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Quanto custa adoecer no Brasil?

O Metrópoles levantou quais são os tratamentos mais caros e os mais baratos disponíveis no país e o que determina o seu valor final

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Se o que lhe aflige é uma dor de cabeça resultado de ressaca, estresse ou secura excessiva, basta um par de moedas para resolver o seu problema. Na caixa com 10, cada comprimido de Dorflex, medicamento para dor mais vendido no Brasil, sai, em média, R$ 0,50. Se o diagnóstico, no entanto, for hepatite C, revire a carteira em busca de mais: um comprimido do tratamento de primeira linha hoje no mundo pode sair até R$ 1,7 mil. Ao todo, você vai precisar de 56.

Há dois anos, pouco depois de o medicamento Sovaldi, da farmacêutica Gilead, chegar às prateleiras americanas prometendo a cura da doença hepática em 12 semanas a um custo de US$ 94 mil (cerca de R$ 298 mil, em valores atuais), a revista Bloomberg Businessweek perguntava na capa: “Quanto vale um milagre?”. O medicamento entrava no mercado prometendo solucionar em três meses uma doença potencialmente letal para a qual, até então, o único tratamento disponível tinha a duração de uma vida e trazia uma lista de efeitos colaterais no mínimo incômodos, como calafrios; e no máximo graves, como depressão.

Com a saúde fragilizada, planos de vida comprometidos e o medo da morte assombrando a família, às vezes, a questão, diante do medicamento, acaba sendo decidir entre o sossego financeiro e a própria vida. Quase sempre, ganha quem é dono do conhecimento científico.

“Essa pergunta do ‘quanto vale’ é pertinente porque traz essa discussão. É caro? É. Mas, ao mesmo tempo, não vale a pena fazer um tratamento e se curar de uma doença grave em 12 semanas? Qual é o valor da vida, afinal de contas?”, provoca o farmacêutico Rafael Mota Pinheiro, professor da Faculdade de Ciência da Saúde da Universidade de Brasília (UnB).

Os cálculos e caminhos que justificam os números na etiqueta de uma caixa de remédios guardam vieses difusos, às vezes, até para quem os prescreve. Imagine para quem paga. Segundo o especialista, a diferença entre o que é cobrado em um comprimido de dipirona e a cura para a hepatite passa, entre outras coisas, pelo público — muito mais gente sofre de dor de cabeça do que de hepatite, por exemplo, o que permite que seu custo final seja inferior –, pela tecnologia em pesquisa de moléculas, patentes e marketing.

“Alguns pesquisadores já apontaram que, dentro de um investimento de US$ 1 bilhão de uma farmacêutica no desenvolvimento de um medicamento novo em 2003, cerca de US$ 800 milhões seriam com propaganda. Ou seja, uma boa parcela do valor alegado é puro marketing”, diz Pinheiro.

E não que comprimidos para dor e aspirinas não tenham o seu valor. Mas, justamente porque inovação e tecnologia encarecem a conta final, é nisso que as farmacêuticas têm apostado suas fichas e cabeças pensantes nos últimos tempos. “Com o advento dos genéricos, os laboratórios tiveram que inovar”, aponta o professor da UnB.

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Você tem a patente por 20 anos. Digamos que leve 10 até que ele chegue ao mercado, entre estudos e burocracia. A vida útil da patente para a farmacêutica é muito curta. Nos EUA, no dia seguinte à queda da patente, já há pedidos de registro de genéricos.

Rafael Mota Pinheiro, médico e professor da Universidade de Brasília

A solução, portanto, parece estar em curar doenças difíceis e graves. Acertou quem chutou câncer. As chamadas terapias monoclonais, que visam destruir apenas as células doentes, preservando as saudáveis, têm sugado boa parte dos investimentos das farmacêuticas. Isso porque elas são tão específicas e difíceis que, ainda que a patente vença, dificilmente outras empresas vão se animar em reproduzir as substâncias em seus laboratórios.

“A produção da terapia monoclonal é complexa e fica caríssimo reproduzir em larga escala. E o câncer vai acontecer. Estamos vivendo mais, é natural que uma hora ou outra dê um erro ali no DNA e a doença apareça. E as pessoas — que podem – pagam porque precisam”, acredita Pinheiro.

Por que tão caro (ou barato?)
Como as farmacêuticas geralmente guardam seus segredos de precificação a sete chaves, é quase impossível dizer se um medicamento vale quanto custa sem cair no subjetivismo do preço da vida. Tratando-se de câncer, então, mais ainda. Há, no entanto, um estudo sobre o assunto que serve de régua para entidades patronais do setor no mundo todo, elaborado por um centro especializado da Universidade Tufts, nos Estados Unidos. De acordo com a instituição, a média de custo de desenvolvimento de um novo fármaco hoje é de R$ 8,2 bilhões. O estudo se baseou em dados cedidos por 10 farmacêuticas e 106 medicamentos diferentes.

Recentemente, um novo estudo, também americano, questionou o valor. Segundo a nova estimativa, colocar no mercado um novo tratamento para o câncer suga cerca de R$ 2,03 bilhões, quatro vezes menos que o dado da Tufts. A análise, dessa vez, foi feita a partir de informações públicas de 10 laboratórios farmacêuticos que lançaram medicamentos oncológicos nos EUA, entre 2006 e 2016, e é assinado por pesquisadores da Universidade de Ciência e Saúde de Oregon e do Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, referência mundial em assuntos de câncer.

A reportagem do Metrópoles entrou em contato com três farmacêuticas em busca de fontes institucionais que explicassem como funciona a precificação das substâncias. A assessoria de imprensa da Roche informou que não tem, no Brasil, ninguém apto a falar sobre o assunto. A francesa Sanofi respondeu que, por causa do prazo, não conseguiria atender a demanda. Já a brasileira Aché pediu as perguntas por e-mail, mas não retornou com as respostas.

No Brasil, quem estabelece o valor máximo de venda de uma droga, quando ela é aprovada para venda no país, é a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), uma secretaria dividida entre Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alguns deles chegam a ser mais baratos que o valor no exterior porque, por meio do Sistema Único de Saúde, o governo negocia descontos com a indústria na compra de lotes.

O Sovaldi, por exemplo, para hepatite (responsável pela manchete da Bloomberg Businessweek), foi aprovado pela Anvisa no Brasil em abril de 2015. Ao contrário dos US$ 94 mil anunciados lá, custa, por aqui, até R$ 90,2 mil, considerada a maior alíquota de ICMS aplicada (que varia de 12% a 20%, dependendo do estado). Ainda assim, ocupa o segundo lugar no ranking dos mais caros à venda no país, segundo a lista da própria CMED.

“O menor preço de dois tipos de insulina do mundo é aqui, porque o governo faz compras únicas para todos os municípios”, pontua Rafael Mota Pinheiro. “O Brasil tem poder de compra porque é um país de dimensões continentais. Lá fora, onde são os planos que pagam o tratamento, a briga fica entre os grandes”, diz. No caso do Sovaldi, a Gilead, farmacêutica americana dona da patente do medicamento, concedeu ao governo brasileiro um desconto inicial de 85% para que a droga fosse distribuída pelo SUS.

Em resposta a um pedido da reportagem, o Ministério da Saúde informou que, atualmente, a CMED tem um banco de dados de mais de 25 mil medicamentos com preços regulados. A precificação de entrada da droga no país passa, segundo o órgão, por uma análise das características farmacêuticas do medicamento (como validade de registro sanitário e classificação terapêutica), seguida de uma apuração econômica da substância.

Essa análise, ainda de acordo com o ministério, busca verificar se o remédio leva uma molécula inédita no país ou se é feito a partir de ativos já registrados por aqui. Caso seja nova, o cálculo do preço máximo leva em conta fatores como preços praticados em outros países ou o custo de terapias equivalentes já existentes. “Nesses termos, o preço-teto não pode ser superior ao preço permitido nos países que compõem a cesta prevista pela CMED, nem ao custo de tratamento de outro medicamento equivalente”, informa a nota.

Os valores estão disponíveis em um documento de quase 800 páginas no site da secretaria. O topo da lista é ocupado pelo medicamento Viekira Pak, da farmacêutica americana AbbVie, cujo valor máximo de venda ao consumidor é fixado em nada menos que R$ 94.485,45, considerando a alíquota máxima de 20%. O medicamento é usado no tratamento de hepatites virais.

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Uma drogaria on-line de medicamentos especiais anuncia a caixa do remédio em oferta especial, dividindo o valor em três parcelas de R$ 23.960,53. Outra loja faz promoção da droga: de R$ 103.488, por R$ 92,4 mil. O segundo lugar do ranking fica com o Sovaldi, da Gilead, também para hepatites virais (R$ 90.192,59), seguido do Imbruvica, da Janssen-Cilag (R$ 65.734,57), do Ilaris (Novartis, R$ 63.415,83) e do Olysio (Janssen-Cilag, R$ 49.511,31).

Na ponta oposta, a lista de medicamentos mais baratos inclui, na sua maioria, genéricos e similares e abarca antibióticos, anti-hipertensivos e substâncias de uso hospitalar. O mais barato deles, de acordo com a lista do Ministério da Saúde, é o metilsulfato de neostigmina, vendido a R$ 0,48 a seringa para drogarias e farmácias.

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