País não terá UTIs suficientes se 9% da população pegar Covid-19
O SUS possui cerca de 27 mil leitos de UTI e está contratando mais três mil para distribuir pelo país. Estudo revela provável déficit
atualizado
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A velocidade do avanço do coronavírus no Brasil – o último balanço registrou 1.891 casos confirmados no país – preocupa porque mesmo as previsões mais otimistas mostram que o sistema hospitalar não será capaz de amparar todos os pacientes que contraírem a Covid-19 e precisarem de atendimento. No caso das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que se fazem necessária em casos mais graves, o cenário é dramático, sobretudo em áreas do Nordeste e na região metropolitana do Rio de Janeiro, provavelmente os primeiros locais a enfrentarem um colapso.
Um estudo recém-divulgado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) mostra que, em um cenário no qual 9% dos brasileiros peguem Covid-19 ao mesmo tempo e 5% deles precisem de UTI por cinco dias, 53% das regiões de saúde (áreas que englobam cidades com características parecidas) precisariam ter o dobro de leitos em relação à quantidade atual.
Este cenário, porém, pode ser até otimista e a realidade ainda mais grave, dado que o próprio Ministério da Saúde acredita que a epidemia só começará a perder força no Brasil quando mais de 50% dos brasileiros forem infectados.
Os cinco dias de UTI também parecem pouco para o que está ocorrendo até agora. A primeira paciente a ter sido diagnosticada com Covid-19 no DF, por exemplo, está internada na UTI do Hran há 20 dias e, em estado gravíssimo, não tem previsão de alta.
“A falta de UTIs no Brasil é um problema estrutural, que, de repente, o país precisa resolver com urgência”, avalia o médico sanitarista Adriano Massuda, um dos autores da pesquisa e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. “Temos que, ao mesmo tempo, correr muito atrás do prejuízo e adotar medidas que impeçam que muitas pessoas se infectem ao mesmo tempo e sobrecarreguem ainda mais o sistema”, completa ele, que considerou insuficientes as medidas anunciadas até agora pelo governo para aumentar o número de UTIs (veja abaixo).
Em um cenário um pouco mais pessimista, com 20% da população infectada na mesma época, 294 das 436 regiões de saúde do país não dariam conta de atender os pacientes graves em UTIs – o que inevitavelmente faria a taxa de letalidade da Covid-19 avançar (sem contar os indicadores das outras doenças com necessidade de atendimento urgente).
Em uma de suas entrevistas sobre o coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, admitiu que trabalha com a possibilidade de um colapso do sistema público em abril de 2020, por causa do coronavírus.
Tamanho do “problema estrutural”
A pesquisa, cuja íntegra está no fim desta reportagem, mostrou que em 72% das regiões de saúde o número de leitos de UTI do SUS é inferior ao considerado adequado pelo próprio SUS em um ano típico, sem o coronavírus.
O adequado, segundo dados oficiais, é de 10 a 30 leitos para cada 100 mil habitantes. O número médio do país é de 7,1 leitos para cada 100 mil, mas há cenários mais dramáticos. Em 142 regiões de saúde (das 436 do país), não há nenhum leito de UTI disponível. Isso significa que 14% da população brasileira está descoberta, segundo dados oficiais usados pelos pesquisadores.
Veja esses dados distribuídos no mapa do país:
Outros levantamentos sobre leitos de UTI e coronavírus têm chegado a conclusões parecidas. A Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), por exemplo, calculou que o Brasil precisa aumentar em pelo menos 20% o total de leitos para adultos em UTI para o SUS para garantir tratamento de pacientes de coronavírus.
O que diz o governo
A pesquisa do Ieps leva em conta apenas os leitos de UTI em hospitais públicos ou geridos pelo SUS. Em nota sobre o levantamento, o Ministério da Saúde lembrou que o número de UTIs dobra quando se considera a rede privada – que pode ser contratada pelo governo em caso de necessidade. “O país tem uma oferta de 55.101 leitos de terapia intensiva. Desse total, 27.445 são do SUS, com taxa de ocupação média de 78%”, pontuou a pasta.
O Ministério da Saúde informou ainda que “estão em processo de locação de 3 mil leitos de UTIs volantes de instalação rápida” e que “a pasta iniciou a distribuição de 540 leitos de UTI para os 26 estados e o Distrito Federal, atendendo solicitação dos secretários estaduais de Saúde”.
O prazo para montagem dessas UTIs volantes, com estrutura simplificada, é de sete a dez dias.
Para o pesquisador que fez o levantamento, porém, o governo precisará se esforçar muito mais. “É uma medida importante, mas me parece tardia e insuficiente para a necessidade”, diz Massuda. “O ministério tem feito um excelente trabalho de vigilância epidemiológica, porém na parte assistencial a gente vê uma lacuna no apoio às regiões mais vulneráveis”, conclui.
Veja a íntegra do estudo:
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