Frigoríficos no Sul do país têm surtos de coronavírus: 143 casos e 3 mortes
Há registros em ao menos 13 unidades, e cerca de 16 mil trabalhadores estão expostos. Sindicatos e MPT acusam JBS de dificultar combate
atualizado
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A infecção pelo coronavírus avança rapidamente em indústrias de abate e processamento de animais nos estados do Sul do país, maiores produtores de carne bovina do Brasil. Segundo denúncias de sindicatos e órgão de fiscalização, há cumplicidade de empresários que se recusam a adotar medidas de segurança sanitária.
A situação mais grave é no Rio Grande do Sul, onde há 143 casos confirmados, três mortes diretas e outras seis indiretamente relacionadas ao setor – de pessoas que provavelmente contraíram a enfermidade de trabalhadores infectados.
Pelo menos um frigorífico– da JBS, em Passo Fundo (RS) – foi interditado após ação do Ministério Público do Trabalho na última semana porque se tornou foco de transmissão do coronavírus, com 19 casos confirmados em curto período de tempo. Mesmo após a interdição, a contagem de casos só nessa unidade chegou a 48, segundo o MPT e secretarias municipais de saúde da região.
Sob a condição de anonimato, uma funcionária dessa unidade, na cidade do interior gaúcho a cerca de 300 km de Porto Alegre, contou que o clima foi de terror até que os apelos de trabalhadores pela interdição fossem atendidos.
“Eu não sou grupo de risco, mas trabalhava apavorada porque vivo com meus pais de quase 80 anos. Uma colega que trabalhava bem perto de mim na fábrica teve teste positivo. Quando eu soube, por pouco não me demiti na hora. Só não fiz isso porque dependo muito do emprego. É o sustento lá de casa”, contou ela.
“Até virar notícia, a empresa foi muito irresponsável. As pessoas com claros sintomas de coronavírus que iam ao ambulatório recebiam um antitérmico e voltavam a trabalhar. Agora, o resultado é essa tristeza”, completou.
Grande processadora de proteína animal, Passo Fundo, maior cidade do norte gaúcho, com 200 mil habitantes, registrava, até o fim da semana, 11 das 58 mortes contabilizadas no Rio Grande do Sul e 159 dos 1.529 casos confirmados. Os infectados no frigorífico, porém, também são moradores de outras cidades.
Além do município, há casos de coronavírus dentro de plantas industriais frigoríficas nas cidades gaúchas de Marau, Garibaldi, Lajeado, Carlos Barbosa, Encantado e Tapejara. Entidades que representam os trabalhadores também registram a doença em frigoríficos de Ipumirim (SC) e Paranavaí (PR). O epicentro do problema, portanto, ainda está no Rio Grande do Sul.
Trabalhadores pedem distanciamento e segurança
A indústria alimentícia é considerada atividade essencial e não chegou a ser afetada por medidas restritivas de circulação para barrar o coronavírus. Entretanto, entidades representativas de trabalhadores alertam para o risco de desabastecimento no país se houver colapso do setor devido à Covid-19.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores da Alimentação e Afins (CNTA) e a Confederação Brasileira Democrática dos Trabalhadores da Alimentação (Contac-CUT) enviaram a autoridades, como aos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina, ofícios pedindo a redução de 50% do número de trabalhadores nas fábricas por turno, sem redução de salário e exigências de aumento de produtividade. É uma solicitação que engloba não apenas os frigoríficos, mas todo o setor de produção de alimentos.
“Sabemos das necessidades do país, mas a saúde dos trabalhadores tem que ser prioridade, ainda que isso tenha impacto na produção. Pior é perder o controle e ver fábricas interditadas, como em Passo Fundo”, afirma o presidente da CNTA, Artur Bueno de Camargo.
“O governo precisa agir, inclusive regulando o setor emergencialmente. Não faz sentido exportar agora, deveríamos estar focados na segurança alimentar do mercado interno”, pede ele.
As entidades, com o MPT, têm buscado acordos com grandes empresas do setor e apontam a JBS como a mais resistente. “O Grupo BRF se dispôs a uma discussão nacional, está colaborando, até porque é do interesse deles. Mas a JBS não abre negociação com ninguém”, afirma ele.
“No caso de Passo Fundo, eles são responsáveis diretos, porque até quando o diagnóstico do funcionário por Covid-19 era confirmado eles obrigavam a pessoa a ir entregar o laudo na empresa. Muitos funcionários morando em cidades vizinhas, pegando o transporte público”, acusa Artur Bueno de Camargo, em entrevista ao Metrópoles.
Outro lado
O Metrópoles pediu entrevista com algum diretor da JBS e aguarda retorno. Em nota, a empresa refuta as acusações feitas pelo MPT e pelos sindicatos e informa que “está confiante na segurança das medidas adotadas com o objetivo de prevenir o contágio da Covid-19 e proteger cada um de seus colaboradores na unidade de Passo Fundo (RS)”.
“A empresa esclarece que seus procedimentos atendem em 100% as orientações da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia para o setor frigorífico. Ao contrário do auto de interdição, que extrapola o protocolo da Secretaria do Trabalho, as ações implementadas pela JBS estão totalmente amparadas em laudos e recomendações técnicas dos órgãos de saúde e de especialistas da área médica, incluindo a Consultoria do Hospital Albert Einstein, contratado pela JBS para apoiar em tudo o que se refira à prevenção e segurança contra a Covid-19, conferindo ainda mais qualidade técnica e segurança às medidas tomadas pela empresa”.
Já os ministérios da Economia e da Agricultura e Pecuária ainda não se manifestaram sobre os pedidos das entidades.