Reprodução assistida: tratamento gratuito garante sonho de ter filhos
O serviço custa em média R$ 30 mil na rede privada, mas é possível engravidar sem desembolsar uma fortuna
atualizado
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O peso da palavra “infértil” pode invadir a vida de quem planeja gerar um ser humano. Ela não precisa, porém, sepultar o sonho. Pelo menos 15% da população brasileira têm problemas reprodutivos, segundo o Ministério da Saúde. Tratamentos podem custar milhares, mas há opções gratuitas.
Atualmente, existem no Brasil 12 instituições públicas vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) com programas de reprodução humana assistida. Os locais oferecem cuidados, técnicas e procedimentos de fertilização in vitro e inseminação artificial.
O governo federal tem obrigação de custear todos os exames de atenção básica. Os demais procedimentos, dependendo dos critérios e protocolos de cada serviço, ficam sob responsabilidade do gestor estadual ou municipal.
Brasília tornou-se referência nesse tema. O Hospital Materno Infantil (Hmib) tem um dos programas de reprodução mais antigos do país, que completará 20 anos em agosto, e é um dos únicos a arcar integralmente com o tratamento (remédios, exames e cirurgias).
Os candidatos passam por diversas etapas, entre elas consultas médicas, palestras educativas e entrevistas individuais, além de atendimento psicológico.
Um dos problemas, entretanto, é o tempo na fila. Há 1.100 casais aguardando atendimento. Em média, são quatro anos de espera. Por isso, é importante planejar-se para ser beneficiado. Os servidores públicos Talita Menezes, 33 anos, e Fabrício Menezes, 36, entraram na fila do Hmib quando descobriram que ela tinha endometriose. A doença pode causar esterilidade.
Os dois já tinham tentado várias terapias e até cirurgia, sem sucesso. “Quando casamos, já sabia dessa condição. Então, mesmo não pensando em filhos para logo, entramos na lista de espera. Demorou quatro anos para sermos atendidos”, relata Talita.
Ela fez a fertilização em julho de 2017, e o procedimento funcionou de primeira. Laura nasceu no sétimo mês de gestação, em fevereiro de 2018. “Por quase cinco anos, o Dia das Mães era um pouco triste para mim. Neste ano, posso comemorar com minha filha nos braços”, comemora Talita.
Sempre fui louca para ser mãe. Não conseguia nem imaginar não realizar o sonho. O tempo ia passando de forma dolorosa
Talita Menezes
Gestando sonhos
Neste Dia das Mães (celebrado no próximo dia 13), é Ana Caroline Andrade, 33 anos, quem vai viver essa alegria. Ela está grávida há 15 semanas e aguarda um menino. Fez o cadastro no Hmib em 2014 e só conseguiu engravidar em janeiro de 2018. Ela tem ovário policístico, e o marido, baixa quantidade de espermatozoides.
Ana chama a atenção para a necessidade de incluir o tema “infertilidade” nas consultas periódicas com ginecologista ou urologista, desde cedo. “Muitas mulheres só descobrem o problema quando decidem engravidar. Aí entendem que isso não depende só da vontade delas”, observa. “Se [a paciente] sabe cedo que não pode ter filhos sem ajuda, pode se programar melhor, entrar na fila do SUS com antecedência, por exemplo”, avalia.
A brasiliense enfrentou falta de medicamentos e relata interrupção dos serviços, mas elogia o programa do Distrito Federal. “A equipe é muito cuidadosa, sabe que está lidando com sonhos, ansiedade, expectativas. O projeto passa por um momento delicado e precisa ser protegido”, diz.
O “momento delicado” ao qual Ana se refere é a insuficiência de verba. O que vem do governo nem sempre é suficiente para manter a atividade. Com frequência, a médica Rosaly Rulli, coordenadora de Reprodução Assistida do Hmib, bate à porta de deputados, em busca de emendas. “As dificuldades são enormes, nós não somos prioridade, mas a equipe une forças para fazer com que as coisas andem”, afirma a profissional.
Não há qualquer restrição de perfil para se receber atendimento na unidade. Basta procurar um posto de saúde com documento de identidade para receber encaminhamento. A maior parte das pessoas à espera da fertilização possui baixa renda.
Muitos não têm nem o dinheiro da passagem de ônibus, mas sonham em ser mães e pais. Não se pode negar esse direito a ninguém
Rosaly Rulli, coordenadora de Reprodução Assistida do Hospital Materno Infantil de Brasília
Cuidados de reprodução assistida fazem parte de um pacote voltado especialmente à saúde da população pobre. “As pessoas com baixa renda são as mais atingidas por DSTs, causadoras de infertilidade. O bem maior da humanidade ainda é se perpetuar. Quando um casal se vê infértil, isso mexe inclusive com a saúde mental”, avalia a ginecologista.
Causas e enfrentamento da infertilidade
No sexo feminino, a causa mais frequente de infertilidade costuma ser o fator tubário (infecção ou laqueadura precoce) e, nos homens, a baixa qualidade ou quantidade de espermatozoides. “A sociedade sempre culpa a mulher, mas o problema pode ser dos dois”, ressalta a especialista Rosaly Rulli.
Para ser diagnosticado como estéril, é necessário que o casal tenha mantido relações sexuais sem métodos contraceptivos durante período de um a dois anos e não tenha conseguido engravidar.
Tratamento de infertilidade tem o estigma de ser coisa de rico, mas isso não precisa ser verdade
Rosaly Rulli, coordenadora de Reprodução Assistida do Hmib
Mais de 300 bebês já nasceram com ajuda do projeto comandado por Rulli. A taxa de sucesso é de 35%, número considerado satisfatório para um hospital-escola, como o Materno Infantil de Brasília. São feitos 60 ciclos de fertilização e inseminação por mês, ao custo de R$ 12 mil a R$ 15 mil cada para os cofres públicos. “Na rede privada, sairia por R$ 30 mil, algo inacessível para a maior parte da população”, ressalta a coordenadora.
Mãe de quíntuplos
Linda Mar Miranda Alves da Silva foi uma das primeiras pacientes a participar do programa de fertilização, em 2000. Aos 40 anos, ficou grávida de cinco bebês. Sem ter condições de sustentá-los, ela processou o GDF. A ação corre até hoje na Justiça.
“Era o começo do projeto e me senti uma cobaia. Em nenhum momento soube que seriam cinco embriões, não assinei nenhum papel autorizando”, alega Linda Mar. As crianças nasceram com deficiência e uma delas não sobreviveu.
Atualmente, Ester, Davi, Marta e Rebeca têm 18 anos. Todos têm problemas cognitivos, convulsões e dificuldades de locomoção. A família se sustenta com dinheiro da aposentadoria por invalidez e doações. “Eu era empregada na casa de uma das médicas e ela me chamou pro tratamento. Nunca tive condição de criar cinco filhos de uma vez”, afirma a mãe.
Linda Mar mantém um perfil no Instagram, onde compartilha a rotina dos filhos e mobiliza pessoas para ajudá-los:
Os responsáveis pela inseminação de Linda Mar não trabalham mais no Hmib. Antes de iniciar o tratamento, atualmente, todas as pacientes assinam termos de autorização nos quais consta um conjunto de informações sobre os procedimentos a serem adotados. De acordo com a coordenadora, o hospital segue as regras do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A Resolução CFM nº 2.168/2017 reafirma que o número máximo de embriões a serem transferidos é limitado a quatro, podendo ser menor, de acordo com a idade da paciente: até 35 anos, máximo de dois embriões; entre 36 e 39 anos, o limite é de três; se a candidata tirar 40 anos ou mais, são no máximo quatro. A retirada de embriões em caso de gravidez múltipla não é autorizada no Brasil.
Abaixo, as unidades hospitalares do Brasil que oferecem tratamento para infertilidade pelo SUS:
- Belo Horizonte (MG) – Hospital das Clínicas da UFMG
- Brasília (DF) – Hospital Materno Infantil (Hmib)
- Goiânia (GO) – Hospital das Clínicas
- Natal (RN) – Maternidade Escola Januário Cicco
- Porto Alegre (RS) – Hospital Nossa Senhora da Conceição (Fêmina)
- Porto Alegre (RS) – Hospital das Clínicas
- Recife (PE) – Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip)
- São Paulo (SP) – Hospital das Clínicas de São Paulo
- São Paulo (SP) – Centro de Referência da Saúde da Mulher de São Paulo/Pérola Byington
- São Paulo (SP) – Hospital das Clínicas Faeba Ribeirão Preto
- São Paulo (SP) – Unifesp
- São Paulo (SP) – Faculdade de Medicina do ABC