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Regulamentada às pressas, telemedicina explode no Brasil

Atendimentos remotos registram alta de até sete vezes em 15 dias; procura de jovens por serviço é mais comum, mas idosos têm ajuda de filhos

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Regulamentada às pressas no país por causa do surto de coronavírus, a telemedicina teve nas duas últimas semanas uma explosão em número de atendimentos. O total de profissionais que passaram a oferecer o serviço também cresceu e consultas a distância entraram na rotina de hospitais, operadoras e clínicas.

Em alguns casos, a demanda pela teleconsulta aumentou sete vezes em 15 dias, segundo levantamento feito pelo Estadocom empresas que oferecem a modalidade.

Por resistência principalmente de conselhos regionais de medicina, atendimentos online não eram permitidos no Brasil até março. No dia 19, com a escalada da Covid-19 e a necessidade de reduzir a ida desnecessária a prontos-socorros, o Conselho Federal de Medicina (CFM) enviou ofício ao Ministério da Saúde informando que liberava, em caráter temporário, atendimentos virtuais para triagem e monitoramento de pacientes em isolamento.

No dia seguinte, o ministério editou portaria em que regulamentava a prática em caráter extraordinário para o período da pandemia, abrindo possibilidade para que o atendimento a distância fosse feito não só em casos de suspeita de Covid-19, mas para outros quadros clínicos em que o atendimento remoto se mostrasse como alternativa para reduzir o deslocamento de pessoas e, consequentemente, a propagação do vírus.

Centros médicos que já ofereciam a modalidade mesmo sem aval do CFM tiveram alta expressiva na demanda nas últimas semanas. No Hospital Albert Einstein, que desenvolve ações de telemedicina desde 2012, o número de teleconsultas diárias saltou de 80 para 600 após a regulamentação.

“Cerca de 450 delas são por sintomas relacionados à Covid-19 e as outras 150 são de outras doenças. Estávamos com 100 médicos nesse projeto, mas estamos contratando mais profissionais e devemos chegar a 500”, diz Sidney Klajner, presidente do Einstein.

Entre os pacientes que usam a plataforma de telemedicina do hospital estão beneficiários das operadoras Amil e Care Plus. Na primeira, os atendimentos aumentaram seis vezes. Na segunda, o número de teleconsultas passou de 100 por mês para 100 por dia.

“Já preconizávamos esse tipo de atendimento justamente em situações como essas, em que o deslocamento não é recomendado. Além da parceria com o Einstein para casos que seriam de pronto-atendimento, decidimos autorizar todos os médicos credenciados a fazerem consultas a distância”, explica Ricardo Salem, diretor médico da Care Plus.

Empresas adaptaram plataformas para nova modalidade
Outras dezenas de empresas adaptaram suas plataformas para passar a oferecer o serviço. A Doctoralia, que tem como carro-chefe a marcação online de consultas presenciais, usou a tecnologia de telemedicina que já tem em outros países e começou a oferecer o atendimento virtual no Brasil no mesmo dia em que a portaria do governo foi editada.

Na primeira semana, agendou 5.170 consultas virtuais. Na semana seguinte, o número passou para 8.855, alta de 71%. “Já tivemos mais de 3 mil profissionais cadastrados para oferecer atendimento online. Para poder atender pela nossa plataforma, os médicos precisam ter o CRM e o RQE (registro de especialista) validados”, diz Cadu Lopes, CEO da Doctoralia. Ele conta que as especialidades mais buscadas são psiquiatria, dermatologia, urologia e ginecologia.

Na GSC Integradora de Saúde, mais de 3 mil médicos se cadastraram em apenas 48 horas para oferecer atendimento online. “O objetivo é aumentar a oferta de teleconsulta para tirar pacientes do front dos hospitais. Além de diminuir o risco de colapso do sistema, evita que um paciente se contamine ou seja vetor de transmissão para outras pessoas”, destaca Ana Elisa Siqueira, CEO da GSC.

A rede de clínicas populares Dr.Consulta foi outra que também passou a oferecer atendimento virtual após a regulamentação. Em duas semanas, já foram abertas agendas para profissionais de 20 especialidades e feitas mais de 2 mil consultas online, segundo Renato Pelissaro, diretor de marketing e atendimento ao cliente da companhia. “A quantidade de atendimentos tem dobrado a cada três ou quatro dias. Vemos que o público da consulta virtual é predominantemente jovem e das classes A e B”, relata.

Mas há idosos que, com a ajuda de filhos e netos, também têm usado o serviço para evitar a ida a um consultório, conta Fabrícia Cristina Marques Jung, médica do Dr.Consulta. “São pessoas com doenças crônicas que precisam ser monitoradas, mas que estão com medo de sair de casa por serem do grupo de risco. Às vezes só precisam de um ajuste de tratamento, uma troca de receita. Já atendi um paciente de 85 anos e outro de 95 por videoconferência”, conta a médica, que tem feito atendimentos da própria casa.“Expulsei meu marido do escritório para ficar sozinha por causa do sigilo médico”, brinca Fabrícia.

Há jovens que, mesmo sem estar no grupo de risco, procuram atendimento online para preservar parentes idosos. “Moro com minha mãe, que é idosa, e com meu irmão, que tem problema respiratório. Estava há três dias com sintomas de sinusite, mas não queria ir ao pronto-socorro para não correr risco de me contaminar e trazer o vírus para casa”, conta o gerente de recrutamento e seleção Renan de Carlos Sertorio, de 30 anos, que buscou o atendimento online da Care Plus.

“No começo fiquei meio receoso porque não sabia como o médico poderia me examinar a distância. Mas ele fez perguntas muito precisas, me passou alguns medicamentos e agora estou 100%”, relata.

As prescrições dos medicamentos feitas em consulta virtual são enviadas geralmente por e-mail, com assinatura do médico certificada digitalmente. Todas as informações devem ser registradas em um prontuário eletrônico.

Atraso na regulamentação traz insegurança a médicos e pacientes, diz especialista
A falta de uma regulamentação prévia para a telemedicina traz agora insegurança para a prática no Brasil, segundo Antonio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da Associação Paulista de Medicina (APM). “A última resolução do CFM sobre telemedicina é de 2002.

Desde então, a tecnologia deu um salto brutal, mas, por causa do conservadorismo dos conselhos, não avançamos. A portaria do ministério veio em boa hora, mas, como não tínhamos normas prévias, os médicos estão perdidos em como se adaptar”, diz.

“Eles estão usando o que têm à mão para fazer os atendimentos, como Whatsapp ou Skype, mas essa não é a melhor forma de garantir a privacidade dos dados. Se já tivéssemos regulamentação, os médicos estariam melhor preparados”, ressalta.

CFM não dá prazo para divulgar nova proposta de regulamentação
Procurado para comentar a demora em editar regulamentação para a prática, o CFM afirmou que concluiu em fevereiro a consulta pública para atualizar a resolução de 2002 e que uma comissão especial foi criada para analisar as sugestões e encaminhar a minuta da nova resolução para análise do plenário do conselho. O órgão não deu previsão de quando o documento será concluído e publicado.

Vale lembrar que o CFM chegou a publicar em fevereiro de 2019 uma resolução que atualizava as regras de atendimento a distância no Brasil, mas teve de revogar a norma semanas depois por críticas recebidas de parte dos conselhos regionais, que alegavam não ter sido incluídos no processo de discussão.

Além da portaria do Ministério da Saúde que regulamentou em caráter extraordinário a prática, o Congresso aprovou, na última semana, projeto de lei sobre o assunto, que aguarda sanção presidencial. O texto, porém, também limita a validade das regras ao período que durar a pandemia. Passado o surto, o tema volta a ser de regulação exclusiva do CFM.

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