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Adiamento praticamente enterra debate do uso medicinal da maconha

Governo federal exerce intensa pressão para que Anvisa não regulamente o plantio da erva com fins medicinais por empresas

atualizado

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Quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou, em junho deste ano, o debate em torno da regulamentação do plantio de maconha no Brasil por empresas com fins medicinais e científicos, o governo federal começou uma agressiva pressão para barrar a iniciativa. O esforço deu resultado nesta terça-feira (15/10/2019), quando um diretor nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para a agência ajudou a barrar a votação de resoluções que tratavam do tema.

Oficialmente, o debate foi apenas adiado, mas, na prática, dificilmente ele será retomado, porque os mandatos de outros dois diretores da Anvisa terminam este ano, incluindo o do presidente, William Dib, que é o grande promotor da ideia.

A diretoria da Anvisa é formada por cinco membros, incluindo o presidente. O mais recente, indicado por Bolsonaro, foi Antônio Barra Torres, que pediu mais prazo para a resolução que libera o cultivo da planta por empresas. Ele garante que “jamais” recebeu algum pedido do governo para atrasar a votação, mas sinaliza que, quando o assunto voltar à pauta, poderá votar contra. “Há fragilidades que vamos ver se é possível que sejam superadas. Temas ligados à segurança, à localização geográfica”, disse.

O outro diretor que pediu vista foi Fernando Mendes. Em princípio, esse pedido vale por duas sessões do colegiado (que são semanais) e, na melhor das hipóteses, a votação poderia ser retomada no próximo dia 6 de novembro, mas não há garantia disso porque os diretores podem pedir ainda mais tempo. “Eu tenho a intenção de fazer minha análise nesse período regulamentar, vamos ver”, prometeu Barra Torres.

Em novembro, acaba o mandato do diretor Renato Porto, que lamentou o fato de provavelmente não poder se manifestar sobre a regulamentação da maconha medicinal. No mês seguinte, é a vez do adeus do diretor-presidente – que já votou à favor das resoluções, mas que tem a responsabilidade de trazer o tema para a pauta. Com a saída dos dois diretores, outros precisarão ser indicados pelo presidente Bolsonaro e sabatinados pelo Senado.

Na prática, portanto, o governo ganhou a queda-de-braço com Dib e deve evitar que a Anvisa conclua o longo debate. “Se acontecer, eu lamento. Os servidores fizeram um trabalho extraordinário na formulação dessas resoluções”, respondeu Dib, que enfrentou o governo nos últimos meses e ouviu do ministro da Cidadania, Osmar Terra, que a Anvisa poderia até ser fechada se insistisse no tema.

O uso da maconha para fins medicinais no Brasil já é previsto pela Lei 11.343, de 2006, mas ainda não existe regulamentação — que seria papel da Anvisa. As resoluções foram propostas por Dib, e passaram por consultas públicas entre 21 de junho e 19 de agosto deste ano.

Em seu voto, o diretor-presidente defendeu a relevância do tratamento para pacientes de doenças como epilepsia e argumentou que “há omissão do poder público” e que isso “afronta o direito constitucional à saúde”.

Na Câmara, debate avança
O diretor-presidente da Anvisa pode estar perdendo a batalha em seu próprio quintal, mas poderá defender a regulamentação do plantio da maconha com fins medicinais no Congresso. Ele foi um dos especialistas que teve a convocação aprovada no plano de trabalho da Comissão Especial da Câmara que analisa o tema. O colegiado foi formado na semana passada e, nesta terça-feira (15/10/2019) aprovou 22 requerimentos para auxiliar no debate.

Além de Dib, serão ouvidos pelos deputados os ministros Osmar Terra e Damares Alves, dos Direitos Humanos. Também serão chamados para discutir o tema representantes da Associação Brasileira de Psiquiatria; do Conselho Federal de Medicina; da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis; e da Federação e da Confederação Nacional das Comunidades Terapêuticas.

Relator do Projeto de Lei 399/15 o deputado Luciano Ducci (PSB-PR) pretende sugerir uma regulamentação desses medicamentos mais ampla do que a prevista no projeto original. “Não apenas liberar a comercialização, mas propor regras para o cultivo; a pesquisa; a produção e a comercialização”, disse.

Solução nacional seria alternativa
A importação de remédios à base de princípios ativos da maconha já é regulamentada no Brasil desde 2015. O Metrópoles mostrou, há duas semanas, que enquanto o debate público não avança, quem tem condições financeiras busca cada vez mais a importação de remédios à base de canabidiol para o tratamento de doenças como epilepsia e esclerose múltipla.

Desde o início do ano, a Anvisa recebeu 5.321 pedidos de compra de remédios com canabidiol, um dos princípios ativos da planta de maconha. Em média, portanto, são 19,7 solicitações todos os dias. O número é 47% maior do que os 3.613 feitos em todo o ano passado. Para importar o produto, porém, é preciso pagar preços que superam R$ 1 mil a caixa.

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