Saúde muda forma de registro, e mortes por Covid notificadas desabam
Alteração refere-se às fichas cadastrais que o ministério repassa às secretarias de Saúde. Agora, são exigidos CPF e nº do CNS para registro
atualizado
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O Ministério da Saúde alterou a forma de registrar as mortes no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). A modificação, na prática, pode impactar na notificação os óbitos por Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
No caso de São Paulo, por exemplo, o número de mortes confirmadas na terça-feira (23/3) foi de 1.021, recorde de toda a pandemia até agora. Nas últimas 24 horas, com a troca no sistema, contudo, os registros desabaram e ficaram em 281.
Técnicos da pasta dizem que, agora, são exigidos o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), o número do Cartão Nacional de Saúde (CNS) e um registro sobre se o paciente havia sido vacinado contra a doença. O ministério não informou a justificativa para modificação no processo.
Nesta quarta (24/3), em entrevista no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, o médico Jean Gorinchteyn, secretário de Saúde do estado, reclamou da alteração e afirmou que o Ministério da Saúde não avisou que as mudanças seriam implementadas.
“Se o município não foi adequadamente informado, nem recebeu um prazo para se adequar, ele não consegue se habilitar para preencher esses campos. Muitos desses dados não fazem diferença neste momento”, criticou Gorinchteyn.
A mudança refere-se às fichas cadastrais que a pasta federal da Saúde repassa às secretarias estaduais de Saúde. Lá, os agentes de vigilância em saúde preenchem o formulário, que posteriormente é digitalizado. A mais recente alteração na ficha foi em julho de 2020.
A exigência das informações ocorre um dia após o país registrar o dia mais letal da pandemia. Em 24 horas, 3.251 pessoas morreram por causa da Covid-19.
O Brasil tem mais de 12,1 milhões de casos confirmados do novo coronavírus e 298 mil óbitos em decorrência da doença. O Ministério da Saúde aplicou 15,2 milhões de doses da vacina (entre primeira e segunda doses).
Uma fonte da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde afirmou ao Metrópoles que o preenchimento das informações pode “retardar” o registro de mortes.
“Nem sempre o paciente está com o CPF ou o CNS. Em alguns casos, a pessoa nem tem o cadastro. Isso fará com que o profissional leve mais tempo para efetuar o registro. Isso, em um momento que as internações e mortes estão ocorrendo em volume acelerado”, ponderou.
O que muda para o registro:
- Será exigido o CPF do paciente;
- O preenchimento do número do CNS passa a ser obrigatório;
- A ficha terá que ter a notificação de vacinação do paciente; e
- Se o paciente for estrangeiro, o profissional deverá fazer a ressalva.
Segundo a fonte, o atraso no preenchimento da ficha tem impacto direto na contagem de óbitos pelas secretarias estaduais de Saúde, o que deixa inconsistente a atualização diária do boletim da Covid-19 produzido pela pasta.
“Fora da realidade”
Em Mato Grosso do Sul, o governo também indicou problemas com as novas regras. O secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, afirmou que foram confirmadas 20 novas mortes nas últimas 24 horas, o que não representa a “realidade”.
“Estamos tendo muito mais óbitos que esses anunciados. O sistema, chamado Sivep, está com oscilação, está dificultando a inserção de dados, e certamente amanhã nós vamos ter um número elástico de óbitos, já que a nossa média móvel já ultrapassou a 30 óbitos por dia”, ponderou.
Versão oficial
O Sivep-Gripe é o sistema oficial em que todas as novas hospitalizações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) devem ser compulsoriamente notificadas desde 2009. Com a pandemia de Covid-19, a plataforma passou a ser usada como a fonte oficial das mortes confirmadas em decorrência da doença.
A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre o que motivou a mudança e como ela impacta na divulgação dos dados relacionados à pandemia. A pasta não comentou o assunto até a última atualização deste texto. O espaço continua aberto a esclarecimentos.
“A demanda está sendo apurada com a área técnica. Quando tivermos uma resposta, encaminharemos”, informou a pasta, por meio da assessoria de comunicação.
Polêmica com dados
Essa é a segunda vez que o governo federal faz mudanças na forma de contabilizar mortes por Covid-19. Em junho do ano passado, o Ministério da Saúde passou a analisar casos e mortes por data de ocorrência.
A alteração provocou uma série de reações da comunidade médico-científica. A medida foi entendida como uma tentativa do governo de “maquiar” os números referentes à pandemia.
Antes da troca na forma de contabilizar casos e mortes, o Ministério da Saúde falhou na divulgação dos dados. O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento extrajudicial para apurar o caso.
À época, a pasta divulgava boletins atualizados diariamente entre 17h e 18h, durante coletivas de imprensa. Depois, os dados passaram a ser publicados por volta das 22h.
A pasta também parou de informar os números totais da contaminação no painel oficial e passou a comunicar apenas os números diários.