratamento de esgoto da capital, Felipe Poli afirma que a empresa assumiu o serviço na cidade em 2018, com 19% de cobertura da rede de esgoto, e que neste ano deve fechar em 31%. Ele afirma que todo o esgoto coletado é 100% tratado, em todas as fases.
Segundo Poli, a empresa fez o compromisso de universalizar a rede de esgoto na capital até 2033, atendendo metas do marco do saneamento. Em 2030, a empresa promete cobrir 80% da cidade. “Vamos em todas as casas, desde as mais pobres, em becos e sobre palafitas”, disse. Desde que assumiu a concessão, a empresa levou rede de esgoto a um setor nos quais as casas são de palafitas, em Cachoeirinha.
“Como é uma ocupação às margens de um igarapé, as casas de palafita não têm estrutura para fossa. Mas tem projeto para colocar rede em alguns locais. Vamos fazer mesmo nos locais de ocupações irregulares, em áreas vulneráveis. A população que mora nessas regiões precisa de saneamento mais do que outras pessoas”, afirmou.
O outro lado
Em nota, a Prefeitura de Manaus informou que, nos últimos três anos, investiu quase R$ 1 bilhão em ações de melhoria e expansão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento
“Conforme o plano, para os próximos 11 anos, o serviço de esgotamento sanitário de Manaus deverá chegar a 90% de cobertura”, pontuou.
Conforme a prefeitura, o planejamento “prevê a implantação de 35 subsistemas de esgotamento, avançando pelas microbacias da capital”.
“Outra importante iniciativa que também consta no Plano Municipal de Esgotamento é a implantação de redes de esgotamento sanitário em áreas vulneráveis como becos e palafitas”, detalhou.
A reportagem tentou contato com o governo estadual e com a Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), que atua em outros municípios do estado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.