Saúde distribui máscaras impróprias a profissionais da linha de frente
A Anvisa apontou que os itens não eram indicados para uso hospitalar. Mesmo assim, o ministério se recusou a substituir o material
atualizado
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O Ministério da Saúde forneceu máscaras impróprias para uso médico a profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate à Covid-19.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apontou, em documento elaborado em 13 de janeiro, que as máscaras analisadas — chinesas, do tipo KN95 — não eram indicadas para uso hospitalar.
A Anvisa também afirmou que recebeu diversas reclamações sobre a impropriedade das máscaras, avisou o Ministério da Saúde sobre a necessidade de atender às especificações dos fabricantes e fez um alerta sobre “riscos adicionais” a que estão sujeitos profissionais e pacientes.
Ainda assim, o ministério distribuiu o material e se recusou a substitui-lo diante da recusa de estados em usar os equipamentos. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
A autoridade sanitária dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) suspendeu autorizações emergenciais das máscaras do tipo diante da falta de eficiência mínima na filtragem de partículas.
Os estados também recusaram o material em razão da advertência “non-medical” presente nas embalagens das máscaras enviadas para as secretarias de Saúde locais. Com isso, os equipamentos ficaram parados em estoques, sem uso.
O Ministério da Saúde defendeu as máscaras em documentos elaborados em agosto e novembro de 2020 e em janeiro de 2021. A pasta sustentou que a empresa contratada provou por meio de testes a eficiência de filtragem de cinco marcas, com “eficácia alta” equivalente a máscaras N95 e PFF2. O material, segundo o ministério, seria útil em casos não cirúrgicos.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu, então, posição da Anvisa sobre o assunto. O documento ficou pronto em 13 de janeiro e foi enviado aos procuradores da República pela chefia de gabinete do diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres.
As máscaras com a advertência “non-medical” na embalagem não podem ser usadas por profissionais de saúde, segundo a Anvisa.
Aquisição do material
Num contexto de dificuldade de obtenção do material no mercado externo, uma legislação especial permitiu a dispensa de licitação para a compra de máscaras.
A contratada foi uma empresa de Hong Kong, a Global Base Development HK Limited, representada no Brasil pela 356 Distribuidora, Importadora e Exportadora. O dono da 356, Freddy Rabbat, assinou o contrato, que previu 40 milhões de máscaras. Houve ainda mais 200 milhões de máscaras cirúrgicas no mesmo contrato.
A 356 Distribuidora tem um capital social de R$ 800 mil, segundo os registros da Receita Federal. A Global Base, representada pela 356, já recebeu R$ 734 milhões do governo federal, principalmente pela venda de máscaras na pandemia. Os dados são do Portal da Transparência.
Cada máscara KN95 saiu por US$ 1,65 (R$ 9,20, pela cotação do dólar de quarta, 17/3). O total foi de US$ 66 milhões (R$ 368,3 milhões).
Rabbat, executivo que assinou o contrato com o governo federal, atua em uma empresa de relógios de luxo no Brasil. Ele é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael).
A Anvisa disse, em nota, que o material interditado pode ser usado para substituir máscaras de tecido artesanal ou de uso não profissional.
Já o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da Folha, enviados à assessoria de imprensa da pasta na noite de terça-feira (16/3). Freddy Rabbat também não respondeu.