Saúde terá menor orçamento em 10 anos. Veja desafios do governo eleito
Entre os principais problemas, Saúde elenca a demanda reprimida de atendimentos na pandemia e a retomada do Programa Nacional de Imunização
atualizado
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Em meio aos trabalhos da equipe de transição do governo eleito, especificamente na área de Saúde, um dos temas que recebe especial preocupação é o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Desde 2016, as taxas de cobertura vacinal para diferentes vacinas têm caído cada vez mais.
A pandemia da Covid-19 e o isolamento social podem ter atrapalhado, mas o negacionismo crescente, ao colocar a efetividade dos imunizantes em xeque, tem um expressivo impacto nessa conjuntura.
A redução do orçamento também compromete a sustentabilidade de diversos segmentos do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com as consultorias de orçamento do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, o valor previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2023 na área da Saúde é o menor dos últimos 10 anos.
Em 2022, o país investiu o montante de R$ 203,8 bilhões na Saúde; já para o próximo ano, estima-se subsídio de R$ 146,4 bilhões.
Relatórios da saúde
Estes são alguns dos principais desafios a serem enfrentados pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na saúde pública. Na última semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) entregou a representantes do grupo técnico da transição na saúde os relatórios de fiscalização da Corte na área.
No diagnóstico, não foi possível avaliar o cumprimento das metas de imunização, devido à falta de dados disponibilizados pelo governo Jair Bolsonaro (PL), além da ausência de boletins epidemiológicos que investiguem a morbidade e a mortalidade da síndrome pós-Covid-19.
O TCU também apontou desperdício de recursos, estimado em R$ 13 bilhões ao ano; a eficiência dos hospitais públicos apresenta média de apenas 28%.
A Corte de Contas identificou “indícios de insustentabilidade no SUS”. Nesse sentido, o tribunal assinalou que “há uma tendência de aumento da necessidade de recursos em razão da mudança do perfil demográfico da população e de aspectos inflacionários, o que, associado ao cenário fiscal desfavorável à ampliação de gastos, pode agravar ainda mais a desassistência verificada na atualidade”.
“Vamos trazer de volta o Zé Gotinha”
Motivo de orgulho nacional em outros momentos, as coberturas vacinais caem gradativamente, ano após ano. Doenças como sarampo e poliomielite – que constituíam antigas ameaças, antes erradicadas – voltam à espreita.
Levantamento feito pelo Metrópoles com informações do Datasus mostra que, em 2015, a cobertura atingiu 84,88%. Em 2016, passou para 78,87%; o percentual caiu novamente no ano seguinte, com 67,44%.
O índice subiu levemente em 2018, com 71,89%; desde então, não apresentou valores maiores que 70%. Em 2019, a cobertura vacinal foi de 69,91%. Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, registrou-se 62,13%. Já no ano passado, a cobertura ficou restrita a 55,10%.
Na quinta-feira (24/11), o presidente eleito reuniu-se com a equipe de transição na saúde e representantes de organizações como Fiocruz, Instituto Butantan, Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
Após receber informações sobre a falta de recursos, o petista falou em recompor o orçamento da pasta, “trazer de volta o Zé Gotinha e fazer do Brasil, mais uma vez, referência mundial em vacinação”.
Negacionismo
De acordo com o senador Humberto Costa (PT-PB), o novo governo promoverá uma grande campanha de vacinação, “acompanhada de uma série de precauções e cuidados, principalmente porque hoje há muita dúvida de parte da população sobre as vacinas e os problemas que elas podem causar – resultado desse trabalho de negacionismo”.
Participei agora de reunião on-line com especialistas em saúde sobre o Programa Nacional de Imunizações, nosso programa de vacinas, que sofreu tanto nos últimos anos. Vamos trazer de volta o Zé Gotinha e fazer do Brasil mais uma vez referência mundial em vacinação. https://t.co/t0RDZqZbYK
— Lula (@LulaOficial) November 24, 2022
O grupo técnico de saúde da transição enxerga “potencial risco” em falta de vacinas no próximo ano. Arthur Chioro, médico sanitarista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apontou que nenhuma das oito vacinas fornecidas pelo Butantan tem programação para 2023.
Orçamento
O Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde, feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) em parceria com a Umane, comparou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023 e 2022 e analisou as quedas nos valores reservados para diferentes programas do SUS.
Em valores totais, as maiores perdas foram registradas no programa Pró-Residência Médica e em Área Multiprofissional – que receberá investimento de R$ 922 milhões, 60% a menos que no ano anterior; e na Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena e Estruturação de Unidades de Saúde e Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) – com subsídio de R$ 910 milhões, 60% a menos que no ano anterior.
O programa Mais Médicos, criado em governo petista e alvo constante de críticas de Bolsonaro e seus aliados, perdeu R$ 366 milhões (31% do valor reservado em 2022).
Maior perda proporcional
A Rede Cegonha de Atenção Materno-Infantil acumulou a maior perda proporcional: R$ 18 milhões, o que equivale a 63% menos que em 2022. O Programa de Implantação e Funcionamento da Saúde Digital e Telessaúde no SUS perdeu R$ 26 milhões, também 63% menor que o ano anterior.
Arthur Aguillar, diretor de políticas públicas do Ieps, aponta a seriedade representada pelos cortes em programas como o de saúde indígena e enfrentamento ao HIV/Aids.
“Esse tipo de restrição pode definir quem tem acesso ao tratamento contra Aids, e definir se será possível fornecer transporte em regiões remotas para comunidades indígenas. É muito grave, define quem vive ou morre no país”, destaca Aguillar.
Estrutura do SUS e políticas públicas
Secretário de Saúde do Espírito Santo e presidente do Conass, Nésio Fernandes destaca a importância de implementar o Planejamento Regional Integrado (PRI), programa pactuado com o Ministério da Saúde, por meio da Resolução CIT nº 37/2018, mas ainda não executado.
A proposta apresentada no PRI define a divisão do país em 115 macrorregiões de saúde. Cada uma deve ter ao menos 700 mil habitantes – com exceção da Região Norte, onde o mínimo é de 500 mil. A ideia é fornecer “serviços de alta complexidade para cada uma”, garantindo que cada região não fique desassistida em estruturas de saúde para atendimentos básico e especializado.
Aguillar reforça: “Precisamos efetivar a regionalização da saúde, uma forma de coordenação entre municípios. Há muita desigualdade em serviços de saúde”.
Fernandes ressalta que é essencial, neste momento, adotar respostas pragmáticas para “melhorar o acesso ao atendimento especializado, à vacinação e a outros serviços”. “Existem alternativas bem avaliadas e já conhecidas que podem ser adotadas pelo novo governo.”
O representante do Ieps relembra também que, com o aumento das despesas obrigatórias, a capacidade de investimento do Ministério da Saúde para o desenvolvimento de políticas tem sido mínimo.
“É preciso tornar o financiamento do SUS mais progressivo, pensar em como instituir modalidades de financiamento regionais”, diz Aguillar.
Outro programa fundamental, na visão de Aguillar, é a Estratégia de Saúde da Família (ESF). “Mais de 70 milhões de pessoas não são cobertas pela ESF. É o lugar da base, é lá que vai acontecer o pré-natal, a vacinação, o manejo das condições crônicas. É necessário investir em quantidade e qualidade.”