Governo age para brecar liberação da maconha medicinal
Projeto de Lei que regulamenta venda de remédios e uso está parado na Câmara, enquanto Anvisa adiou votação de regulamentação do plantio
atualizado
Compartilhar notícia
Prevista para esta terça-feira (08/10/2019), a reunião da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para tratar da regulamentação do cultivo de maconha para fins medicinais no Brasil foi adiada na véspera e remarcada para a semana que vem. O adiamento é a consequência mais clara dos resultados da pressão que o governo federal tem feito para travar o debate sobre o assunto.
Essa pressão tem dados frutos também no Congresso Nacional, onde os projetos de lei que tratam do uso medicinal da maconha também estão parados. A tramitação da iniciativa mais adiantada foi travada por uma canetada do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no último dia 28 de agosto. Trata-se do PL 399/15, do deputado federal Fábio Mitidieri (PSD-SE), que altera as leis que tratam de entorpecentes “para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”.
No dia marcado para a instalação da comissão especial para debater o PL de Mitidieri e outros sete textos parecidos, o presidente da Casa decretou o adiamento por tempo indeterminado do ato. Fontes ligadas ao governo garantem que Maia travou o debate atendendo a pedidos diretos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do ministro da Cidadania, Osmar Terra.
O Metrópoles entrou em contato com a assessoria de comunicação do presidente da Câmara, que não informou quando a comissão será instaurada.
Batalha da Anvisa
O ministro da Cidadania, aliás, não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre sua atuação para evitar que a Anvisa regulamente o plantio da maconha por empresas farmacêuticas, mas já ameaçou até fechar a agência se as propostas forem aprovadas.
Não se iludam!Estamos diante de um poderosíssimo lobby maconheiro, vindo principalmente do Canadá,que está gastando milhões de dólares em parcela importante da nosssa imprensa,usando pessoas com doenças raras, para ganhar bilhões de dólares depois com liberação do uso da droga.. https://t.co/G027UEY8MB
— Osmar Terra (@OsmarTerra) October 6, 2019
A Anvisa abriu em junho deste ano duas consultas públicas sobre o uso medicinal e científico da Cannabis sativa (nome científico de uma das variedades de maconha). O objetivo era discutir os procedimentos para permitir o plantio por empresas e o registro de produtos com substâncias ativas da planta.
A reunião que estava prevista para esta segunda é uma das últimas fases deste processo. Os cinco conselheiros da agência devem votar se liberam ou não a regulamentação. Oficialmente, o órgão informou que a reunião foi remarcada porque “foram apresentadas algumas sugestões dos diretores ao texto” e “antes da apreciação pelo colegiado, as novas considerações serão avaliadas pelas áreas técnicas, bem como pela Procuradoria da Anvisa”. As sugestões não foram detalhadas.
O órgão tem autonomia para liderar o debate porque a previsão de plantio de vegetais para produzir drogas com “fins medicinais” está no texto da Lei de Drogas, de 2006, e a regulamentação fica justamente a cargo da Anvisa. Desde que a iniciativa foi lançada pelo diretor-presidente da instituição, William Dib, os mais altos escalões do governo se colocaram contra. Além de Terra, também o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu declarações contra o plantio de maconha no Brasil e o próprio presidente Jair Bolsonaro ameaçou demitir Dib.
O diretor, porém, tem mandato até 2020 e não pode ser mandado embora. Brecar o debate por vias burocráticas, então, foi definido como a estratégia do governo. Em agosto, quando um dos mandatos de diretores acabou, o governo indicou um militar para o posto, o contra-almirante Antonio Barra Torres. Existe a forte possibilidade de que ele peça vista (mais tempo para avaliar) quando (e se) as resoluções forem votadas, no próximo dia 15 de outubro.
A ideia é segurar a discussão até que o governo possa trocar mais diretores, no primeiro semestre de 2020, para barrar o plantio.
Solução nacional seria alternativa
A importação de remédios à base de princípios ativos da maconha já é regulamentada no Brasil. O Metrópoles mostrou, na última semana, que enquanto o debate público não avança, quem tem condições financeiras busca cada vez mais a importação de remédios à base de canabidiol para o tratamento de doenças como epilepsia e esclerose múltipla.
Desde o início do ano, a Anvisa recebeu 5.321 pedidos de compra de remédios com canabidiol, um dos princípios ativos da planta de maconha. Em média, portanto, são 19,7 pedidos novos todos os dias. O número é 47% maior do que os 3.613 pedidos que foram feitos em todo o ano passado. Para importar o produto, porém, é preciso pagar preços que superam R$ 1 mil a caixa.