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Em seis anos, Brasil desativa 10 mil leitos pediátricos na rede pública

Em 2010, havia 48,2 mil vagas (entre leitos próprios e conveniados). No ano passado, a quantidade caiu para 38,1 mil

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Renato Araújo/Agência Brasília
1 de 1 - Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

Brayan tinha só um dia de vida quando foi diagnosticado com disfunção cardíaca grave. Os médicos da maternidade avisaram à família que ele teria de ser transferido para um hospital especializado e passar por cirurgia o mais rápido possível. Quanto mais o procedimento demorasse, maior era o risco de morte. A vaga, porém, só saiu três meses depois, quando a família entrou com ação na Justiça. “Toda noite era uma angústia. A gente ia embora do hospital e não sabia se ele estaria vivo no outro dia”, diz a atendente Érica Bezerra de Melo, de 25 anos, mãe do bebê.

Hoje com 6 meses, Brayan sobreviveu à cirurgia. Já Luan, nascido em novembro, não suportou tamanha demora. Diagnosticado também com problema no coração, o bebê morreu com só 70 dias, após aguardar um mês por um leito que nunca foi liberado. “A gente tenta acreditar que ele veio para esse mundo numa missão. Ou a gente pensa assim ou fica revoltado”, diz a prima do menino, a estudante Maria de Jesus Araújo, de 19 anos.

A situação da rede hospitalar para crianças no país preocupa. Entre 2010 e 2016, o Sistema Único de Saúde (SUS) fechou quase 10,1 mil leitos de internação em pediatria clínica (para pacientes de 0 a 18 anos), segundo levantamento inédito feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria e obtido com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo. Em 2010, a rede pública tinha 48,2 mil vagas do tipo (entre leitos próprios e conveniados). Em 2016, caiu para 38,1 mil.

Só em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais, estruturas necessárias para atender recém-nascidos em estado grave, como Brayan e Luan, faltam 3,2 mil leitos, conforme parâmetro da Sociedade de Pediatria. Segundo a entidade, são necessários ao menos 4 leitos do tipo por mil nascidos vivos. No país, a taxa atual é de 2,9.

“É uma situação gravíssima porque as crianças muitas vezes chegam a um serviço de pronto-socorro e não têm para onde ser encaminhadas. Sofrem a família, a criança e a equipe médica”, afirma Luciana Rodrigues Silva, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Ela atribui a situação à falta de investimento do Ministério da Saúde na área. “Muitos serviços estão fechando as portas por uma questão financeira. Há ainda casos de unidades desativadas porque não têm profissionais suficientes no quadro.”

Dificuldade
Nascido no interior do Tocantins, Luan foi um dos cinco bebês que morreram nos últimos meses no Estado à espera de transferência. No caso dessas crianças, a dificuldade era ainda maior do que a oferta do leito. Não há, em todo o Tocantins, serviço que faça cirurgia cardíaca infantil. O governo estadual depende da liberação de vagas em Goiás, que também enfrenta déficit de leitos.

“Como não há o serviço organizado aqui, sempre que surge paciente com essa necessidade, o estado fica no escuro, tentando resolver de última hora e achar a vaga em outros locais”, explica Maria Roseli de Almeida Pery, promotora do Ministério Público Estadual (MPE) do Tocantins. Após as mortes dos bebês, ela entrou com ação civil pública para tentar obrigar a Secretaria Estadual da Saúde a criar uma unidade de saúde que absorva a demanda.

Maria de Jesus até chegou a procurar o MPE na tentativa de conseguir a transferência de Luan. “Entraram com ação, mas aí tem muita burocracia na Justiça, teve o feriado de carnaval no meio e as coisas não andavam. No dia 1º de março, na Quarta-Feira de Cinzas, ele não aguentou mais”, afirma.

O quadro dramático não se limita a regiões com estrutura mais precária. São Paulo, estado mais rico do país, é também o que mais perdeu leitos pediátricos no período. No estado, a Defensoria Pública acumula casos de crianças da capital que só conseguiram vaga por decisão judicial ou cuja sentença favorável chegou tarde.

“A fila é a coisa mais cruel que existe porque quem cuida da regulação dos leitos acaba tendo que brincar de ser Deus, organizando por gravidade os que vão conseguir”, afirma Flávio Américo Frasseto, defensor público da Infância e Juventude.

Embora tenha tido alta, Brayan vai precisar de cirurgias cardíacas no futuro. Para a família, fica o receio de enfrentar tudo de novo. “Não gosto nem de pensar para não sofrer por antecipação. Nossa maior preocupação é ele não conseguir leito quando precisar”, afirma a mãe.

Investimento
O Ministério da Saúde diz que elevou em em 12% o investimento na área de 2010 a 2016. A redução de leitos, defende, está relacionada à mudança no perfil epidemiológico e à tendência mundial de “desospitalização”. Segundo a pasta, “tratamentos que antes exigiam internação passaram a ser feitos no âmbito ambulatorial e domiciliar”.

O ministério diz ter seguido essa lógica ao investir na expansão de leitos pediátricos voltados aos casos de maior complexidade. Segundo o órgão, se considerar só esse tipo de vaga, a expansão é de 15% no período.

A Secretaria Estadual da Saúde afirmou que a redução “se concentrou principalmente entre os hospitais filantrópicos, como as Santas Casas”, entidades que sofrem dificuldades financeiras “em razão do subfinanciamento federal da saúde”.

Assim como o ministério, a secretaria disse que mudanças em protocolos clínicos levaram à redução da necessidade de internação. O Estado promete ao menos 30 leitos de UTI pediátrica e neonatal com a entrega de nove hospitais em construção.

A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (capital que mais perdeu leitos) diz que já trabalha na implantação de 117 novos leitos pediátricos neste ano, nos hospitais da Brasilândia e de Parelheiros, ambos em obras. Apesar da redução, segundo a pasta, houve aumento de vagas em alguns tipos de serviço, como UTIs infantis. Ressaltou ainda que tem “sistema de regulação de vagas informatizado e online 24 horas por dia”, que otimiza o uso de leitos.

Já a Secretaria de Saúde do Tocantins disse que atua “na busca de vagas em centros pediátricos de cirurgia cardíaca de todo o País para que sejam feitas as transferências necessárias”. Afirmou ainda que “vem empreendendo todos os esforços” para implantar serviço do tipo no Estado.

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